São Paulo, segunda-feira, 29 de julho de 2002

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ENTREVISTA DA 2ª

Publicitário acha errado colocar o candidato "para chorar"

"Fiz o feijão-com-arroz", diz marqueteiro de Ciro

RENATA LO PRETE
DA REPORTAGEM LOCAL

Ao reduzir as chances de um segundo turno entre governo e PT, dado como provável até semanas atrás, o crescimento de Ciro Gomes (PPS) na disputa presidencial ameaça cancelar o embate final entre Nizan Guanaes e Duda Mendonça, marqueteiros responsáveis, respectivamente, pelas campanhas de José Serra (PSDB) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Em escalas diferentes, os candidatos das duas estrelas do marketing político experimentam refluxo nas pesquisas.
Enquanto isso, opera na campanha de Ciro um publicitário de perfil mais discreto. Einhart Jacome da Paz, 48, não se manifesta publicamente sobre estratégia, sua ou dos adversários.
Mas se permite uma estocada ao dizer que não vai pôr "Ciro para chorar ou fazer hino com todo mundo cantando". E outra ao observar que, "quando marqueteiro vira transformador do sério em sorridente e do informal no bem vestido, isso nada tem a ver com o trabalho e nos dá péssima fama".
Casado com a única irmã de Ciro (o candidato tem ainda três irmãos), Paz começou a trabalhar em política com alguns comerciais para as Diretas-Já.
Fez a primeira campanha de Tasso Jereissati para o governo do Ceará (1986) e as de Ciro para a Prefeitura de Fortaleza (1988) e a sucessão de Tasso (1990).
Trabalhou na primeira eleição de FHC (1994). No ano passado, conseguiu vitórias em duas campanhas para o PSD em Portugal.
Na entrevista abaixo, concedida no início da noite de sexta-feira, o publicitário afirma que os analistas superestimam o papel de Patrícia Pillar no movimento ascendente de Ciro, em detrimento de qualidades do candidato.
E prevê insucesso aos que tentarem derrubá-lo por meio da associação com Fernando Collor de Mello. Paz toma emprestado a saga de "Guerra nas Estrelas" para pontuar diferenças entre os dois políticos: na percepção do eleitor, o ex-presidente teria as características de Darth Vader, e Ciro, de Anakin Skywalker, o mesmo personagem quando jovem, antes de ser tentado pelas "forças do mal".
 

Folha - Há pouco mais de um mês, adversários e comentaristas diziam que os programas de TV de Ciro não tinham a qualidade técnica dos de Lula e Serra. À luz do que indicam agora as pesquisas, como o sr. analisa essas críticas?
Einhart Jacome da Paz -
Campanha política deve visar eficiência, não pirotecnia. Fiz o feijão-com-arroz. Procurei transmitir, de forma simples e até um tanto repetitiva, a biografia do Ciro.
Sabíamos que o eleitor se lembrava dele, mas desconhecia sua trajetória ou havia se esquecido dela. Então os programas tinham de contar, sem mirabolâncias, onde ele nasceu, onde se criou, o que já fez e o que pretende fazer.
Não vou colocá-lo para chorar, não vou fazer hino com todo mundo cantando. Meu objetivo é comunicar que ele tem capacidade para ser presidente da República. E essa idéia é crível.

Folha - Ciro, como os demais antes dele, subiu por causa da TV?
Paz -
No primeiro momento, sim. Só que os programas partidários terminaram há um mês, e a curva dele permanece ascendente. Isso ocorre porque a informação era boa, não tinha penduricalho para ficar mais bonitinha.

Folha - Olhando em retrospecto, o empenho dos tucanos para tirar Ciro do ar e a consequente entrada em cena de Patrícia Pillar foram benéficos à campanha?
Paz -
É difícil avaliar. Em pesquisa feita muito antes dos programas, entrevistados, especialmente mulheres, diziam que achavam bonito o fato de o Ciro ter se afastado da campanha, no final do ano passado, para cuidar da Patrícia quando ela esteve doente. Outros reclamavam, achando que ele não estava suficientemente interessado na eleição.
Acho que a aparição da Patrícia pode ter significado, para muita gente, algo como "olha, ele esteve fora por minha causa, mas eu o estou entregando aqui de volta, e nós vamos ganhar juntos". O casamento do Ciro com a Patrícia não é uma estratégia de marketing. É um caso de amor.

Folha - Essa análise não lhe parece insuficiente para explicar o valor agregado de uma mulher com as características e a história pessoal de Patrícia Pillar?
Paz -
Tivemos 40 minutos de comerciais em junho. Ela usou 15. Então não sei se esse foi o fator principal. Acho que o gesto bonito dela, permitido pelo medo do PSDB, sem dúvida teve um efeito.

Folha - Quinze minutos de Patrícia não seriam mais eficientes do que 25 de Ciro e de políticos do PTB exibidos nos programas?
Paz -
Pode ser verdade, como pode não ser. De todo modo, sempre acredito que a eficiência está em um conjunto de ações. E, se o Ciro não fosse quem é, não ia adiantar a Patrícia. Basta ver qual foi o máximo crescimento pós-televisão de cada candidato. Ele superou todos. E superou também na duração do efeito.

Folha - Para isso não contribuiu o fato de ele ter aproveitado a última janela dos horários partidários? Esse calendário foi calculado?
Paz -
Foi uma estratégia e uma necessidade, porque o Ciro só poderia usar o espaço dos partidos aliados -ainda assim com todas as dificuldades que tivemos- depois da convenção da Frente Trabalhista. O PTB e o PDT concordaram que valia a pena esperar.
Dizem que o Ciro é estourado, mas foi preciso frieza para chegar a 9% e segurar a aliança contra os rumores que a imprensa divulgava o tempo todo: "O PTB está saindo", "o Brizola não vai mais".

Folha - Dentro dessa lógica, não teria sido melhor crescer um pouco mais tarde, evitando o custo de virar vidraça semanas antes do horário eleitoral gratuito?
Paz -
Aí entramos no terreno do incontrolável. Eleição não se ganha na pesquisa, só na urna. Portanto, o momento ideal para ultrapassar o Lula seria na véspera da votação. Mas isso não é possível calcular. O Ciro subiu. Então a campanha que trate de criar apoios para segurá-lo.

Folha - Como o sr. vê a afirmação tucana de que tudo mudará no horário gratuito, já que o tempo disponível para Serra será muito superior ao dos adversários?
Paz -
Para o bem deles, seria bom que estivessem certos. Para o nosso, espero que estejam errados. Mas isso é futuro, e eu não falo sobre o futuro. Seria errado falar até porque eu posso propor estratégias, mas as decisões políticas ficam acima de mim.

Folha - O sr. costuma dizer que o fator Collor não vai derrubar Ciro. De onde vem sua convicção?
Paz -
Há 10% de eleitores que não votariam no Ciro de jeito nenhum. Esses o acham parecido com o Collor. Isso é ruim, mas não quer dizer que a conversa faça sentido para o restante do eleitorado. Com esses 10% ninguém vai conseguir ganhar a eleição.
Outro dia me ocorreu o seguinte. O Collor, quando foi eleito, representava a "força". Mas, na percepção das pessoas, acabou aceitando o "lado negro", como uma espécie de Darth Vader.
Mas do "lado bom", representado pelo Anakin Skywalker, as pessoas gostam. Cabe ao Ciro mostrar que ele não vai passar para o "lado de lá", que ele é diferente.

Folha - As equipes de Lula e Serra ignoraram o potencial de Ciro?
Paz -
Não vou dizer que foi um erro, porque isso nos ajudou. Mas aconteceu. Agiram o tempo todo como se estivesse decidido o seu encontro no segundo turno, como se fosse possível ignorar um candidato bom de TV e que tem a menor taxa de rejeição. Mas, assim como não falo sobre as minhas estratégias, não quero analisar as dos outros.

Folha - Com a subida nas pesquisas, não pára de entrar gente na campanha, inclusive na sua área. Isso ajuda ou atrapalha?
Paz -
Nossa equipe não tende a crescer muito. Gente batendo cabeça, sem ter o que fazer, só gera intriga. Se a equipe for enxuta e todos tiverem trabalho, ninguém fica pensando em fazer bobagem.

Folha - Há quem diga que o crescimento de Ciro coloca em xeque um modelo, em tese representado pelas campanhas de Lula e Serra, que daria excessiva importância aos marqueteiros. O sr. concorda?
Paz -
Para mim, o bom homem de marketing é um tradutor de meios. Auxiliado por analistas, faz a informação chegar ao maior número possível de pessoas. Quando ele vira cirurgião plástico, alfaiate, produtor de eventos, transformador do sério em sorridente e do informal no bem vestido, isso nada tem a ver com o trabalho e nos dá péssima fama.
Como se o marqueteiro pudesse chegar e fazer acontecer. "Vou transformar você e você vai ganhar." Mentira. Eu me recuso a dizer isso a qualquer cliente. Faço um trabalho sério. Agora, não vou dizer que meu trabalho é mais importante que o do sujeito que vai pedir voto na rua, porque não é.

Folha - É mais complicado trabalhar para o cunhado?
Paz -
Sim e não. Sim porque é alguém da família. Eu me dou muito bem com a família da minha mulher, mas também sou capaz de levantar da mesa e ir embora se o candidato não acreditar no que faço. Com uma família unida como a do Ciro, isso não é fácil.
O lado fácil é que, pelo menos eu imagino, ele confia mais em mim, porque sabe que eu não teria por que fazer algo contra ele.


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