São Paulo, Quinta-feira, 29 de Abril de 1999
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CELSO PINTO
Cautela com o fim da crise


Washington - Na reunião anual do FMI (Fundo Monetário Internacional), em setembro passado, o centro da discussão era se o mundo iria repetir uma depressão ao estilo dos anos 20. Nesta "reunião da primavera" do FMI, encerrada ontem em Washington, o clima foi muito melhor, mas houve cautela em declarar que o pior já passou.
A prudência é uma boa conselheira para o FMI. Na reunião do FMI de 97, em Hong Kong, o tom dominante foi o de que o pior da crise asiática já havia passado, poucos meses antes de a crise assumir proporções catastróficas na região. A Indonésia, até então pouco atingida, foi saudada em Hong Kong como exemplo de um país que escapou da crise porque foi mais longe na liberalização dos fluxos de capitais. Entrou em colapso logo em seguida, e seu PIB caiu 14% em 98.
Economistas independentes endossam a cautela. O prestigiado IEI (Instituto para a Economia Internacional), de Washington, é um deles. Morris Goldstein, do IEI e ex-alto funcionário do FMI, sugere: "É bom manter, por enquanto, o champanhe na geladeira".
O principal receio é de um segundo mergulho da economia mundial. Em vez de consolidar a recuperação recente dos mercados e retomar o crescimento, o medo é haver uma nova rodada de problemas.
Goldstein disse à coluna que as chances de haver uma nova rodada de problemas são equivalentes às de o rumo melhorar de vez. Os principais riscos, a seu ver, vêm de três áreas: Japão, China e Europa.
O medo no Japão é o estímulo fiscal não funcionar e a política monetária acelerada fazer o iene voltar à região de 150 ienes por dólar. O medo na China é uma desvalorização que leve a uma nova rodada de desvalorizações na Ásia. A China só manteve o crescimento no ano passado graças a uma injeção de gastos públicos, mas as exportações estão caindo neste ano, depois de ficarem estagnadas em 98.
A Europa também preocupa porque está desacelerando. Como a previsão é que os Estados Unidos tenham que reduzir o crescimento já neste ano, porque não têm mais como sustentá-lo apenas pela demanda de consumo, a Europa teria que ocupar seu lugar como "locomotiva" da economia mundial.
Se isso não acontecer, a recuperação esboçada nos preços das matérias-primas vai reverter, e, com isso, vai se complicar a situação de países emergentes que dependem de exportações desses produtos.
Obviamente, o cenário positivo de Goldstein é o oposto. O Japão e a Europa se recuperam, os Estados Unidos aterrissam de forma suave e os países emergentes continuam com suas reformas.
Goldstein está convencido, de todo modo, que os mercados financeiros reagiram, por enquanto, de forma exagerada no lado positivo. A recuperação não veio puxada por melhoras significativas nos fundamentos dos países emergentes, mas pela ambição de assegurar ganhos de curto prazo.
De fato, os prêmios pagos por títulos de países emergentes caíram rapidamente de mais de 900 pontos básicos de porcentagem acima dos títulos do Tesouro americano (ou mais de 1.000 no caso brasileiro) para a casa dos 500 pontos. Em 96, na euforia anterior à crise asiática, o prêmio ficou na casa dos 300 pontos. Valorizações como essa significam oportunidades de ganhos rápidos de capital não disponíveis nos mercados desenvolvidos. A percepção é que nesses países, especialmente na Bolsa americana, os preços já estão altos demais.
O principal receio, diz Goldstein, é que a rapidez da recuperação financeira acabe tirando o fôlego para avançar nas reformas necessárias na Ásia e no Brasil. Houve progressos importantes nos dois lugares, mas ainda sobram dúvidas.
O teste decisivo para o Brasil será mais para o final do ano, diz. A economia e as exportações precisam reagir, e o governo precisa mostrar progressos concretos na área dos fundamentos da economia. Na Ásia, da mesma forma, o progresso recente ainda é incipiente, e, se, por exemplo, a Coréia não mostrar vontade de continuar as reformas no setor produtivo, pode estar sujeita a uma nova rodada de desconfiança.
Outra área de cuidados, observa, é a estrutura da dívida. Por enquanto, ainda é cedo para rejeitar capitais de curto prazo, mas é essencial que o Brasil não repita os erros passados e se torne vulnerável a esses capitais.
Da mesma forma, é preciso colocar um limite na dependência de capitais externos. No mundo pós-crise asiática e russa, "um país terá que ter uma história muito incomum para contar se quiser ter um déficit em conta corrente de 4% ou 5% do PIB", sugere.


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