São Paulo, quinta-feira, 29 de setembro de 2005

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NA BOCA DA URNA

Esquema mambembe lembra fila de colégio

DANUZA LEÃO
COLUNISTA DA FOLHA

PRIMEIRO TEMPO
Não dá para acreditar como se escolhe a segunda pessoa na linha sucessória do presidente, na capital da República.
No plenário da Câmara dos Deputados, é instalada uma cabine tosca, com uma cortininha de pano branco, bem ordinário. Dentro, ao fundo, uns escaninhos de madeira, onde foram colocados seis montinhos de cédulas, cada uma com o nome de um candidato. Os nobres deputados entravam numa fila que mais parecia de alunos do ensino fundamental, entravam na cabine, escolhiam uma das cédulas e subiam para onde estava a mesa, na sessão presidida pelo deputado Inocêncio de Oliveira.
Cada eleitor recebe então um envelope azul, desses de papelaria da esquina, põe o voto dentro, e, em seguida, coloca o envelope na urna (com um monte de gente atrás, vigiando para que não haja nenhum engano, digamos assim). O esquema é precário, rústico, mas quem manda? Quando pretenderam fazer com que fosse mais moderno, surgiram os pianistas -lembra?- e ficou mais seguro voltar nos tempos. Se um dia a eleição não for mais secreta, bastará um caderno, com cada um assinando ao lado do nome do seu candidato.
Os candidatos, fazendo boca-de-urna, nem almoçaram. No máximo, um cafezinho, sorrisos, simpatias, abraços e quase -quase- juras de amor eterno; cada um com uma faca na mão, pronto para cravá-la no peito do outro, conforme sua conveniência. Ciro Nogueira plantou-se a um metro da cabine e de lá não saiu até o fim do primeiro turno.
Como não acontecia nada, os que não iam votar nem ser votados resolveram almoçar; foram para o restaurante do Senado, achando que lá estivessem sendo feitos os tais conchavos. Para conseguir ser atendido foi uma eternidade, e, quando o maître chegou, foi logo dizendo: "Não tem mais quase nada". Diante disso, a solução foi a lanchonete ao lado da Câmara.
Lá come-se mal, mas barato: tinha bolo de fubá, de chocolate, pudim de leite, pedaços de queijo e presunto, pães variados e frutas, e a conta não passa de R$ 5. À pergunta "E quem o senhor acha que vai ganhar?", as respostas eram as mais variadas. "Se Ciro [Severino Jr.] chegar ao segundo turno, ele leva", a "Aldo deve ganhar de Nonô por uns 40 votos" e "Nonô é imbatível". No plenário, o ex-namorado de Adriane Galisteu, Julio Lopes, desfilava fazendo cara de sério.
O clima estava frio, mas a expectativa é que fosse ferver no segundo turno. Alguém se lembrou de um projeto de Aldo Rebelo, de que passasse a ser obrigatório usar farinha de mandioca na massa do pão; foi o suficiente para que outro alguém dissesse que essa era razão suficiente para votar em qualquer dos outros candidatos, fosse ele quem fosse.

SEGUNDO TEMPO
Enquanto o deputado José Thomaz Nonô fazia o seu discurso, um deputado lia seu jornal, aberto, em pé - e de costas para a tribuna. Essa Câmara precisava de umas aulas de polidez, sem dúvida.
 
Deu para notar que o poder enfeia; o visual dos deputados, em geral, é lamentável, sendo que alguns já foram bem bonitinhos.
 
Quando veio vindo um grupo em minha direção, uma amiga me disse: "São eles, os do "mensalão". Segure bem a sua bolsa". Foi o que fiz.
 
Uma figura estranhíssima circulava pelos corredores: era Roberval Uzêda, de bata branca, que dizia ter vindo a Brasília -onde está há uma semana- para dar um descarrego no ex-deputado Severino Cavalcanti, no presidente Lula e em d. Marisa. Em Severino, não adiantou nada.
 
Aldo Rebelo, ainda não eleito, aparentava calma e passeava no plenário e na sala do cafezinho. Num dado momento, não agüentou e foi para a varanda, fumar um cigarrinho.
Mas ele não esperava o que aconteceu: quando passou pela deputada Denise Frossard, a juíza já começou dizendo: "Não votei em você, votei em Nonô", e arrematou, olhando firme para seus olhos: "Lamento que a sua biografia tenha sido usada dessa maneira pelo Planalto".
O quase presidente da Câmara não disse uma só palavra, deu meia-volta e saiu de olhos baixos.
 
A apuração durou aproximadamente uma hora e foi um sufoco; apesar de todas as apelações do governo, a vitória foi bem apertada e houve gente que ouviu o resultado da votação na base do tranqüilizante.
 
E se o presidente quiser ir em frente com suas convicções, vamos ter que nos acostumar com aquelas broas parecidas com as que comem os índios. Mesmo politicamente incorreto, não dá para comparar com uma baguete fresquinha, saindo do forno.


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