São Paulo, quarta-feira, 29 de setembro de 2004

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ENTREVISTA

Integrante do governo anuncia voto em Marta pela prioridade aos pobres, mas ataca uso dos "padrinhos" Lula e Alckmin

Marta não fala, mas é de esquerda, diz Singer

RAFAEL CARIELLO
DE REPORTAGEM LOCAL

A centralidade dos "padrinhos" na campanha eleitoral em São Paulo prejudica o debate e retira ideologia da disputa pela prefeitura, diz o economista Paul Singer.
"Não deveriam usar a identidade partidária como critério da repartição de recursos públicos", afirma o atual secretário de Economia Solidária do governo Lula, que participou da formação do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento).
O uso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva por Marta Suplicy (PT), e do governador Geraldo Alckmin por José Serra (PSDB), diz Singer, termina por ofuscar a principal qualidade da candidata Marta, que ele apresenta como justificativa para o seu voto:
Embora isso não esteja claro na campanha, a prefeita faz uma gestão de esquerda, que prioriza a população mais pobre, o que lhe rende dividendos eleitorais nas regiões mais miseráveis da cidade, enquanto Serra ganha nos "bairros mais grã-finos".
A seguir, trechos da entrevista.
 

Folha - Dá para falar em esquerda e direita na disputa eleitoral em São Paulo?
Singer -
Tenho dificuldade em responder, porque na verdade essas noções de posicionamento ideológico não estão presentes na campanha. Nem a Marta se coloca como candidata de esquerda -o que de fato é- nem o Serra como candidato de centro, centro-esquerda ou centro-direita. Ninguém está se identificando. A disputa está sendo pouco ou nada ideológica.

Folha - Por que a candidatura Marta é, a seu ver, de esquerda?
Singer -
Uma das marcas centrais da prefeita é a priorização da população mais pobre. Ela tem um amplo programa de combate à pobreza, mediante transferência de renda à população mais miserável, como também um programa de inclusão social por meio de economia solidária, e isso desde os primeiros dias do seu mandato. É um dos mais amplos programas dessa natureza em qualquer cidade do mundo, certamente da América Latina.
E Marta vence, por uma margem importante, entre as camadas pobres da periferia de baixa renda e baixa escolaridade. Enquanto Serra ganha da Marta, de longe, nas camadas de alta renda e alta escolaridade dos bairros mais grã-finos da cidade.

Folha - O sr. diria que há possibilidade de Serra não dar continuidade a esses programas, caso vença?
Singer -
O governo de que Serra fez parte também fez alguma coisa nessa direção, só que por iniciativa parlamentar, não por ele próprio. Acabou aderindo depois, só que de forma extremamente modesta. O Bolsa-Família distribui em média três vezes mais recursos do que o governo FHC dava com o Bolsa-Escola.
Diria que há uma diferença de grau; não é absoluta. Se o Serra for eleito, espero honestamente que ele continue e até amplie o programa. A probabilidade será maior se for a Marta.

Folha - Sobre os CEUs: uma das críticas é que, por razões econômicas, seu número não poderia ser ampliado, permanecendo como exceção. Faz sentido?
Singer -
Vejo o CEU como uma inovação interessante. Não é uma mera escola. Enquanto escola, apenas, não teria grandes novidades. É um complexo de educação, cultura e entretenimento de alto nível. São multifuncionais. Não precisam de verbas exclusivamente da Educação. Podem absorver verbas e dar serviços à Secretaria de Cultura, ou para esportes. Não conheço nenhuma análise de custo e benefício. Depende da prioridade que governos futuros darão a isso. A Marta promete dobrar o seu número. Teríamos mais de 100 mil crianças estudando nos CEUs, além de um número bem maior de pessoas freqüentando. Talvez seja necessário continuar multiplicando os CEUs para torná-los universais, o que é desejável. Senão você cria uma situação privilegiada para alguns locais, e não para outros.

Folha - O mesmo não pode ser dito dos programas sociais? É possível universalizá-los?
Singer -
Sim. Eles estão sendo universalizados. Pelo menos o governo federal já está atingindo 5 milhões de famílias. Pretende alcançar, até o fim do mandato, 11 milhões de famílias, que são estatisticamente todas as que estão na faixa de renda do programa. Nessa direção, tanto a Marta quanto o Lula estão fazendo avanços.

Folha - No entanto o sr. não vê a disputa sendo travada em termos de esquerda e direita. Ela centra-se em quê?
Singer -
Desde o início, a polarização que existe, e está dominando hoje a campanha, são os dois patrocinadores. O Alckmin patrocinando a campanha do Serra, e proclamando que, se ele for eleito, São Paulo vai se beneficiar com recursos do governo estadual, e a Marta fazendo exatamente a mesma coisa com o Lula. Dizendo que, se for reeleita, São Paulo vai continuar se beneficiando de recursos do governo federal. Isso não tem nada de ideológico. É uma disputa de patrocínios.

Folha - Essa aposta é eficiente do ponto de vista eleitoral?
Singer -
É difícil saber. Se fosse um só, talvez fosse. Mas como os dois têm padrinhos... Talvez as duas se anulem mutuamente, já que mais ou menos usam o mesmo argumento, só que com pessoas diferentes.

Folha - Isso prejudica o debate?
Singer -
Acho que sim. Penso que, na verdade, não deveriam usar a identidade partidária como critério da repartição de recursos públicos. Tanto o Lula quanto o Alckmin teriam que investir em São Paulo a mesma coisa independentemente do candidato.

Folha - Por que a Marta não se apresenta como uma candidata de esquerda?
Singer -
Não sei. Quero deixar claro que a Marta não usa apenas isso, nem o Serra. Ela tem muito o que mostrar; o CEU é uma das coisas. O Serra tem um currículo como ministro da Saúde pelo qual também tem o que mostrar. Porque são dois fortes candidatos é que não vejo a necessidade de usarem esse argumento.
Sou eleitor da Marta. O meu, se você quiser, é um voto ideológico. Temo que, se o Serra for eleito, a priorização dada aos mais carentes não seja mais tão intensa. Mas não quero dizer que vá ser assim. Eu não quero ser desonesto.

Folha - Como o sr. viu a análise de José Arthur Giannotti, para quem a derrota do PT ajudaria o debate político e a democracia no país?
Singer -
Eu não entendi a entrevista. Fiquei muito impressionado. Ele pede um voto em defesa da democracia em qualquer um que não seja o PT. É uma posição extrema -não conheço ninguém que tenha essa posição no PSDB ou em outro partido. Eu não consigo entender os fundamentos desse grande medo que ele tem.


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