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JANIO DE FREITAS
Pobreza mental
A proposta do senador Antonio
Carlos Magalhães contra a pobreza tem várias sugestões apreciáveis, o que logo se viu pela irritação que provocou nos tecnocratas
do neoliberalismo, mas seus atributos não atendem aos três fatores que, creio, compõem o único
meio de erradicar a miséria e reduzir a pobreza ao mínimo.
Entre os três inexiste fator menos ou mais importante. De todos
já houve a demonstração, embora em graus diferentes e períodos
históricos dissociados, de sua viabilidade mesmo no Brasil. Ei-los:
- Um governo orientado por
preocupação verdadeira com a
desumanidade da miséria e da
pobreza; resistente à corrupção e
dotado de competência (nada a
ver, portanto, com o atual).
- Crescimento econômico acelerado, difundido e não regionalizado, com taxas que andem pelos
10% ao ano ou mais. Os 5% ou
6% sempre citados como um
grande objetivo já não se prestam
nem para cobrir, em número tolerável de anos, as perdas e atrasos
acumulados nesses anos em que o
Brasil está sendo levado para trás
e para o fundo.
- A dimensão que a miséria e
a pobreza alcançaram requer impostos específicos para o combatê-las. Com incidência sobre a riqueza, a exploração privada de
patrimônio público (canais de TV
e rádio, por exemplo), a renda
proveniente de financiamentos
oficiais ou oficiosos a custo privilegiado e sobre o lucro exorbitante. Por si só, o reforço dos orçamentos governamentais pelo
crescimento econômico, mesmo
prestando-se muito a ação indireta com a pobreza, é forçosamente
absorvido pela imensão das obras
públicas necessárias a um país gigantesco como Brasil, pela saúde,
educação, pesquisa científica e
outros gastos.
O Brasil não tem muito tempo,
considerando-se modos não-violentos de ação, para evitar que o
empobrecimento se torne irreversível, aí implícita a tendência para tornar-se avassalador. A migração imposta pela falta de crescimento econômico interiorano, a
decorrente favelização e a massa
incalculada de jovens pobres que
buscam na ação criminosa a sua
perspectiva de vida, com total indiferença se for de morte, já produzem um corolário de infelicitação urbana que os meios de comunicação nem ousam olhar de
frente e transmitir.
Uma lembrança persistente em
mim, sempre onerada por certa
tristeza, é a do presidente da Fiesp
no começo dos 80, Luis Eulálio
Bueno Vidigal, fazendo-me, em
reunião dos seus, furiosa acusação de subversivo, e tudo o mais,
contra o qual era necessária reação imediata. De sua parte, não
faltou com esse propósito, em pedido de providências a terceiros e
quartos. O ato insuportado foi dizer que a riqueza paulista se daria conta da sua desinteligência e
incúria social quando, das favelas, começassem a sair tomar nas
ruas, nas calçadas e nas residências o meio perigoso mas fácil de
assegurar-se a sobrevivência.
Foram precisos poucos anos para que, estando em São Paulo e
passando diante de um prédio
cercado por grades dignas do presídio de Alcatraz, com guaritas e
guardas armadas, um colega pacificou o meu espanto com a informação de que ali morava o
presidente da Fiesp. Dali para a
frente, foi uma profusão de grades, lançando a falsa solução que
se disseminou como a principal
característica, hoje em dia, da arquitetura urbana brasileira.
Toda a classe dominante negou-se a ver o óbvio. Vive sitiada,
blindada, acovardada, assaltada.
E as consequências do seu crime
social ainda estão longe do que
lhe podem cobrar, como sentença
e pena pelo seu feito. Para perceber isso, é só refletir sobre a evolução da criminalidade e a involução da vida nas cidades, digamos,
nos últimos cinco anos.
Tempo ainda há. Mas, a julgar
pela persistência das práticas hoje
comuns até nos ministros do círculo palaciano, a preferência ainda é pelas reclamações a terceiros
e quartos. Não há dúvida de que
pobreza material em baixo tem
correspondência em pobreza
mental de cima.
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