São Paulo, quinta-feira, 29 de agosto de 2002

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CELSO PINTO

Empresas ainda têm fôlego para a crise

A Cemar, da americana PPL, pediu concordata e sofreu intervenção da Aneel. A Eletropaulo, da americana AES, ensaiou uma reestruturação de dívida. A BCP, da americana Bell South, parou de pagar sua dívida e forçou uma renegociação.
Seriam estes os primeiros sinais de problemas corporativos, agravados por alto endividamento externo, falta de crédito e pela subida do dólar? O problema da Bell South foi societário e antecedeu a subida do dólar. A PPL decidiu sair do país. A AES está passando por uma crise seríssima nos Estados Unidos.
Cada uma teve razões específicas, mas é inegável que o setor elétrico preocupa. O fato de serem empresas estrangeiras não é antídoto para quebras ou moratórias, como provou, à exaustão, a Argentina. Várias empresas e bancos internacionais preferiram macular o nome de sua subsidiária, na Argentina, do que injetar mais dinheiro no país. Sair da Argentina, para algumas empresas internacionais, significa valorizar suas ações, algo mais importante do que o arranhão na imagem provocado pelo calote da subsidiária.
Esta é uma herança que ficou. Se a crise no Brasil fugir de controle, não dá para supor que o risco de quebra corporativa é baixo porque vários dos setores mais endividados no exterior são controlados por empresas estrangeiras. A questão é saber se o risco de um colapso corporativo é alto.
Um estudo recente do banco americano JP Morgan conclui que não. Seus analistas olharam os números das maiores corporações que lançaram títulos no exterior e vieram ao Brasil conversar com seus dirigentes. A conclusão é que, mesmo num cenário de estresse, ou seja, com o dólar acima de R$ 3,60 e uma forte recessão, é improvável haver uma quebradeira de empresas como na Argentina.
Eles estimam que vençam US$ 5,3 bilhões de bônus de empresas de agosto a dezembro. "Nós julgamos que a maioria das empresas estão posicionadas para honrar seus compromissos de 2002 e 2003, exceto no caso do pior cenário, ou seja, de uma moratória externa do governo federal", observam.
O trabalho lista várias razões que diferenciam a situação das empresas brasileiras das argentinas. O fim do câmbio fixo argentino foi traumático e inesperado. No Brasil, as empresas convivem com o câmbio flutuante desde 99 e há mais empresas exportadoras do que na Argentina. As empresas argentinas tinham enormes dívidas em dólar, pouca proteção contra desvalorização ("hedge") e seus líderes acreditavam na manutenção do câmbio até o fim. As empresas brasileiras reduziram seu endividamento em dólar desde a desvalorização e incorporaram o "hedge" em seu dia-a-dia.
As empresas de serviços públicos argentinas não puderam elevar as tarifas pós-máxi por razões políticas e sociais e as de petróleo acabaram tendo que ceder dólares ao governo. As tarifas brasileiras não são ligadas diretamente ao dólar e é pouco provável uma desvalorização adicional muito maior. A Petrobras, sendo estatal, está menos sujeita a avanços do governo sobre seu caixa.
O sistema bancário argentino estava altamente dolarizado, tinha grande estoque de bônus do governo, não contava com um emprestador de última instância (o Banco Central) e seu sistema tem uma história de corridas de depositantes. No Brasil, o sistema está "razoavelmente bem posicionado para uma crise", com posições defensivas, ativos de qualidade satisfatória, boas reservas, pouca dependência de "funding" em dólares. O BC opera como garantidor e não há correlação histórica entre situação de estresse e fuga de depósitos.
Em relação aos investidores externos, a pesificação dos ativos bancários, depósitos e tarifas causou enormes problemas em empresas. Alguns investidores estratégicos decidiram considerar seus investimentos como prejuízo e ameaçam sair da Argentina (na verdade, muitos saíram). Os investidores externos não têm tanto peso no Brasil quanto na Argentina e é pouco provável que abandonem o país, embora deva haver uma desaceleração no ingresso.
O estudo procura avaliar 17 empresas de porte. As menos vulneráveis a uma crise externa forte no Brasil são as exportadoras, com baixo endividamento externo, bom caixa, acesso a capitalização e flexibilidade financeira. A Vale é considerada a mais forte do grupo. A Gerdau e a Klabin estão bem posicionadas, com receita de exportação e caixa suficiente para cobrir as obrigações. A OPP junto com a Trikem está muito alavancada e depende em boa medida do mercado interno. A fusão, contudo, melhora sua condição. A Copene, pós-fusão com a Trikem, está em situação parecida.
Entre as empresas de serviços públicos, existe um descasamento entre endividamento externo alto e receita em reais, mas várias empresas montaram posições defensivas. O empréstimo de R$ 7,5 bilhões do BNDES ao setor elétrico é considerado uma ajuda importante. De fato, a Eletropaulo desistiu da renegociação de sua dívida ao confirmar o acesso ao dinheiro do BNDES (que a Cemar optou por não ter). Light e Escelsa fizeram "hedge", coisa que as estatais, como Cesp, Cemig e Sabesp, estão proibidas de fazer. A avaliação geral, contudo, é que as empresas do setor, inclusive estatais, têm posição de caixa e/ou acesso a recursos suficiente para atravessar 2003 em crise.
As empresas mais vulneráveis são as que dependem do mercado interno de massas, como as de mídia e de telecomunicações. Mesmo assim, a Globopar tem caixa para atender as obrigações de 2002. A Net Serviços esticou 30% da dívida para 2004 e não terá problema com a dívida este ano. A Net Sat tem 98% da dívida no longo prazo. A RBS tem US$ 40 milhões em dívida vencendo este ano e US$ 72 milhões em caixa. A Ambev, embora bastante dependente do mercado interno, tem caixa que cobre 52% da dívida total e 139% da dívida de curto prazo, e tem hedge para toda a dívida externa.
Em suma, o risco de um amplo colapso corporativo é baixo. As empresas têm fôlego para enfrentar vários meses de crise e isso dá ao BC maior margem de manobra para lidar com a crise externa. O câmbio flutuante ajuda a absorver a crise e ajustar as contas externas, mas pode trazer o risco de provocar uma quebra das empresas que fragilize o setor bancário. Se este risco é pequeno, pelo menos no curto prazo, o BC ganha novos graus de liberdade.

E-mail:
CelPinto@uol.com.br



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