São Paulo, quarta-feira, 29 de maio de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ELIO GASPARI

Luiz Inácio Soros da Silva

Diante do componente paleolítico que se infiltrou na marquetagem do debate presidencial, pode-se suspeitar que George Soros tenha acabado no PT. O banqueiro que simbolizou a internacionalização da finança mundial acaba de publicar um livro ("On globalization", ou "Sobre a Globalização", ainda inédito no Brasil) no qual diz coisas assim:
-Há hoje no mundo um desequilíbrio entre os lucros privados e o bem-estar público. O 1% mais rico da população mundial acumula uma renda igual à dos 57% mais pobres. Mais de 1 bilhão de pessoas vivem com menos de um dólar por dia. Não foi a globalização quem criou essa situação, mas ela fez muito pouco para corrigi-la.
-A despeito de todas as suas virtudes, a globalização prejudicou muita gente que não dispunha do amparo de uma rede de proteção social.
-Os países mais desenvolvidos gastam algo como 360 bilhões de dólares por ano subsidiando suas lavouras. Enquanto isso, gastam apenas 53,7 bilhões de dólares em ajuda internacional. Os Estados Unidos continuam a tirar proveito de suas leis contra a concorrência desleal, que podem ser usadas contra a importação de produtos baratos. Essas caraterísticas criam um jogo desigual.
-As economias emergentes (tipo Pindorama) estão sofrendo uma drenagem de capitais somada a custos crescentes de financiamento. Em 1996 as economias emergentes receberam 81,7 bilhões de dólares. Em 2000 elas transferiram 106 bilhões.
-Desde a crise financeira de 1997/99, as taxas de risco das economias emergentes subiram de patamar. Noutra manifestação do jogo desigual, as melhores empresas dos países emergentes vêem-se obrigadas a pagar juros mais altos para se financiarem, perdendo competitividade. "Isso é verdade para países tão diferentes quanto a África do Sul, a Bulgária e o Brasil."
-A banca internacional ainda não entendeu a extensão da crise argentina, provocada pela decisão do ministro da Economia, Domingo Cavallo, de "sacrificar tudo no altar da paridade com o dólar e no cumprimento das obrigações internacionais".
Tratando da Argentina, Soros sustenta que o governo dos Estados Unidos construiu uma tragédia. Tinha que escolher entre apoiar uma política econômica sem nexo (a paridade cambial) ou deixar que o país fosse à bancarrota. Apoiou a primeira alternativa e depois mudou-se para a segunda. Deu no que deu.
Soros continua acreditando na globalização. Apenas dissocia-se da espécie que denomina "fundamentalistas do mercado".Faz uma série de propostas para reativar os programas de ajuda internacional e defende uma redefinição do papel do FMI.
Todos os candidatos a presidente podem dizer coisas como as que Soros disse, mas, se Lula disser só uma delas, as patrulhas paleolíticas haverão de chamá-lo de radical, inimigo dos capitais internacionais, da globalização e da luz elétrica.
Soros não acabou no PT pelo que escreveu sobre a economia global, mas porque em seu livro referiu-se duas vezes ao programa Bolsa-Escola, "que paga subsídios às famílias pobres, desde que suas crianças frequentem a escola regularmente".
O nome e a amplitude do programa foram uma criação do professor Cristovam Buarque, quando ele governou Brasília. Começou a funcionar em 1996 e no início de 1998 atendia 44 mil crianças de 22.400 famílias. Dava um salário mínimo para cada domicílio pobre, desde que a criança não faltasse mais de um dia por mês às aulas. Derrubou a evasão escolar dos bolsistas para 0,4% e a repetência para 7%, contra um índice geral de 17%. Em 2001, o governo federal fez coisa semelhante, subsidiando com R$ 15 cada criança (até um limite de R$ 45).
Registre-se que um dos maiores propagandistas do Bolsa-Escola de Cristovam Buarque foi FFHH. Quando ele elogiava a iniciativa de um governante petista, ninguém o acusava de estar se apropriando dos acertos alheios. Essa mania o tucanato adquiriu há pouco tempo.



Texto Anterior: Governo: Planalto anuncia novo advogado-geral
Próximo Texto: Judiciário: STF apresenta proposta para aumento de juízes
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.