São Paulo, terça-feira, 29 de janeiro de 2002

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JANIO DE FREITAS

Impunidade

Enquanto ocorre superficial e infrutífera discussão sobre a necessidade, ou não, de se aumentarem as penas chegando até a prisão perpétua, em menos de duas semanas produzem-se três fatos que conduzem diretamente à razão da queixa mais generalizada, unânime mesmo, e há muito tempo carente de discussão que nem se inicia. Os três fatos e a queixa que os antecede dizem respeito à chamada impunidade.
A escritora Glória Perez sintetizou, no desencantado desejo de ir-se do Brasil, o misto de pasmo, desesperança e indignação suscitados pela tão antecipada liberdade -mais que isso, comutação da pena, equivalente à inocentação- concedida aos autores, Paula Thomaz e Guilherme de Pádua, do pavoroso assassinato da jovem Daniela Perez. A perversidade aplicada nesse crime foi de monstros, atraída a mocinha com requintes charmantes e exterminada, indefesa, a golpes de tesoura. Monstros às vésperas de serem agraciados com a liberdade dos que vivem como pessoas.
Impunes esses criminosos por vontade pessoal dos magistrados que examinaram os pedidos de soltura?
A desconfiança com que foi recebida na opinião pública a prisão de sete banqueiros do Nacional, na sexta-feira, justificou-se com a decisão de soltura aplicada, ontem, pelo próprio presidente do Supremo Tribunal Federal ao recurso da defesa. Os banqueiros falsificaram a existência de quase 700 contas, desviaram mais de R$ 6 bilhões e deixam ao Banco Central um prejuízo, sob a forma de dívida, de quase R$ 14 bilhões. Todos ricos, é claro, são passíveis de seguir o exemplo, ou o caminho, do seu similar Salvatore Cacciola.
Para quem não se lembra, o Nacional foi o banco que motivou a criação, sob sigilo e proteção do trabalho em uma noite e madrugada adentro, do Proer e do sistema de verdadeiros presentes de certos bancos a outros (no caso, a parte boa do Nacional foi logo para o Unibanco e a chamada "banda podre" ficou com o governo). Muito citada à época, porque co-proprietária e diretora do Nacional, uma nora de Fernando Henrique Cardoso não figura entre os acusados por absoluta e reconhecida inocência. Ex-nora, aliás, desde pouco depois da quebra do seu banco, o que levou à reforma neoliberal da velha sabedoria, agora assim: em vida de marido e mulher, ninguém deve meter o Proer.
É consensual a convicção de que só a criminalidade pobre não usufrui da chamada impunidade. É verdade, mas em termos. Em dezembro passado, a imprensa do Rio noticiava a prisão de um rapaz dado como chefe de tráfico de droga e portador de uma granada. Foto muito semelhante, incluindo a granada, fora publicada exatamente um ano antes, quando de prisão do mesmo rapaz, sob a mesma acusação, em dezembro de 2000. Se era chefe de tráfico e preso com uma granada, apesar disso estava livre e entregue à sua atividade.
Os banqueiros foram liberados por vontade pessoal do julgador? E o acusado de tráfico?
O Judiciário, como tudo mais, não é feito só de pessoas íntegras. Mas o grande veio da impunidade está em inúmeras brechas que, talvez pensadas na origem como protetoras de direitos e de possível inocência, necessitam, elas sim, da revisão que muitos desejam para a duração das penas. Com brechas já injustificáveis, tanto faz se as penas são longas ou curtas. O mesmo se pode dizer dos inquéritos policiais, cuja costumeira insuficiência técnica muitas vezes força juízes a absolvições contra sua convicção.
A impunidade existe, sim. Mas, com maior frequência, melhor se chamaria dificuldade de punir ou manter a punição, dados os furos que precisam ser reexaminados na legislação.


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