São Paulo, sexta-feira, 29 de abril de 2005

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PODERES EM ATRITO

Medida considerada de caráter "não legislativo" poderá ser votada, mesmo que uma MP tranque a pauta

Severino abre espaço para driblar MPs

FÁBIO ZANINI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A Câmara dos Deputados abriu ontem pela primeira vez uma brecha na regra que estabelece que nada pode ser votado pelo plenário da Casa enquanto a pauta estiver "trancada" por medidas provisórias que não foram votadas no prazo previsto.
Atendendo a uma consulta do líder da oposição, José Carlos Aleluia (PFL-BA), a Mesa Diretora da Casa autorizou a votação de matérias de caráter "não legislativo", que, segundo esse entendimento, não tratam de projetos de lei, emendas constitucionais, decretos legislativos ou MPs.
Seriam enquadradas nessa categoria medidas de caráter administrativo e jurisdicional, como a cassação de deputados, impeachment de presidente da República, eleição de integrantes da Mesa, escolha dos representantes no Conselho de República e eleição de ministro do TCU (Tribunal de Contas da União).
Isso possibilitará que o pedido de cassação do deputado André Luiz (sem partido-RJ), acusado de tentativa de extorsão, seja votado pela Câmara na próxima quarta-feira.
Por analogia, o Senado, se seguir o precedente da Câmara, poderá aprovar a indicação de embaixadores ou de diretores do Banco Central mesmo com a pauta trancada.
O parecer à consulta de Aleluia foi elaborado pelo 1º vice-presidente da Câmara, José Thomaz Nonô (PFL-AL), e pela Secretaria Geral da Mesa, órgão de assessoria regimental. O presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), aceitou o parecer e leu a decisão em plenário.

Nova interpretação
O que Nonô e os assessores fizeram foi dar nova interpretação à parte da Constituição que trata da tramitação de MPs. Desde 2001, quando a regra atual foi instituída, uma MP "tranca" a pauta se não for votada em 45 dias -ou seja, nada pode ser votado antes da aprovação ou rejeição da MP.
O artigo 62 da Constituição diz que "ficam sobrestadas [suspensas], até que se ultime a votação [da MP], todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando".
O parecer entende que casos como cassação de deputados e eleição de membros do TCU não são "deliberações legislativas".
"Não podendo caracterizar-se como legiferantes [de produção de leis], tais decisões não são atingidas pela norma constitucional que determina o sobrestamento das deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando a medida provisória", diz o texto.
Especialista em questões constitucionais, o advogado Walter Ceneviva, colunista da Folha, vê com estranheza a idéia de separar as deliberações da Câmara em duas categorias, "legislativas" e "não legislativas". "O fato de uma matéria ser votada em plenário, mesmo que não seja especificamente uma lei, dá a ela caráter legislativo", afirmou.
Por trás da interpretação constitucional da Câmara, há questões políticas. Severino tem se irritado constantemente com o número de MPs que impedem outras votações. Além disso, Há mais de um mês a cassação do deputado está parada, esperando liberação da pauta. "O parecer é fundamentado juridicamente, e bem fundamentado, mas é evidente que estamos dando uma resposta política à sociedade", afirma Nonô.
Ele admite que o deputado André Luiz, ou outro que se sinta prejudicado, pode recorrer ao Supremo Tribunal Federal. André Luiz foi procurado ontem pela Folha, mas não foi localizado.
O governo deu aval tácito à manobra por entender que o resultado prático não ameaça diretamente a estratégia de usar as MPs para paralisar as votações importantes, quando não há acordo.
É o que vem ocorrendo com a reforma tributária, que se encontra parada em razão do trancamento da pauta.


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