São Paulo, Quinta-feira, 29 de Julho de 1999
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TELES
Um ano depois da privatização da telefonia, R$ 22 bilhões arrecadados viraram pó com a crise cambial
Gasto com juros já soma "4 Telebrás"

GUSTAVO PATÚ
Coordenador de Economia da Sucursal de Brasília

VIVALDO DE SOUSA
da Sucursal de Brasília

Os gastos do governo federal com juros depois da privatização da Telebrás, que completa um ano hoje, equivalem a mais de quatro vezes o valor arrecadado com a venda da estatal.
Na maior privatização da história do país, foram arrecadados R$ 22 bilhões destinados à redução da dívida pública. Na época, o valor era suficiente para um semestre inteiro de despesas federais com juros.
No entanto, a crise econômica que culminou na desvalorização do real, em janeiro, fez com que a quantia virasse pó diante da alta dos juros e do aumento do valor em reais da dívida externa.
Os encargos da dívida federal pós-venda da Telebrás já atingiram R$ 89 bilhões, considerando apenas dez meses -o Banco Central ainda não calculou os gastos de junho e julho deste ano.
A explosão dessa despesa aconteceu em dois momentos. No primeiro, em setembro do ano passado, o BC elevou os juros de 19% para 49% ao ano, na tentativa de evitar a fuga de investidores estrangeiros do país.
A estratégia teve custo altíssimo e resultados modestos. Em janeiro, o governo desistiu do controle do valor da moeda e permitiu a subida do dólar -que levou às alturas a dívida externa e os títulos corrigidos pelo câmbio.
Os resultados podem ser mais bem observados na evolução da dívida federal, que na época da venda da Telebrás beirava os R$ 200 bilhões e, em maio último, já estava em R$ 298 bilhões.
É claro que, sem o dinheiro da venda da Telebrás, a situação seria ainda pior hoje. Do valor atingido no leilão, R$ 15,9 bilhões já foram pagos ao Tesouro Nacional, o que evitou um aumento de dívida da mesma proporção.
Os compradores pagaram 40% à vista (R$ 8,8 bilhões) e ficaram de pagar o resto em duas parcelas de 30% (R$ 6,6 bilhões) em 1999 e 2000.
Em busca de dinheiro para tapar os buracos em suas contas, o governo conseguiu neste ano receber adiantamentos, com os devidos descontos. Do que ficou faltando, no próximo dia 4 entram R$ 3 bilhões e, um ano depois, mais R$ 3,1 bilhões.
Se R$ 22 bilhões parecem pouco perto das dimensões do déficit público, deve-se levar em conta que, a juros de 20% ao ano (nada anormais para os padrões brasileiros), esse valor se transformaria em uma dívida de R$ 136 bilhões em dez anos.
Ou, em outro cálculo com a mesma taxa, a privatização permitiu ao governo economizar R$ 4,4 bilhões anuais em juros -mais ou menos o que o Ministério da Educação tem para investir a cada ano.
O destino do dinheiro da Telebrás gerou polêmica antes da privatização, com divisões internas no governo.
De um lado estavam os defensores do uso dos recursos em projetos sociais ou investimentos voltados para o crescimento da economia.
No chamado grupo "desenvolvimentista" esteve o próprio ministro Sérgio Motta (Comunicações), um dos arquitetos da privatização, morto em abril de 98.
Os vencedores foram os membros da equipe econômica, concentrados no Ministério da Fazenda e no Banco Central, para os quais todos os recursos da privatização devem ser usados para abater a dívida pública.


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