São Paulo, Quinta-feira, 29 de Julho de 1999
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JANIO DE FREITAS
Pobreza mental

A proposta do senador Antonio Carlos Magalhães contra a pobreza tem várias sugestões apreciáveis, o que logo se viu pela irritação que provocou nos tecnocratas do neoliberalismo, mas seus atributos não atendem aos três fatores que, creio, compõem o único meio de erradicar a miséria e reduzir a pobreza ao mínimo.
Entre os três inexiste fator menos ou mais importante. De todos já houve a demonstração, embora em graus diferentes e períodos históricos dissociados, de sua viabilidade mesmo no Brasil. Ei-los:
- Um governo orientado por preocupação verdadeira com a desumanidade da miséria e da pobreza; resistente à corrupção e dotado de competência (nada a ver, portanto, com o atual).
- Crescimento econômico acelerado, difundido e não regionalizado, com taxas que andem pelos 10% ao ano ou mais. Os 5% ou 6% sempre citados como um grande objetivo já não se prestam nem para cobrir, em número tolerável de anos, as perdas e atrasos acumulados nesses anos em que o Brasil está sendo levado para trás e para o fundo.
- A dimensão que a miséria e a pobreza alcançaram requer impostos específicos para o combatê-las. Com incidência sobre a riqueza, a exploração privada de patrimônio público (canais de TV e rádio, por exemplo), a renda proveniente de financiamentos oficiais ou oficiosos a custo privilegiado e sobre o lucro exorbitante. Por si só, o reforço dos orçamentos governamentais pelo crescimento econômico, mesmo prestando-se muito a ação indireta com a pobreza, é forçosamente absorvido pela imensão das obras públicas necessárias a um país gigantesco como Brasil, pela saúde, educação, pesquisa científica e outros gastos.
O Brasil não tem muito tempo, considerando-se modos não-violentos de ação, para evitar que o empobrecimento se torne irreversível, aí implícita a tendência para tornar-se avassalador. A migração imposta pela falta de crescimento econômico interiorano, a decorrente favelização e a massa incalculada de jovens pobres que buscam na ação criminosa a sua perspectiva de vida, com total indiferença se for de morte, já produzem um corolário de infelicitação urbana que os meios de comunicação nem ousam olhar de frente e transmitir.
Uma lembrança persistente em mim, sempre onerada por certa tristeza, é a do presidente da Fiesp no começo dos 80, Luis Eulálio Bueno Vidigal, fazendo-me, em reunião dos seus, furiosa acusação de subversivo, e tudo o mais, contra o qual era necessária reação imediata. De sua parte, não faltou com esse propósito, em pedido de providências a terceiros e quartos. O ato insuportado foi dizer que a riqueza paulista se daria conta da sua desinteligência e incúria social quando, das favelas, começassem a sair tomar nas ruas, nas calçadas e nas residências o meio perigoso mas fácil de assegurar-se a sobrevivência.
Foram precisos poucos anos para que, estando em São Paulo e passando diante de um prédio cercado por grades dignas do presídio de Alcatraz, com guaritas e guardas armadas, um colega pacificou o meu espanto com a informação de que ali morava o presidente da Fiesp. Dali para a frente, foi uma profusão de grades, lançando a falsa solução que se disseminou como a principal característica, hoje em dia, da arquitetura urbana brasileira.
Toda a classe dominante negou-se a ver o óbvio. Vive sitiada, blindada, acovardada, assaltada. E as consequências do seu crime social ainda estão longe do que lhe podem cobrar, como sentença e pena pelo seu feito. Para perceber isso, é só refletir sobre a evolução da criminalidade e a involução da vida nas cidades, digamos, nos últimos cinco anos.
Tempo ainda há. Mas, a julgar pela persistência das práticas hoje comuns até nos ministros do círculo palaciano, a preferência ainda é pelas reclamações a terceiros e quartos. Não há dúvida de que pobreza material em baixo tem correspondência em pobreza mental de cima.


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