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ENTREVISTA
Integrante do governo anuncia voto em Marta pela prioridade aos pobres, mas ataca uso dos "padrinhos" Lula e Alckmin
Marta não fala, mas é de esquerda, diz Singer
RAFAEL CARIELLO
DE REPORTAGEM LOCAL
A centralidade dos "padrinhos"
na campanha eleitoral em São
Paulo prejudica o debate e retira
ideologia da disputa pela prefeitura, diz o economista Paul Singer.
"Não deveriam usar a identidade partidária como critério da repartição de recursos públicos",
afirma o atual secretário de Economia Solidária do governo Lula,
que participou da formação do
Cebrap (Centro Brasileiro de
Análise e Planejamento).
O uso do presidente Luiz Inácio
Lula da Silva por Marta Suplicy
(PT), e do governador Geraldo
Alckmin por José Serra (PSDB),
diz Singer, termina por ofuscar a
principal qualidade da candidata
Marta, que ele apresenta como
justificativa para o seu voto:
Embora isso não esteja claro na
campanha, a prefeita faz uma gestão de esquerda, que prioriza a
população mais pobre, o que lhe
rende dividendos eleitorais nas
regiões mais miseráveis da cidade, enquanto Serra ganha nos
"bairros mais grã-finos".
A seguir, trechos da entrevista.
Folha - Dá para falar em esquerda
e direita na disputa eleitoral em
São Paulo?
Singer - Tenho dificuldade em
responder, porque na verdade essas noções de posicionamento
ideológico não estão presentes na
campanha. Nem a Marta se coloca como candidata de esquerda
-o que de fato é- nem o Serra
como candidato de centro, centro-esquerda ou centro-direita.
Ninguém está se identificando. A
disputa está sendo pouco ou nada
ideológica.
Folha - Por que a candidatura
Marta é, a seu ver, de esquerda?
Singer - Uma das marcas centrais da prefeita é a priorização da
população mais pobre. Ela tem
um amplo programa de combate
à pobreza, mediante transferência
de renda à população mais miserável, como também um programa de inclusão social por meio de
economia solidária, e isso desde
os primeiros dias do seu mandato. É um dos mais amplos programas dessa natureza em qualquer
cidade do mundo, certamente da
América Latina.
E Marta vence, por uma margem importante, entre as camadas pobres da periferia de baixa
renda e baixa escolaridade. Enquanto Serra ganha da Marta, de
longe, nas camadas de alta renda e
alta escolaridade dos bairros mais
grã-finos da cidade.
Folha - O sr. diria que há possibilidade de Serra não dar continuidade a esses programas, caso vença?
Singer - O governo de que Serra
fez parte também fez alguma coisa nessa direção, só que por iniciativa parlamentar, não por ele
próprio. Acabou aderindo depois,
só que de forma extremamente
modesta. O Bolsa-Família distribui em média três vezes mais recursos do que o governo FHC dava com o Bolsa-Escola.
Diria que há uma diferença de
grau; não é absoluta. Se o Serra for
eleito, espero honestamente que
ele continue e até amplie o programa. A probabilidade será
maior se for a Marta.
Folha - Sobre os CEUs: uma das
críticas é que, por razões econômicas, seu número não poderia ser
ampliado, permanecendo como exceção. Faz sentido?
Singer - Vejo o CEU como uma
inovação interessante. Não é uma
mera escola. Enquanto escola,
apenas, não teria grandes novidades. É um complexo de educação,
cultura e entretenimento de alto
nível. São multifuncionais. Não
precisam de verbas exclusivamente da Educação. Podem absorver verbas e dar serviços à Secretaria de Cultura, ou para esportes. Não conheço nenhuma
análise de custo e benefício. Depende da prioridade que governos futuros darão a isso. A Marta
promete dobrar o seu número.
Teríamos mais de 100 mil crianças
estudando nos CEUs, além de um
número bem maior de pessoas
freqüentando. Talvez seja necessário continuar multiplicando os
CEUs para torná-los universais, o
que é desejável. Senão você cria
uma situação privilegiada para alguns locais, e não para outros.
Folha - O mesmo não pode ser dito
dos programas sociais? É possível
universalizá-los?
Singer - Sim. Eles estão sendo
universalizados. Pelo menos o governo federal já está atingindo 5
milhões de famílias. Pretende alcançar, até o fim do mandato, 11
milhões de famílias, que são estatisticamente todas as que estão na
faixa de renda do programa. Nessa direção, tanto a Marta quanto o
Lula estão fazendo avanços.
Folha - No entanto o sr. não vê a
disputa sendo travada em termos
de esquerda e direita. Ela centra-se
em quê?
Singer - Desde o início, a polarização que existe, e está dominando hoje a campanha, são os dois
patrocinadores. O Alckmin patrocinando a campanha do Serra,
e proclamando que, se ele for eleito, São Paulo vai se beneficiar com
recursos do governo estadual, e a
Marta fazendo exatamente a mesma coisa com o Lula. Dizendo
que, se for reeleita, São Paulo vai
continuar se beneficiando de recursos do governo federal. Isso
não tem nada de ideológico. É
uma disputa de patrocínios.
Folha - Essa aposta é eficiente do
ponto de vista eleitoral?
Singer - É difícil saber. Se fosse
um só, talvez fosse. Mas como os
dois têm padrinhos... Talvez as
duas se anulem mutuamente, já
que mais ou menos usam o mesmo argumento, só que com pessoas diferentes.
Folha - Isso prejudica o debate?
Singer - Acho que sim. Penso
que, na verdade, não deveriam
usar a identidade partidária como
critério da repartição de recursos
públicos. Tanto o Lula quanto o
Alckmin teriam que investir em
São Paulo a mesma coisa independentemente do candidato.
Folha - Por que a Marta não se
apresenta como uma candidata de
esquerda?
Singer - Não sei. Quero deixar
claro que a Marta não usa apenas
isso, nem o Serra. Ela tem muito o
que mostrar; o CEU é uma das
coisas. O Serra tem um currículo
como ministro da Saúde pelo qual
também tem o que mostrar. Porque são dois fortes candidatos é
que não vejo a necessidade de
usarem esse argumento.
Sou eleitor da Marta. O meu, se
você quiser, é um voto ideológico.
Temo que, se o Serra for eleito, a
priorização dada aos mais carentes não seja mais tão intensa. Mas
não quero dizer que vá ser assim.
Eu não quero ser desonesto.
Folha - Como o sr. viu a análise de
José Arthur Giannotti, para quem a
derrota do PT ajudaria o debate político e a democracia no país?
Singer - Eu não entendi a entrevista. Fiquei muito impressionado. Ele pede um voto em defesa da
democracia em qualquer um que
não seja o PT. É uma posição extrema -não conheço ninguém
que tenha essa posição no PSDB
ou em outro partido. Eu não consigo entender os fundamentos
desse grande medo que ele tem.
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