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Lula quer novo Pacto de Moncloa e se diz cansado de "denuncismo"
Petista toma acordo social espanhol dos anos 70 como modelo e culpa política de FHC pela crise econômica
PLÍNIO FRAGA
DA REPORTAGEM LOCAL
O candidato do PT à Presidência tentará convencer o eleitorado
nos próximos três meses de que o
"efeito Lula" que apavora os mercados financeiros tem dupla falha
de interpretação: não existiriam
nem o efeito nem o Lula anticapitalista que temem.
Para Luiz Inácio Lula da Silva,
56, pela quarta vez candidato do
PT à Presidência, o efeito não
existe porque fatores internacionais mais amplos, como as dificuldades da economia norte-americana, é que causam abalos
num país que aprofundou a sua
vulnerabilidade externa em razões da política econômica do governo Fernando Henrique Cardoso. "Risco Lula é terrorismo que
pode se voltar contra o governo".
O Lula anticapitalista também
não existiria mais. Amadurecido,
diz-se habilitado a fazer as reformas de que o país necessita por
meio de fóruns nacionais que
produzam propostas consensuais. Acena em direção às elites:
"Pela primeira vez na história, um
trabalhador lidera uma aliança,
tendo como vice um empresário
bem-sucedido. O que quero? Simbolizar o pacto social que tanto o
Fernando Henrique Cardoso falava em 1982, inspirado no Pacto de
Moncloa (acordo firmado em
1977 entre as facções políticas da
Espanha para assegurar a transição para a democracia)", diz.
Lula evita endemoninhar até
mesmo o FMI (Fundo Monetário
Internacional), quando questionado se recorreria a ele como alternativa para combater a especulação: "Se precisar, vamos tomar a
decisão de acordo com a necessidade. Não dá para antever se vai
precisar ou não", desconversa.
Afirma que vai desonerar e estimular a exportação como forma
de combate à crise e nega a possibilidade de, sob sua administração, o Brasil repetir a Argentina e
ter de chegar ao cúmulo de reter
depósitos bancários para evitar o
colapso econômico.
Na segunda-feira, foi esse Lula
conciliador que se reuniu por
uma hora e meia com a nova embaixadora dos EUA no Brasil,
Donna Hrinak, no escritório de
um amigo do petista. Lula saiu da
conversa dizendo que Hrinak é
simpática e que ouviu dela que os
preconceitos contra seu nome
vêm de quem não o conhece.
O petista parece calmo, mesmo
com o PT enfrentando uma série
de acusações de irregularidades
em uma administração que considerava modelo. "Estou de saco
cheio com o denuncismo neste
país", afirma o candidato do partido que, para o mal ou para o
bem, mais o estimulou.
Risonho, Lula será ungido candidato hoje preocupado com o
marketing e com a segurança pessoal. Uma medida que simboliza
isso foi a decisão de optar preferencialmente por viajar, daqui
por diante, em aviões de carreira
comuns. É bom para o marketing
em uma campanha na qual o financiamento tornou-se preocupante. E é mais difícil que um
avião comercial "caia misteriosamente" do que um simples jatinho de candidato, diz reservadamente. Leia a seguir os principais
trechos da entrevista à Folha.
Folha - O Brasil vive um crise econômica que em parte é atribuída ao
"efeito Lula". Que riscos o sr. representa para o país?
Luiz Inácio Lula da Silva - Acho
que aí tem um pouco de má-fé e
posição ideológica. Outro dia saiu
na Folha notícia dizendo que o
dólar caiu porque o [tucano José"
Serra subiu em uma pesquisa.
Cinco dias antes, o Armínio Fraga
[presidente do Banco Central" havia oferecido ao mercado títulos
com vencimento em outubro,
portanto ainda no governo FHC,
e o mercado não quis, numa demonstração de que o mercado está pouco preocupado em quem
será o presidente da República. O
que não está sendo dito é que o
governo brincou com coisa séria:
tentar ganhar um votinho à custa
do terrorismo econômico numa
economia fragilizada como a nossa é delicado. Há uma série de coisas assustando o mercado antes
do processo eleitoral.
A economia dos EUA está em
crise. O dólar se desvalorizou quase 11% em relação ao euro. Muitas
empresas americanas, grandes
corporações que maquiaram os
balanços, estão assustando os investidores de fundos. "Risco Lula" é terrorismo que pode se voltar contra o governo. Até 31 de dezembro, goste ou não goste, é o
governo que terá de arcar com a
responsabilidade da economia.
Folha - Supondo que o sr. vença
as eleições, a crise aumente e que
seja obrigado a medidas drásticas.
O sr. aceitaria a sugestão de algo
como o "corralito" argentino (limitação dos saques bancários)?
Lula - Isto aqui não é uma estrebaria. É um país. Não é uma pocilga. Não vai ter "corralito" coisa
nenhuma. O que vamos fazer é
pegar cada centavo disponível
-seja do Orçamento, do BNDES,
da Caixa Econômica e do Banco
do Brasil- e transformar a capacidade de investimento em geração de emprego. Estamos propondo a criação de uma Secretaria Especial de Comércio Exterior,
ligada diretamente à Presidência,
e uma política ousada de venda de
produtos brasileiros. O Brasil é
um país com potencial produtivo.
Os agronegócios tiveram um superávit na balança comercial de
quase R$ 18, 5 bilhões no ano passado. Podem crescer mais.
Folha - Se o país precisar, em decorrência da crise financeira, de recursos do Fundo Monetário Internacional, o sr. aceitaria pedir novos
empréstimos?
Lula - É preciso acabar com esta
lógica perversa de ficar dependendo do FMI. Um país não cresce pela capacidade de tomar dinheiro emprestado, cresce pela
capacidade de produzir. Esse é o
único caminho. Tentar criar espaço para uma política de exportação que gere divisas. E tentar evitar o máximo possível pedir dinheiro emprestado.
Folha - Mas se o país precisar para
combater a especulação?
Lula - Se precisar, vamos tomar
a decisão de acordo com a necessidade. Não dá para antever se vai
precisar ou não. O Brasil é cotista
do FMI. Meu problema com o
FMI não é o fato de o Brasil ter direito de recorrer a ele ou não. Gostaria que nunca recorresse. O problema é que o FMI não pode impor ao Brasil, ou a qualquer país
do mundo, o seu modelo de ajuste
fiscal e desenvolvimento. Não é o
FMI que tem de dizer se o governo vai investir, por exemplo, em
hidrelétrica ou não. São as nossas
necessidades de crescimento que
vão dizer se faremos ou não. Essa
é a divergência.
Folha - O sr. defende o que chama
de "novo contrato social", outra
expressão para o "pacto social" do
final da década de 80. Naquela
época, o sr. dizia que pacto social
era um pacto de ilusões. Não é uma
ilusão do sr. achar que esse pacto
possa vir a ser feito agora?
Lula - O pacto social só é possível
se os interlocutores forem sérios.
Estou convencido de que as reformas que o Brasil precisa -a tributária, a política, a agrária, a trabalhista- têm de vir por entendimento. Queremos construir as
principais propostas de reforma
ouvindo a sociedade e depois levando ao Congresso. Será mais
produtivo e provável a aprovação.
Folha - Em todas essas reformas,
devido aos imensos interesses contrariados, o governo FHC fracassou, apesar de ter 70% do Congresso a seu favor. Por que daria certo
com o sr., que deve ter uma base de
apoio menor se eleito?
Lula -Porque o Fernando Henrique não quis fazer as reformas. Se
é verdade que todos os segmentos
da sociedade querem as reformas,
por que não aconteceram? FHC, o
único presidente cientista político
da história [na realidade, sociólogo", não preparou nem sequer a
reforma política. O governo se
acomodou com o sucesso do real
e a aprovação da reeleição. Não se
preocupou em fazer outras coisas.
Folha - Numa reunião recente, o
sr. foi cobrado por fazer a aliança
do PT com o PL até por notáveis ligados ao partido como Antonio
Candido, Marilena Chaui e Paul
Singer. Se nem eles entenderam
suas razões para a aliança, por que
o eleitor entenderia?
Lula - Não cobraram. Fomos
nós que convocamos uma reunião para dizer o que o PT pensa
sobre a política de alianças. Tenho
respeito profundo por Antonio
Candido, Marilena Chaui, Francisco de Oliveira. Eles são intelectuais. Não têm de pensar eleitoralmente. Pensam partidária e ideologicamente. Mas eu perdi três
eleições. Tenho de pensar o que é
mais conveniente do ponto de
vista eleitoral, sem abrir mão de
minhas convicções.
Para mim, a figura do José Alencar é muito importante por um
simbolismo. Pela primeira vez na
história do Brasil, um trabalhador
lidera uma aliança, tendo como
vice um empresário bem-sucedido. O que quero com isso? Simbolizar o pacto social que tanto o
Fernando Henrique Cardoso falava em 1982, inspirado no Pacto de
Moncloa. Mas ele não fez um gesto, uma reunião, não moveu uma
vírgula para fazer um pacto.
Folha - O problema é que, quando
o sr. defende o Quércia e aceita a
campanha em seu favor do Maluf,
passa a imagem de que transige da
defesa de posições históricas do PT
por oportunismo eleitoral.
Lula - Quem escolhe o Lula, o
Quércia ou o Maluf é o eleitor. Temos de trabalhar com muita força
para melhorar a compreensão da
política pelo eleitor, mas um candidato não deve julgar o outro. O
eleitor é quem tem de julgar. Confesso a você que estou de saco
cheio com o "denuncismo" neste
país. Achincalha-se a vida da pessoa e não acontece nada.
Folha - O PT não tem sua parcela
de culpa nesse "denuncismo"?
Lula - É bem possível que tenha.
Só é possível denunciar alguém
com prova. O ônus da prova tem
de ser do acusador. Acusou, prova. O Ministério Público presta
um serviço ultra-relevante. Mas
acho grave que muitas vezes dê
mais atenção à imprensa do que
ao conteúdo do processo. Aí começa a deformação.
Folha - O sr. agora seria a favor da
Lei da Mordaça, que determina como sigilosas as informações de inquéritos em andamento?
Lula - Não. Sou a favor da lei da
responsabilidade. Isso evita especulação desnecessária e condenação antes do julgamento.
Folha - O PT tem um projeto que
prevê financiamento público de
campanha e divulgação mensal
dos doadores. Então por que não
divulga seus financiadores desde
já em nome da transparência?
Lula - Não sei se é uma questão
de transparência ou de inibir o
doador. Possivelmente há quem
queira dar dinheiro para o PT e tenha medo de o governo saber.
Com o poder de pressão que o governo tem, chama um empresário
e cobra: está dando dinheiro para
o PT também? O financiamento
público é a forma mais barata e
honesta de fazer campanha.
Folha - O sr. não acha que há problemas éticos e administrativos na
relação da Prefeitura de Santo André, tida como modelo pelo PT, e as
empresas prestadoras de serviço?
Lula - Não sei se há. Se há indícios, vamos aguardar com cuidado as provas. Uma denúncia a três
meses das eleições, na qual o principal acusador é irmão do prefeito, mas ligado a uma empresa ligada ao PTB, nosso arquiinimigo
em Santo André, deixa você de
orelha em pé. Mas não devemos
medir esforços para apurar. Se
houver culpados, que paguem. Se
for inocente, que ganhe atestado
de idoneidade.
Estou cansado de ver pessoas
passarem semanas e semanas
sendo achincalhadas pela imprensa por corrupção e depois,
quando provada a inocência delas, os jornais não dão uma linha.
Lamento que parte da Polícia Federal esteja agindo de maneira
pouco recomendável nessa caso,
como se fosse uma polícia política
da pior espécie, uma Gestapo.
Folha - E se aparecerem grampos
de conversas suas?
Lula - Não há problema. Mas se
aparecerem é melhor a gente abolir o telefone no país. Porque, se
vale para mim hoje, vale para você, para o presidente da República. Nossa democracia frágil vai
para as cucuias. As pessoas que fizerem isso têm de ser punidas.
Folha - O publicitário Duda Mendonça mudou o sr. em quê?
Lula - A grande arma do Duda
Mendonça foi descobrir o Lula
como ele é. Desde 94, o Duda vem
dizendo: é preciso que você seja o
que é. Não é possível que vá para a
televisão e apareça sempre carrancudo. Você tem de rir, tem de
brincar. É isso que estou fazendo.
Estou voltando a ser o Lula que
sou jogando buraco, tomando
um aperitivo.
Folha - Cobram do sr. o fato de
não ter retomado os estudos.
Lula - Não achei interessante.
Quanto tive de fazer uma opção,
fiz pela política. Preparei-me para
ser político. O que é preciso é ter
sensibilidade política e social e estar cercado de gente competente.
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