São Paulo, domingo, 29 de outubro de 2000

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NARCOTRÁFICO
Controle sobre venda de substâncias químicas é muito precário
País não fiscaliza produtos usados para fazer cocaína

MALU GASPAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Candidato natural à migração de laboratórios de refino de cocaína de locais como Bolívia, Colômbia e Peru, o Brasil falha no controle do desvio de produtos químicos da indústria nacional para esses laboratórios.
O controle dos chamados "precursores químicos" é, ao lado do combate à lavagem de dinheiro, prioridade máxima na estratégia internacional de combate ao narcotráfico. "Os químicos são tão necessários na fabricação da cocaína quanto as folhas de coca", resume o analista Tom Blickman, da ONG Transnational Institute.
Para o chefe do setor de químicos da Polícia Federal, Anísio Vieira, o problema é ainda mais sério diante do crescimento das drogas sintéticas, como LSD e anfetamínicos, que usam químicos como única matéria-prima.
No Brasil há, desde 1995, 11 substâncias controladas por lei. O controle dessas substâncias -quem e quanto produz, quanto vende, quem compra, como e quanto compra- cabe à Polícia Federal. Mas o delegado Anísio Vieira, da DRE (Divisão de Repressão de Entorpecentes), admite deficiências no controle.
"A lei é muito recente e ainda tem falhas", diz. A lei determina o controle das substâncias puras, mas não de misturas. Um exemplo é a acetona. Qualquer venda de mais de meio litro de acetona tem de ser comunicada à PF. Mas a mesma quantidade de acetona misturada com água não.
Um segundo problema é a falta de estrutura. No país inteiro não há mais de 50 pessoas para fiscalizar as atividades de cerca de 22 mil empresas (entre indústrias, farmácias e pequenos laboratórios). Desses, três agentes e oito profissionais cuidam apenas do controle de químicos. Por lei, esse controle depende de listas e números fornecidos pelas empresas.
Segundo o delegado Vieira, a maior parte dos policiais não tem condições de auditar corretamente as informações. Mas afirma que a PF investe em cursos de formação na área para policiais federais.
Outro nó na fiscalização dos produtos químicos no Brasil é o controle dos resíduos. Um relatório recente da DEA, a agência antidrogas dos Estados Unidos, constatou que, em 90% da cocaína apreendida e analisada na Colômbia no ano passado, 98% haviam sido produzidos com ácido clorídrico reciclado.
"Hoje, não temos controle do que acontece com o resíduo químico no Brasil", afirma Vieira. O delegado confia que mudanças na lei e a implantação, prevista para o ano que vem, de um novo sistema informatizado de controle dos produtos químicos possa melhorar a situação.
Já a percepção internacional sobre o problema continua sendo de preocupação. No último relatório do Departamento de Estado dos EUA sobre a "guerra contra as drogas" em todos os países, a situação do Brasil foi mencionada.
""Algumas drogas sintéticas são produzidas ilegalmente no Brasil com químicos desviados do comércio doméstico. Além disso, por causa da relativa disponibilidade dos químicos necessários, há indicativos de que traficantes podem estar investindo em laboratórios de processamento de folhas de coca ou pasta base contrabandeada de países vizinhos por causa da melhoria do controle dos químicos nesses países", diz.

Rotas
O delegado Vieira admite que há desvios. Mas, segundo ele, a Polícia Federal não acredita que esteja havendo transporte de produtos pela Amazônia para a Colômbia, o maior consumidor desses produtos.
A evidência disso teria sido o fato de que, numa operação da PF que durou oito meses e terminou na metade do ano passado, nenhum produto controlado foi pego nas embarcações que viajavam pelo rio Solimões, principal rota de transporte para a Colômbia.
Para ele, o mais provável é que esses produtos estejam sendo transportados por terra até a Bolívia. Ali, diz o delegado, já foram encontradas algumas garrafas de produtos químicos brasileiros em laboratórios de refino, mas ainda em pequenas quantidades.
Outra evidência de que o país não seria um fornecedor importante de produtos químicos para o narcotráfico seriam os números de apreensão da polícia colombiana.
Segundo números fornecidos pelo escritório da Undcp (entidade da ONU para o combate às drogas) na Colômbia, Estados Unidos e Trinidad Tobago são a origem de mais de 80% dos produtos apreendidos. Detalhe: Trinidad Tobago, com 45% do total, não tem indústria química. O Brasil, segundo os dados, baixou sua participação de 3% para zero nos últimos três anos.
Para Klaus Nyholm, chefe do escritório da Undcp na Colômbia, esses dados não dizem muito isoladamente: "O Brasil vende muito para países que se prestam a revender os produtos para a Colômbia", declarou: "Não há dados sobre isso, mas, com as informações de que dispomos é perfeitamente possível imaginar que parte dos químicos que saem dos portos brasileiros acabam chegando à Colômbia".


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