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São Paulo, domingo, 29 de junho de 2003

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Ajuste compromete "espetáculo"

GUSTAVO PATÚ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Depois do sucesso em debelar o pior da crise financeira iniciada no ano passado, o governo Luiz Inácio Lula da Silva começa a ensaiar a sua agenda desenvolvimentista. No entanto, a fragilidade da economia do país permanece e indica que os tempos de aperto fiscal e monetário estão longe de acabar.
Para consumo público, divulga-se que os ajustes foram concluídos no primeiro semestre -em julho, anuncia o presidente, começa o tão falado "espetáculo do crescimento". Na leitura fria das opções da equipe econômica, a conclusão é diferente.
Embora as altas taxas de juros ocupem o centro do debate sobre a ortodoxia abraçada por Lula, a atuação mais agressiva do governo está em outro terreno: o do controle dos gastos públicos.
O ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda) elevou a meta de superávit primário (a economia de receitas destinada a pagar os juros da dívida) de 3,75% para 4,25% do PIB (Produto Interno Bruto). E se comprometeu a manter esse patamar mínimo ao longo de todo o mandato de Lula.
Mais: está previsto que, em caso de qualquer acidente de percurso, como uma turbulência externa capaz de elevar as cotações do dólar ou um repique da inflação, o superávit subirá ainda mais.
Tal estratégia, que será um limitador permanente do papel do Estado nas ações voltadas para estimular o crescimento, parte da avaliação segundo a qual o governo corre o risco de ficar inviabilizado se perder o controle sobre a dívida pública -que, apesar de todo o esforço, deverá permanecer em patamar acima dos 50% do PIB nos anos Lula.
Na área monetária, mais sensível politicamente, o governo até se permitiu alguma folga. Já praticamente admitiu que não cumprirá a meta de inflação de 8,5% deste ano e adicionou uma margem de tolerância de 2,5 pontos percentuais sobre a meta de 2004, fixada em 5,5%.
Graças a isso, pôde promover em junho a primeira redução dos juros na administração Lula, de 26,5% para 26%, e pode se aventurar a prever novas quedas da taxa nos próximos meses.
Trata-se, porém, de um alívio apenas aparente. Descontada a expectativa de inflação futura, os juros reais ainda não interromperam a trajetória de alta iniciada pelo BC após a eleição de Lula.
Há uma lista de obstáculos a serem superados antes de uma baixa real e definitiva dos juros: a aprovação definitiva das reformas, a volta dos investimentos externos ao país, sustos como o recente reajuste das tarifas de telefonia e, principalmente, a estabilização da inflação -apesar de afastados os temores de descontrole, as projeções para 2004 ainda estão acima da meta.
Contra taxas reais próximas de 17% ao ano, como as de hoje, pouco podem fazer medidas como o estímulo ao microcrédito e à agricultura familiar, anunciadas recentemente como o início da era de bonança.
A grande incógnita econômica de Lula é a definição de uma política industrial, compromisso que rendeu ao PT a simpatia de parte do empresariado na campanha eleitoral e deveria marcar a ruptura com a linha liberal de FHC.
Em seis meses de discussões, o governo não conseguiu produzir mais do que um documento genérico de apenas seis páginas, cujo anúncio mereceu a presença de quatro ministros: Palocci, José Dirceu (Casa Civil), Luiz Fernando Furlan (Desenvolvimento) e Guido Mantega (Planejamento).
O documento pouco avança além do que já estava previsto no programa de governo de Lula: uma política industrial diferente dos moldes do passado, sem subsídios indiscriminados e com custos e metas transparentes para a sociedade.
Não se sabe quanto poderá ser gasto nesse tipo de política, que setores serão escolhidos nem que metas serão exigidos. Os detalhes foram prometidos para julho.
O atraso é reflexo de divergências internas na área econômica. Na Fazenda, a ala liberal da equipe vê com reservas uma política intervencionista voltada para a produção de superávits comerciais. No Planejamento e no Desenvolvimento, a preocupação é com os efeitos negativos da queda do dólar sobre as exportações.


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