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PODERES EM ATRITO
Medida considerada de caráter "não legislativo" poderá ser votada, mesmo que uma MP tranque a pauta
Severino abre espaço para driblar MPs
FÁBIO ZANINI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A Câmara dos Deputados abriu
ontem pela primeira vez uma brecha na regra que estabelece que
nada pode ser votado pelo plenário da Casa enquanto a pauta estiver "trancada" por medidas provisórias que não foram votadas
no prazo previsto.
Atendendo a uma consulta do
líder da oposição, José Carlos Aleluia (PFL-BA), a Mesa Diretora da
Casa autorizou a votação de matérias de caráter "não legislativo",
que, segundo esse entendimento,
não tratam de projetos de lei,
emendas constitucionais, decretos legislativos ou MPs.
Seriam enquadradas nessa categoria medidas de caráter administrativo e jurisdicional, como a
cassação de deputados, impeachment de presidente da República,
eleição de integrantes da Mesa, escolha dos representantes no Conselho de República e eleição de
ministro do TCU (Tribunal de
Contas da União).
Isso possibilitará que o pedido
de cassação do deputado André
Luiz (sem partido-RJ), acusado
de tentativa de extorsão, seja votado pela Câmara na próxima quarta-feira.
Por analogia, o Senado, se seguir o precedente da Câmara, poderá aprovar a indicação de embaixadores ou de diretores do
Banco Central mesmo com a pauta trancada.
O parecer à consulta de Aleluia
foi elaborado pelo 1º vice-presidente da Câmara, José Thomaz
Nonô (PFL-AL), e pela Secretaria
Geral da Mesa, órgão de assessoria regimental. O presidente da
Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), aceitou o parecer e leu a decisão em plenário.
Nova interpretação
O que Nonô e os assessores fizeram foi dar nova interpretação à
parte da Constituição que trata da
tramitação de MPs. Desde 2001,
quando a regra atual foi instituída, uma MP "tranca" a pauta se
não for votada em 45 dias -ou
seja, nada pode ser votado antes
da aprovação ou rejeição da MP.
O artigo 62 da Constituição diz
que "ficam sobrestadas [suspensas], até que se ultime a votação
[da MP], todas as demais deliberações legislativas da Casa em que
estiver tramitando".
O parecer entende que casos como cassação de deputados e eleição de membros do TCU não são
"deliberações legislativas".
"Não podendo caracterizar-se
como legiferantes [de produção
de leis], tais decisões não são atingidas pela norma constitucional
que determina o sobrestamento
das deliberações legislativas da
Casa em que estiver tramitando a
medida provisória", diz o texto.
Especialista em questões constitucionais, o advogado Walter Ceneviva, colunista da Folha, vê
com estranheza a idéia de separar
as deliberações da Câmara em
duas categorias, "legislativas" e
"não legislativas". "O fato de uma
matéria ser votada em plenário,
mesmo que não seja especificamente uma lei, dá a ela caráter legislativo", afirmou.
Por trás da interpretação constitucional da Câmara, há questões
políticas. Severino tem se irritado
constantemente com o número
de MPs que impedem outras votações. Além disso, Há mais de
um mês a cassação do deputado
está parada, esperando liberação
da pauta. "O parecer é fundamentado juridicamente, e bem fundamentado, mas é evidente que estamos dando uma resposta política à sociedade", afirma Nonô.
Ele admite que o deputado André Luiz, ou outro que se sinta
prejudicado, pode recorrer ao Supremo Tribunal Federal. André
Luiz foi procurado ontem pela
Folha, mas não foi localizado.
O governo deu aval tácito à manobra por entender que o resultado prático não ameaça diretamente a estratégia de usar as MPs
para paralisar as votações importantes, quando não há acordo.
É o que vem ocorrendo com a
reforma tributária, que se encontra parada em razão do trancamento da pauta.
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