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JANIO DE FREITAS
Impunidade
Enquanto ocorre superficial
e infrutífera discussão sobre
a necessidade, ou não, de se aumentarem as penas chegando
até a prisão perpétua, em menos
de duas semanas produzem-se
três fatos que conduzem diretamente à razão da queixa mais
generalizada, unânime mesmo,
e há muito tempo carente de
discussão que nem se inicia. Os
três fatos e a queixa que os antecede dizem respeito à chamada
impunidade.
A escritora Glória Perez sintetizou, no desencantado desejo
de ir-se do Brasil, o misto de pasmo, desesperança e indignação
suscitados pela tão antecipada
liberdade -mais que isso, comutação da pena, equivalente à
inocentação- concedida aos
autores, Paula Thomaz e Guilherme de Pádua, do pavoroso
assassinato da jovem Daniela
Perez. A perversidade aplicada
nesse crime foi de monstros,
atraída a mocinha com requintes charmantes e exterminada,
indefesa, a golpes de tesoura.
Monstros às vésperas de serem
agraciados com a liberdade dos
que vivem como pessoas.
Impunes esses criminosos por
vontade pessoal dos magistrados que examinaram os pedidos
de soltura?
A desconfiança com que foi recebida na opinião pública a prisão de sete banqueiros do Nacional, na sexta-feira, justificou-se com a decisão de soltura aplicada, ontem, pelo próprio presidente do Supremo Tribunal Federal ao recurso da defesa. Os
banqueiros falsificaram a existência de quase 700 contas, desviaram mais de R$ 6 bilhões e
deixam ao Banco Central um
prejuízo, sob a forma de dívida,
de quase R$ 14 bilhões. Todos ricos, é claro, são passíveis de seguir o exemplo, ou o caminho,
do seu similar Salvatore Cacciola.
Para quem não se lembra, o
Nacional foi o banco que motivou a criação, sob sigilo e proteção do trabalho em uma noite e
madrugada adentro, do Proer e
do sistema de verdadeiros presentes de certos bancos a outros
(no caso, a parte boa do Nacional foi logo para o Unibanco e a
chamada "banda podre" ficou
com o governo). Muito citada à
época, porque co-proprietária e
diretora do Nacional, uma nora
de Fernando Henrique Cardoso
não figura entre os acusados por
absoluta e reconhecida inocência. Ex-nora, aliás, desde pouco
depois da quebra do seu banco,
o que levou à reforma neoliberal
da velha sabedoria, agora assim: em vida de marido e mulher, ninguém deve meter o
Proer.
É consensual a convicção de
que só a criminalidade pobre
não usufrui da chamada impunidade. É verdade, mas em termos. Em dezembro passado, a
imprensa do Rio noticiava a prisão de um rapaz dado como
chefe de tráfico de droga e portador de uma granada. Foto
muito semelhante, incluindo a
granada, fora publicada exatamente um ano antes, quando de
prisão do mesmo rapaz, sob a
mesma acusação, em dezembro
de 2000. Se era chefe de tráfico e
preso com uma granada, apesar
disso estava livre e entregue à
sua atividade.
Os banqueiros foram liberados por vontade pessoal do julgador? E o acusado de tráfico?
O Judiciário, como tudo mais,
não é feito só de pessoas íntegras. Mas o grande veio da impunidade está em inúmeras brechas que, talvez pensadas na
origem como protetoras de direitos e de possível inocência,
necessitam, elas sim, da revisão
que muitos desejam para a duração das penas. Com brechas já
injustificáveis, tanto faz se as
penas são longas ou curtas. O
mesmo se pode dizer dos inquéritos policiais, cuja costumeira
insuficiência técnica muitas vezes força juízes a absolvições
contra sua convicção.
A impunidade existe, sim.
Mas, com maior frequência,
melhor se chamaria dificuldade
de punir ou manter a punição,
dados os furos que precisam ser
reexaminados na legislação.
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