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NA BOCA DA URNA
Esquema mambembe lembra fila de colégio
DANUZA LEÃO
COLUNISTA DA FOLHA
PRIMEIRO TEMPO
Não dá para acreditar como se
escolhe a segunda pessoa na linha
sucessória do presidente, na capital da República.
No plenário da Câmara dos Deputados, é instalada uma cabine
tosca, com uma cortininha de pano branco, bem ordinário. Dentro, ao fundo, uns escaninhos de
madeira, onde foram colocados
seis montinhos de cédulas, cada
uma com o nome de um candidato. Os nobres deputados entravam numa fila que mais parecia
de alunos do ensino fundamental, entravam na cabine, escolhiam uma das cédulas e subiam
para onde estava a mesa, na sessão presidida pelo deputado Inocêncio de Oliveira.
Cada eleitor recebe então um
envelope azul, desses de papelaria
da esquina, põe o voto dentro, e,
em seguida, coloca o envelope na
urna (com um monte de gente
atrás, vigiando para que não haja
nenhum engano, digamos assim).
O esquema é precário, rústico,
mas quem manda? Quando pretenderam fazer com que fosse
mais moderno, surgiram os pianistas -lembra?- e ficou mais
seguro voltar nos tempos. Se um
dia a eleição não for mais secreta,
bastará um caderno, com cada
um assinando ao lado do nome
do seu candidato.
Os candidatos, fazendo boca-de-urna, nem almoçaram. No
máximo, um cafezinho, sorrisos,
simpatias, abraços e quase
-quase- juras de amor eterno;
cada um com uma faca na mão,
pronto para cravá-la no peito do
outro, conforme sua conveniência. Ciro Nogueira plantou-se a
um metro da cabine e de lá não
saiu até o fim do primeiro turno.
Como não acontecia nada, os
que não iam votar nem ser votados resolveram almoçar; foram
para o restaurante do Senado,
achando que lá estivessem sendo
feitos os tais conchavos. Para conseguir ser atendido foi uma eternidade, e, quando o maître chegou, foi logo dizendo: "Não tem
mais quase nada". Diante disso, a
solução foi a lanchonete ao lado
da Câmara.
Lá come-se mal, mas barato: tinha bolo de fubá, de chocolate,
pudim de leite, pedaços de queijo
e presunto, pães variados e frutas,
e a conta não passa de R$ 5. À
pergunta "E quem o senhor acha
que vai ganhar?", as respostas
eram as mais variadas. "Se Ciro
[Severino Jr.] chegar ao segundo
turno, ele leva", a "Aldo deve ganhar de Nonô por uns 40 votos" e
"Nonô é imbatível". No plenário,
o ex-namorado de Adriane Galisteu, Julio Lopes, desfilava fazendo
cara de sério.
O clima estava frio, mas a expectativa é que fosse ferver no segundo turno. Alguém se lembrou
de um projeto de Aldo Rebelo, de
que passasse a ser obrigatório
usar farinha de mandioca na
massa do pão; foi o suficiente para que outro alguém dissesse que
essa era razão suficiente para votar em qualquer dos outros candidatos, fosse ele quem fosse.
SEGUNDO TEMPO
Enquanto o deputado José Thomaz Nonô fazia o seu discurso,
um deputado lia seu jornal, aberto, em pé - e de costas para a
tribuna. Essa Câmara precisava
de umas aulas de polidez, sem dúvida.
Deu para notar que o poder enfeia; o visual dos deputados, em
geral, é lamentável, sendo que alguns já foram bem bonitinhos.
Quando veio vindo um grupo
em minha direção, uma amiga
me disse: "São eles, os do "mensalão". Segure bem a sua bolsa". Foi
o que fiz.
Uma figura estranhíssima circulava pelos corredores: era Roberval Uzêda, de bata branca,
que dizia ter vindo a Brasília
-onde está há uma semana-
para dar um descarrego no ex-deputado Severino Cavalcanti, no
presidente Lula e em d. Marisa.
Em Severino, não adiantou nada.
Aldo Rebelo, ainda não eleito,
aparentava calma e passeava no
plenário e na sala do cafezinho.
Num dado momento, não agüentou e foi para a varanda, fumar
um cigarrinho.
Mas ele não esperava o que
aconteceu: quando passou pela
deputada Denise Frossard, a juíza já começou dizendo: "Não votei em você, votei em Nonô", e arrematou, olhando firme para seus
olhos: "Lamento que a sua biografia tenha sido usada dessa
maneira pelo Planalto".
O quase presidente da Câmara
não disse uma só palavra, deu
meia-volta e saiu de olhos baixos.
A apuração durou aproximadamente uma hora e foi um sufoco; apesar de todas as apelações
do governo, a vitória foi bem
apertada e houve gente que ouviu
o resultado da votação na base do
tranqüilizante.
E se o presidente quiser ir em
frente com suas convicções, vamos ter que nos acostumar com
aquelas broas parecidas com as
que comem os índios. Mesmo politicamente incorreto, não dá para comparar com uma baguete
fresquinha, saindo do forno.
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