São Paulo, domingo, 29 de outubro de 2000

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RUMO A 2002
Líder petista visita 18 cidades durante o segundo turno para aconselhar candidatos do partido e aguarda para março definição se entra ou não na disputa presidencial
Lula acusa "orquestração" em ataques

MARIO SERGIO CONTI
ENVIADO ESPECIAL A PORTO ALEGRE, RECIFE E CURITIBA

"Houve uma orquestração nacional da direita no segundo turno, que fez falsificações na TV e no rádio, caluniou os nossos candidatos e acusou o PT de baderneiro", disse Luiz Inácio Lula da Silva, na quinta-feira, em Recife.
Para Lula, o segundo turno confirmou o "comportamento histórico" dos conservadores. "Ao se sentir ameaçada, a direita foi capaz de torturar e matar na ditadura, de apoiar um corrupto como o Collor e, agora, de apelar outra vez para o anticomunismo rasteiro", declarou ele.
As eleições municipais, na sua avaliação, serviram também de prelúdio para a próxima disputa presidencial. "O PT tem prefeituras com projetos premiados internacionalmente, é o único partido que não é acusado de corrupção, está sempre ao lado das reivindicações populares, mas, mesmo assim, a direita desqualifica o nosso partido", disse. "Na hora agá, ela parte para a baixaria, e fará a mesma coisa em 2002."
Lula visitou mais de 200 cidades no primeiro turno e 18 no segundo. Dormiu sempre depois das 2h e já estava de pé às 8h. Viajou de carro, ônibus, aviões de carreira e jatinhos. Enfrentou chuva, frio e sol de 40 graus.
Na semana passada, discursou em comícios em quatro municípios gaúchos, três paulistas, em Curitiba e em Recife. Em todos eles, disse às multidões que completaria 55 anos anteontem. "Não quero presente para mim, mas dêem de presente à cidade a eleição do nosso candidato", disse.

Porto Alegre
Na noite de terça-feira, no comício de encerramento da campanha de Tarso Genro em Porto Alegre, Lula terminou seu discurso com a tradicional despedida "Boa luta", que os petistas gaúchos usam com a naturalidade que os paulistas dizem "bom trabalho", e os cariocas, "boa praia".
"O PT gaúcho e a administração de Porto Alegre são modelos que eu gostaria de ver espalhados pelo Brasil", disse Lula, pouco depois do comício, no restaurante Copacabana, ponto tradicional da boemia porto-alegrense, onde janta com o governador Olívio Dutra.
Porto Alegre é a maior estrela da galáxia petista. O PT governa a cidade há 12 anos e, segundo pesquisa do Datafolha, está prestes a ganhar mais um mandato.
A cidade é governada com base no "orçamento participativo", um processo de discussão e deliberação que envolve 20 mil pessoas todos os anos. Numa série de reuniões em bairros, delibera-se em quais obras e iniciativas recursos da cidade serão alocados.
A cidade conta com vagas nas escolas para todas as crianças entre 5 e 15 anos, um sistema de saúde com atendimento acima da média nacional e um sistema de transporte público que prescinde de perueiros e lotações. Há quatro anos, o preço da passagem de ônibus era igual ao de São Paulo. Hoje, a tarifa é de R$ 0,85, enquanto em São Paulo subiu para R$ 1,15.
"Com o orçamento participativo, o prefeito fica com menos poder que em outras cidades, mas o envolvimento popular garante que sejam feitas as obras realmente úteis para a maioria do povo", disse Raul Pont, o atual prefeito.
Com origem mais na classe média que no operariado, o PT gaúcho conta com quadros técnicos universitários e dispõe de mecanismos de decisão que são acatados pelas três tendências do partido e evitam as cisões sectárias.
Seu líder inconteste, Olívio Dutra, trata a todos de igual para igual, sempre pedindo em vez de dar ordens. Faz questão de não agir como um chefe e de dar exemplos de comportamento republicano. Quando prefeito, ia de ônibus para o gabinete. Ao deixar o cargo, no dia seguinte retomou seu emprego de bancário.
"O povo deve ser protagonista, e não objeto da política", discursou o governador. "A participação do povo no governo é a única garantia de evitar a privatização do espaço público, como querem os defensores do neoliberalismo."
Nem Olívio Dutra nem qualquer orador no comício de Porto Alegre falou em "capitalismo" ou em "propriedade privada". O ataque ao neoliberalismo, a defesa do espaço público e o compromisso com a participação popular são sintomáticos na estratégia petista: o partido deixou de falar em socialismo.
"A nossa prioridade é chegar ao poder para combater a miséria e melhorar as condições de vida do povo", declarou Lula. "Acho que a discussão sobre o socialismo terá de ser retomada com uma perspectiva mais ampla, numa escala internacional."
Lula leu recentemente entrevista de um cientista dizendo que, para que a população mundial tenha o mesmo nível de vida do povo alemão, a terra teria de ter mais do dobro do tamanho. "Os países e os governos vão ter de ter uma articulação mundial para gerir os recursos naturais do planeta."

Curitiba
Havia dezenas de pessoas, todas com ar sorumbático, quando Lula chegou, na tarde de quarta-feira, ao comitê de campanha de Ângelo Vanhoni, o candidato do PT à Prefeitura de Curitiba. Nos dez dias anteriores, o candidato do PFL, Cássio Taniguchi, vinha usando o seu programa de televisão para atacar Vanhoni. O petista, que chegara a ter 20 pontos percentuais de vantagem, estava agora atrás do adversário.
Lula conversou a sós com Vanhoni, que não conseguia dormir há dois dias e tinha o semblante marcado pelo cansaço e pela tensão. Disse-lhe que precisava responder aos ataques do PFL, apesar da oposição dos responsáveis pelo seu programa televisivo. Que tinha de sair do comitê imediatamente e dar prioridade total ao debate da TV noite seguinte.
Como Vanhoni teve paralisia infantil e anda de muletas, Lula contou que se emocionara com a declaração de uma atleta brasileira na Olimpíada de Deficientes Físicos em Sidney: "Nós não queremos pena das pessoas, queremos oportunidades".
Os dirigentes do PT no Paraná pediram que Lula gravasse uma mensagem de apoio a Vanhoni, para ser exibida no horário eleitoral. Lula se recusou. Disse que gravassem o discurso no comício e, se achassem que algum trecho contribuiria para obter mais votos, que o colocassem no ar.
Em Curitiba, Lula nunca foi o primeiro colocado nas três eleições presidenciais que disputou. Mas sabia que poderia incentivar os militantes do PT a se empenhar ao máximo nos dias finais de campanha. Daí ter prescindido de falar na TV, preferindo aconselhar privadamente o candidato e se dirigir diretamente aos militantes no comício.
"O Vanhoni está cometendo o erro de ficar o dia todo no comitê, participando de reuniões infindáveis, remoendo o fato de não ter partido para cima do adversário", disse Lula. "Ele está errando, como errei em 1989, quando fui cansado e abatido para o debate final com o Collor."
No comício, Lula primeiro chamou o candidato para o seu lado e discursou olhando direto nos seus olhos. "Vanhoni, o PFL não tem moral para te atacar. O PFL fez a ditadura, torturou e matou gente que só queria liberdade. O PFL está cheio de corruptos. Você sempre foi um trabalhador honesto, não pode se abater."
A seguir, conclamou os assistentes a "dar o sangue" até o dia da eleição. "Com 20 pontos de vantagem, entramos no segundo turno de sapato alto, achando que ganharíamos sem esforço", disse. "A responsabilidade é de vocês, podemos conseguir a vitória com nosso esforço e nossa militância."
Durante todo o dia, Lula mantivera contato com o presidente nacional do PT, o deputado José Dirceu, e com os dirigentes do PT pernambucano. Achava que deveria alterar o seu plano de viagem, indo para Recife. A mais recente pesquisa do Datafolha mostrava que Roberto Magalhães, do PFL, estava tecnicamente empatado com o candidato do PT, João Paulo, e soldados grevistas haviam trocado tiros com oficiais da Polícia Militar.
Decidiu embarcar para Recife logo depois do comício. A direção nacional do PT alugou um Learjet 35. Nele, embarcaram Lula, Aurélio Pimentel, que há 11 anos é seu secretário e segurança, e o assessor de imprensa Spense Pimentel.
Tomou duas doses de uísque, jantou, conversou, chegou a Recife quase 2h e, às 6h, tenso, já estava acordado em seu quarto, num hotel na praia de Boa Viagem.

Recife
Encontrou no café da manhã de quinta-feira com José Dirceu, que vinha de um comício em Fortaleza, onde o PT apóia Inácio Arruda, do PC do B. "Em São Paulo, a gente vai ganhar a eleição, mas estamos perdendo a discussão política", disse-lhe o deputado. José Dirceu avaliou que foi Paulo Maluf quem deu o tom no segundo turno, acuando o PT com a questão do aborto e da parceria civil de pessoas do mesmo sexo.
"A gente tem que fazer uma reunião com a bancada do PT na Câmara e decidir que os nossos projetos devem ser encaminhados em conjunto e se tornarem a posição do partido", disse Lula. "Senão, há o risco dos militantes descobrirem numa campanha que tal deputado apresentou tal projeto, por melhor que ele seja."
José Dirceu tinha outra preocupação. "Precisamos padronizar a nossa resposta à onda nacional de panfletos apócrifos, de boatos sobre a vida privada dos nossos candidatos, aos programas de rádio com insinuações e calúnias, aos e-mails anônimos que nos atacam", disse ele a Lula. "Isso tudo faz parte de sistemas de comunicação criados para nos prejudicar."
Segundo José Dirceu, a única maneira de fazer frente a essas denúncias é levá-las ao horário eleitoral do PT. "Temos de denunciá-las, dizer que são anônimas e mentirosas", disse ele.
"Fui ao programa do Ratinho e, antes de entrar no ar, disse a ele que tomasse cuidado com o que perguntasse", contou Lula. "Disse que, se ele falasse mal de homossexuais, iria perguntar o que faria se o filho dele fosse veado."
A intenção de Lula era realizar uma grande caminhada pelo centro do Recife, cidade onde sempre teve boa votação, e mostrá-la no programa eleitoral. Em razão da greve da PM, no entanto, as manifestações estavam proibidas.
Lula então conversou com João Paulo. Como em Curitiba, insistiu em que não deixasse acusação sem resposta e descansasse. "Você só pode ir bem no debate se tiver presença de espírito, o que só se consegue se estiver descansado, com a cabeça alerta."
Sem poder ir à rua, Lula deu uma entrevista coletiva que, com mais de uma centena de militantes presentes, adquiriu ares de comício, sendo interrompida diversas vezes por palmas e gritos.
Em seguida, foi para uma plenária com mais de 3.000 militantes, num ginásio fechado. Foi o último a falar. Novamente, conclamou-os a um grande esforço final para elegerem João Paulo.
Embarcou no jatinho, deixou José Dirceu em Campinas, pousou no aeroporto de Congonhas e seguiu direto para mais dois comícios, em Mauá e Diadema, na grande São Paulo. Anteontem, comemorou seu aniversário com a família.

Futuro
Depois das eleições, Lula participará em Brasília de um seminário com todos os prefeitos eleitos pelo PT. Em seguida, pretende passar um semana em Cuba.
"Como teremos dívidas de campanha, o PT de São Paulo decidiu arrecadar dinheiro fretando um avião e promovendo um pacote turístico chamado "Conheça Cuba com Lula'", contou.
Na volta, coordenará dois outros seminários. Um para discutir a segurança nas grandes cidades e outro chamado Fome Zero. "Temos de aprofundar a discussão sobre esses problemas, para termos propostas concretas para enfrentar a violência nas metrópoles e erradicar a miséria", disse.
"Tive um convite para passar alguns meses em Oxford, na Inglaterra, mas decidi não ir", afirmou. "Prefiro ficar por aqui, talvez visite as dez cidades brasileiras mais pobres, e, até março, quero que o partido tenha decidido quem será o nosso candidato em 2002."
Lula discutirá a eleição presidencial com o que chama de "alto comando", as pessoas do PT com quem tem relações mais próximas. Do grupo fazem parte, os deputados Aloizio Mercadante, José Genoino e José Dirceu, o senador Eduardo Suplicy, o governador Olívio Dutra, Marta Suplicy, Tarso Genro, os sindicalistas Vicentinho e Jair Meneguelli e poucos outros.
"Não posso concorrer pela quarta vez a presidente nas mesmas condições em que disputei antes", diz Lula. "O PT precisa avaliar se não há outras pessoas em melhores condições de vencer a eleição."
Para o caso de vir a concorrer, ele acha que precisa contar com uma estrutura de campanha mais profissional. Na hipótese de o PT lançar outro candidato, ele acha necessário anunciar, também em março, o que fará da sua vida.
"Não poderei passar a impressão de que estou desistindo da política", diz.


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