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ARTIGO
Um início pragmático
CARLOS LOPES
ESPECIAL PARA A FOLHA
Sessenta anos após a formação das Nações Unidas,
a Organização encontra-se em
um momento de reforma sem
precedentes. O início das comemorações do aniversário da ONU
coincidirá com a celebração da
Cúpula de Setembro, que fará um
balanço do progresso obtido na
implementação dos Objetivos de
Desenvolvimento do Milênio
(ODM) desde 2000.
Em 2002, Kofi Annan comissionou o Projeto do Milênio com o
objetivo de recomendar um plano
de ação para atingir os ODM
mundialmente até 2015. O relatório desse Projeto, "Investindo no
Desenvolvimento: um plano prático para atingir os Objetivos de
Desenvolvimento do Milênio", foi
apresentado ao Secretário-Geral
no início do 2005.
No ano seguinte, consciente de
que as Nações Unidas tinham
chegado a um momento decisivo,
o Secretário-Geral pediu a instituição de um Painel de Alto Nível
sobre Ameaças, Desafios e Mudança. O momento foi avaliado
como uma oportunidade para
que as Nações Unidas se adaptassem às novas ameaças, caso contrário, poderiam erodir no âmbito de tanta discórdia entre os Estados e unilateralismo. Nesse contexto, o Painel produziu o documento "Um mundo mais seguro:
nossa responsabilidade compartilhada" que propõe uma nova visão da segurança coletiva para o
século 21.
Esses dois estudos deram os insumos necessários para o relatório do Secretário-Geral "Um conceito mais amplo da liberdade".
Nesse documento, Kofi Annan
apresentou uma série de compromissos políticos e reformas institucionais para serem assumidos
pelos líderes mundiais na Cúpula
prevista para Setembro. O Secretário-Geral pede ação nas áreas
de desenvolvimento, segurança e
direitos humanos. Indica, ainda,
as mudanças necessárias, no âmbito da Organização, para garantir que se avance,
com igual determinação, nessas
três linhas de
atuação. As propostas defendidas
são absolutamente alcançáveis se
obtiverem o apoio
e compromisso
dos líderes internacionais.
O Secretário-Geral espera que
"Um conceito
mais amplo de liberdade" simbolize um novo início,
tanto para o sistema internacional
como para a própria ONU. O título do relatório é retirado da Carta
das Nações Unidas que defende a
necessidade de "promover o progresso social e a melhoria das condições de vida no âmbito da mais
ampla liberdade".
Para Kofi Annan, isso implica
que o desenvolvimento é possível
apenas em condições de liberdade
e que as pessoas só poderão se beneficiar da liberdade política no
momento em que tiverem, pelo
menos, a oportunidade de alcançar condições dignas de vida. Ou
seja, as pessoas serão realmente
livres quando não estiverem
ameaçadas pela violência e a
guerra e se os seus direitos fundamentais e dignidade estiverem assegurados por lei. Portanto, os direitos humanos, o desenvolvimento e a segurança são mutuamente interdependentes e, quando tratados de forma relacionada, contribuem para uma liberdade mais ampla.
Nesse sentido, o
Relatório do Secretário-Geral está dividido em
quatro partes. A
primeira faz referência aos desafios do desenvolvimento. Em
2005, uma parceria global precisa
ser plenamente
estabelecida, em
coerência com os
compromissos assumidos, em
2002, tanto na
Conferência Internacional sobre
Financiamento
para o Desenvolvimento, em Monterrey, quanto
na Cúpula sobre Desenvolvimento Sustentável de Joanesburgo.
Esse acordo global deve ser motivado pela responsabilidade coletiva entre os países em desenvolvimento e os desenvolvidos. Os
primeiros têm de fortalecer a governabilidade, combater a corrupção e estabelecer planos nacionais de luta contra a pobreza.
Os segundos devem incrementar
a ajuda para o desenvolvimento,
aliviar a dívida mais amplamente, e estabelecer um comércio
orientado para o desenvolvimento dos países mais pobres.
A segunda parte do documento
trata as questões relativas à violência e à segurança. As ameaças
à paz, próprias do século 21, são
vistas não apenas sob a ótica convencional das guerras e conflitos,
pois incluem também o terrorismo, as armas de destruição em
massa e a violência civil.
Sobre esse tema, o Secretário-Geral propõe a criação da Comissão de Nações Unidas para a
Construção da Paz, um órgão estabelecido dentro do Secretariado
e que ajudaria aos países em
transição. Os Estados devem ainda, acordar sobre uma definição
clara e consensual sobre o conceito de terrorismo.
Uma outra área de relevância é
a dos direitos humanos. Nas últimas seis décadas, o marco normativo sobre os direitos humanos
tem avançado consideravelmente, no entanto, a sua aplicação
precisa ser fortalecida. Devemos
passar da era da legislação à era
da implementação. Nesse sentido,
o Relatório de Kofi Annan propõe
a substituição da Comissão de Direitos Humanos por um Conselho
de Direitos Humanos, com um
número menor de membros a serem escolhidos pela maioria de
dois terços da Assembléia-Geral.
Além disso, o Escritório do Alto
Comissariado para os Direitos
Humanos deve contar com maiores recursos humanos e financeiros para desempenhar um papel
mais ativo nas deliberações do
Conselho de Segurança e na Comissão de Construção da Paz.
Ademais, deverá ser criado um
Fundo para a Democracia que
proveja assistência aos países em
transição para a democracia.
A quarta parte do Relatório
aborda a necessidade de adaptação da ONU às circunstâncias do
século 21. Conforme afirma o Secretário-Geral, a Organização será mais eficaz se o Secretariado
for mais flexível e transparente às
prioridades dos Estados Membros
e aos interesses
dos cidadãos. O
Conselho Econômico e Social deve
ser reformado para garantir o progresso efetivo na
agenda de desenvolvimento das
Nações Unidas;
para constituir-se
em um fórum de
cooperação para o
desenvolvimento
de alto nível; e para aconselhar aos
diversos atores intergovernamentais na área econômica e social.
Quanto ao Conselho de Segurança,
o Secretário-Geral defende uma
maior representação da comunidade internacional como um todo e maior coerência com a realidade geopolítica atual.
O Relatório "Um conceito mais
amplo de liberdade" se insere em
um contexto internacional em
que, pela primeira vez na história, existe uma visão comum sobre desenvolvimento, pautada
pela Declaração do Milênio e os
Objetivos de Desenvolvimento do
Milênio e pela necessidade de assumir respostas conjuntas às
ameaças e desafios que afrontam
os países. O Relatório não é um
pacote de medidas utópicas, mas
um conjunto de compromissos
políticos e reformas institucionais
mundiais factíveis.
A Organização das Nações Unidas é, nesse sentido, o fórum adequado para que os países soberanos possam acordar sobre estratégias conjuntas a
problemas comuns. A ONU garante ainda os
instrumentos necessários para colocar essas estratégias em prática.
Quase sessenta
anos após a criação das Nações
Unidas, os valores
éticos que a criaram continuam
plenamente vigentes. A quatro
meses da celebração da Cúpula de
Setembro, é o momento de assegurar a implementação dos compromissos da Declaração do Milênio e pactuar sobre as reformas
necessárias para atingir "In Larger Freedom". Temos em nossas
mãos a possibilidade de renovar
as ações pela paz, desenvolvimento e direitos humanos. De um início pragmático podem surgir as
grandes mudanças do mundo.
Carlos Lopes é representante da ONU e
do PNUD no Brasil
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