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NARCOTRÁFICO
Controle sobre venda de substâncias químicas é muito precário
País não fiscaliza produtos usados para fazer cocaína
MALU GASPAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Candidato natural à migração
de laboratórios de refino de cocaína de locais como Bolívia, Colômbia e Peru, o Brasil falha no controle do desvio de produtos químicos da indústria nacional para
esses laboratórios.
O controle dos chamados "precursores químicos" é, ao lado do
combate à lavagem de dinheiro,
prioridade máxima na estratégia
internacional de combate ao narcotráfico. "Os químicos são tão
necessários na fabricação da cocaína quanto as folhas de coca",
resume o analista Tom Blickman,
da ONG Transnational Institute.
Para o chefe do setor de químicos da Polícia Federal, Anísio
Vieira, o problema é ainda mais
sério diante do crescimento das
drogas sintéticas, como LSD e anfetamínicos, que usam químicos
como única matéria-prima.
No Brasil há, desde 1995, 11
substâncias controladas por lei. O
controle dessas substâncias
-quem e quanto produz, quanto
vende, quem compra, como e
quanto compra- cabe à Polícia
Federal. Mas o delegado Anísio
Vieira, da DRE (Divisão de Repressão de Entorpecentes), admite deficiências no controle.
"A lei é muito recente e ainda
tem falhas", diz. A lei determina o
controle das substâncias puras,
mas não de misturas. Um exemplo é a acetona. Qualquer venda
de mais de meio litro de acetona
tem de ser comunicada à PF. Mas
a mesma quantidade de acetona
misturada com água não.
Um segundo problema é a falta
de estrutura. No país inteiro não
há mais de 50 pessoas para fiscalizar as atividades de cerca de 22
mil empresas (entre indústrias,
farmácias e pequenos laboratórios). Desses, três agentes e oito
profissionais cuidam apenas do
controle de químicos. Por lei, esse
controle depende de listas e números fornecidos pelas empresas.
Segundo o delegado Vieira, a
maior parte dos policiais não tem
condições de auditar corretamente as informações. Mas afirma que
a PF investe em cursos de formação na área para policiais federais.
Outro nó na fiscalização dos
produtos químicos no Brasil é o
controle dos resíduos. Um relatório recente da DEA, a agência antidrogas dos Estados Unidos,
constatou que, em 90% da cocaína apreendida e analisada na Colômbia no ano passado, 98% haviam sido produzidos com ácido
clorídrico reciclado.
"Hoje, não temos controle do
que acontece com o resíduo químico no Brasil", afirma Vieira. O
delegado confia que mudanças na
lei e a implantação, prevista para
o ano que vem, de um novo sistema informatizado de controle dos
produtos químicos possa melhorar a situação.
Já a percepção internacional sobre o problema continua sendo
de preocupação. No último relatório do Departamento de Estado
dos EUA sobre a "guerra contra as
drogas" em todos os países, a situação do Brasil foi mencionada.
""Algumas drogas sintéticas são
produzidas ilegalmente no Brasil
com químicos desviados do comércio doméstico. Além disso,
por causa da relativa disponibilidade dos químicos necessários,
há indicativos de que traficantes
podem estar investindo em laboratórios de processamento de folhas de coca ou pasta base contrabandeada de países vizinhos por
causa da melhoria do controle
dos químicos nesses países", diz.
Rotas
O delegado Vieira admite que
há desvios. Mas, segundo ele, a
Polícia Federal não acredita que
esteja havendo transporte de produtos pela Amazônia para a Colômbia, o maior consumidor desses produtos.
A evidência disso teria sido o fato de que, numa operação da PF
que durou oito meses e terminou
na metade do ano passado, nenhum produto controlado foi pego nas embarcações que viajavam
pelo rio Solimões, principal rota
de transporte para a Colômbia.
Para ele, o mais provável é que
esses produtos estejam sendo
transportados por terra até a Bolívia. Ali, diz o delegado, já foram
encontradas algumas garrafas de
produtos químicos brasileiros em
laboratórios de refino, mas ainda
em pequenas quantidades.
Outra evidência de que o país
não seria um fornecedor importante de produtos químicos para
o narcotráfico seriam os números
de apreensão da polícia colombiana.
Segundo números fornecidos
pelo escritório da Undcp (entidade da ONU para o combate às
drogas) na Colômbia, Estados
Unidos e Trinidad Tobago são a
origem de mais de 80% dos produtos apreendidos. Detalhe: Trinidad Tobago, com 45% do total,
não tem indústria química. O Brasil, segundo os dados, baixou sua
participação de 3% para zero nos
últimos três anos.
Para Klaus Nyholm, chefe do escritório da Undcp na Colômbia,
esses dados não dizem muito isoladamente: "O Brasil vende muito
para países que se prestam a revender os produtos para a Colômbia", declarou: "Não há dados
sobre isso, mas, com as informações de que dispomos é perfeitamente possível imaginar que parte dos químicos que saem dos
portos brasileiros acabam chegando à Colômbia".
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