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São Paulo, quinta-feira, 29 de maio de 2003

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JANIO DE FREITAS

Inflação de nuvens

A objetividade e a firmeza com que o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, sustentou ontem na Câmara que os juros continuarão altos como política de combate à inflação, que lhe parece ainda ameaçadora, vai além de um contravapor na ampla expectativa de alguma redução dos juros a partir de junho, já que a inflação tem diminuído.
Juros oficiais são questão técnica até certo ponto. A partir daí, começam a se tornar também questão política. No governo passado, a altitude absurda atingida pelos juros, em diferentes períodos, foi mais tolerada na opinião pública em razão da evidência de riscos -ditos de procedência externa, mas, a rigor, decorrentes de uma política econômica fragilizante. A tolerância não evitou, porém, que a altitude dos juros fosse um dos fatores por onde começou a descrença no governo de Fernando Henrique Cardoso.
No governo Lula, depressa os juros se tornaram questão política. Estão no centro das considerações negativas sobre o governo. E a cada dia levam mais apoiadores a atitudes de crítica. O deputado Delfim Netto, nesse sentido, foi ontem de clareza total: "Os juros reais têm que ser iguais à taxa do PIB, para que haja crescimento". Os jornais fazem onda com as críticas do vice-presidente José Alencar, e chegam à tolice de fantasiar que Lula lhe fizesse uma repreensão, mas entre os subordinados de fato a Lula, ou aos condutores do PT, os juros já levam a romper o dique do silêncio imposto. Senador Aloizio Mercadante: "A política econômica tem que ser mudada. Com essas amarras não há crescimento".
Nesse quadro, revestido da contrariedade geral de que só o setor financeiro está fora, como beneficiário dos juros, a confirmação da taxa sufocante não ficará sem efeitos agravantes do clima já ruim. Há elementos suficientes para admitir que o governo esteja caminhando rumo à sua primeira crise. A julgar pelo conjunto de nuvens que se arma em setores sociais e econômicos, a oposição aos juros paralisantes terminará por se tornar incontrolável antes que a inflação desça tanto quanto o governo exige para adotar juros toleráveis.
Talvez Lula e seu governo estejam precisando passar por isso. Talvez prefiram a alternativa de abrir olhos e encontrar meios altivos de antecipar-se sem perder a face. A primeira hipótese, consideradas a arrogância e a presunção em vigor, por ora é a mais provável.


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