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CELSO PINTO
Empresas ainda têm
fôlego para a crise
A Cemar, da americana PPL,
pediu concordata e sofreu
intervenção da Aneel. A Eletropaulo, da americana AES, ensaiou uma reestruturação de
dívida. A BCP, da americana
Bell South, parou de pagar sua
dívida e forçou uma renegociação.
Seriam estes os primeiros sinais de problemas corporativos,
agravados por alto endividamento externo, falta de crédito
e pela subida do dólar? O problema da Bell South foi societário e antecedeu a subida do dólar. A PPL decidiu sair do país.
A AES está passando por uma
crise seríssima nos Estados Unidos.
Cada uma teve razões específicas, mas é inegável que o setor
elétrico preocupa. O fato de serem empresas estrangeiras não
é antídoto para quebras ou moratórias, como provou, à exaustão, a Argentina. Várias empresas e bancos internacionais preferiram macular o nome de sua
subsidiária, na Argentina, do
que injetar mais dinheiro no
país. Sair da Argentina, para algumas empresas internacionais, significa valorizar suas
ações, algo mais importante do
que o arranhão na imagem
provocado pelo calote da subsidiária.
Esta é uma herança que ficou.
Se a crise no Brasil fugir de controle, não dá para supor que o
risco de quebra corporativa é
baixo porque vários dos setores
mais endividados no exterior
são controlados por empresas
estrangeiras. A questão é saber
se o risco de um colapso corporativo é alto.
Um estudo recente do banco
americano JP Morgan conclui
que não. Seus analistas olharam os números das maiores
corporações que lançaram títulos no exterior e vieram ao Brasil conversar com seus dirigentes. A conclusão é que, mesmo
num cenário de estresse, ou seja, com o dólar acima de R$
3,60 e uma forte recessão, é improvável haver uma quebradeira de empresas como na Argentina.
Eles estimam que vençam
US$ 5,3 bilhões de bônus de empresas de agosto a dezembro.
"Nós julgamos que a maioria
das empresas estão posicionadas para honrar seus compromissos de 2002 e 2003, exceto no
caso do pior cenário, ou seja, de
uma moratória externa do governo federal", observam.
O trabalho lista várias razões
que diferenciam a situação das
empresas brasileiras das argentinas. O fim do câmbio fixo argentino foi traumático e inesperado. No Brasil, as empresas
convivem com o câmbio flutuante desde 99 e há mais empresas exportadoras do que na
Argentina. As empresas argentinas tinham enormes dívidas
em dólar, pouca proteção contra desvalorização ("hedge") e
seus líderes acreditavam na
manutenção do câmbio até o
fim. As empresas brasileiras reduziram seu endividamento em
dólar desde a desvalorização e
incorporaram o "hedge" em seu
dia-a-dia.
As empresas de serviços públicos argentinas não puderam
elevar as tarifas pós-máxi por
razões políticas e sociais e as de
petróleo acabaram tendo que
ceder dólares ao governo. As tarifas brasileiras não são ligadas
diretamente ao dólar e é pouco
provável uma desvalorização
adicional muito maior. A Petrobras, sendo estatal, está menos sujeita a avanços do governo sobre seu caixa.
O sistema bancário argentino
estava altamente dolarizado,
tinha grande estoque de bônus
do governo, não contava com
um emprestador de última instância (o Banco Central) e seu
sistema tem uma história de
corridas de depositantes. No
Brasil, o sistema está "razoavelmente bem posicionado para
uma crise", com posições defensivas, ativos de qualidade satisfatória, boas reservas, pouca dependência de "funding" em dólares. O BC opera como garantidor e não há correlação histórica entre situação de estresse e
fuga de depósitos.
Em relação aos investidores
externos, a pesificação dos ativos bancários, depósitos e tarifas causou enormes problemas
em empresas. Alguns investidores estratégicos decidiram considerar seus investimentos como prejuízo e ameaçam sair da
Argentina (na verdade, muitos
saíram). Os investidores externos não têm tanto peso no Brasil quanto na Argentina e é pouco provável que abandonem o
país, embora deva haver uma
desaceleração no ingresso.
O estudo procura avaliar 17
empresas de porte. As menos
vulneráveis a uma crise externa
forte no Brasil são as exportadoras, com baixo endividamento externo, bom caixa, acesso a
capitalização e flexibilidade financeira. A Vale é considerada
a mais forte do grupo. A Gerdau
e a Klabin estão bem posicionadas, com receita de exportação
e caixa suficiente para cobrir as
obrigações. A OPP junto com a
Trikem está muito alavancada
e depende em boa medida do
mercado interno. A fusão, contudo, melhora sua condição. A
Copene, pós-fusão com a Trikem, está em situação parecida.
Entre as empresas de serviços
públicos, existe um descasamento entre endividamento externo alto e receita em reais,
mas várias empresas montaram posições defensivas. O empréstimo de R$ 7,5 bilhões do
BNDES ao setor elétrico é considerado uma ajuda importante.
De fato, a Eletropaulo desistiu
da renegociação de sua dívida
ao confirmar o acesso ao dinheiro do BNDES (que a Cemar
optou por não ter). Light e Escelsa fizeram "hedge", coisa que
as estatais, como Cesp, Cemig e
Sabesp, estão proibidas de fazer.
A avaliação geral, contudo, é
que as empresas do setor, inclusive estatais, têm posição de caixa e/ou acesso a recursos suficiente para atravessar 2003 em
crise.
As empresas mais vulneráveis
são as que dependem do mercado interno de massas, como as
de mídia e de telecomunicações.
Mesmo assim, a Globopar tem
caixa para atender as obrigações de 2002. A Net Serviços esticou 30% da dívida para 2004 e
não terá problema com a dívida
este ano. A Net Sat tem 98% da
dívida no longo prazo. A RBS
tem US$ 40 milhões em dívida
vencendo este ano e US$ 72 milhões em caixa. A Ambev, embora bastante dependente do
mercado interno, tem caixa que
cobre 52% da dívida total e
139% da dívida de curto prazo,
e tem hedge para toda a dívida
externa.
Em suma, o risco de um amplo colapso corporativo é baixo.
As empresas têm fôlego para
enfrentar vários meses de crise e
isso dá ao BC maior margem de
manobra para lidar com a crise
externa. O câmbio flutuante
ajuda a absorver a crise e ajustar as contas externas, mas pode trazer o risco de provocar
uma quebra das empresas que
fragilize o setor bancário. Se este risco é pequeno, pelo menos
no curto prazo, o BC ganha novos graus de liberdade.
E-mail:
CelPinto@uol.com.br
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