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RUMO A 2002
Líder petista visita 18 cidades durante o segundo turno para aconselhar
candidatos do partido e aguarda para março definição se entra ou não na disputa presidencial
Lula acusa "orquestração" em ataques
MARIO SERGIO CONTI
ENVIADO ESPECIAL A PORTO ALEGRE, RECIFE E CURITIBA
"Houve uma orquestração nacional da direita no segundo turno, que fez falsificações na TV e
no rádio, caluniou os nossos candidatos e acusou o PT de baderneiro", disse Luiz Inácio Lula da
Silva, na quinta-feira, em Recife.
Para Lula, o segundo turno confirmou o "comportamento histórico" dos conservadores. "Ao se
sentir ameaçada, a direita foi capaz de torturar e matar na ditadura, de apoiar um corrupto como o
Collor e, agora, de apelar outra
vez para o anticomunismo rasteiro", declarou ele.
As eleições municipais, na sua
avaliação, serviram também de
prelúdio para a próxima disputa
presidencial. "O PT tem prefeituras com projetos premiados internacionalmente, é o único partido
que não é acusado de corrupção,
está sempre ao lado das reivindicações populares, mas, mesmo
assim, a direita desqualifica o nosso partido", disse. "Na hora agá,
ela parte para a baixaria, e fará a
mesma coisa em 2002."
Lula visitou mais de 200 cidades
no primeiro turno e 18 no segundo. Dormiu sempre depois das 2h
e já estava de pé às 8h. Viajou de
carro, ônibus, aviões de carreira e
jatinhos. Enfrentou chuva, frio e
sol de 40 graus.
Na semana passada, discursou
em comícios em quatro municípios gaúchos, três paulistas, em
Curitiba e em Recife. Em todos
eles, disse às multidões que completaria 55 anos anteontem. "Não
quero presente para mim, mas
dêem de presente à cidade a eleição do nosso candidato", disse.
Porto Alegre
Na noite de terça-feira, no comício de encerramento da campanha de Tarso Genro em Porto
Alegre, Lula terminou seu discurso com a tradicional despedida
"Boa luta", que os petistas gaúchos usam com a naturalidade
que os paulistas dizem "bom trabalho", e os cariocas, "boa praia".
"O PT gaúcho e a administração
de Porto Alegre são modelos que
eu gostaria de ver espalhados pelo
Brasil", disse Lula, pouco depois
do comício, no restaurante Copacabana, ponto tradicional da boemia porto-alegrense, onde janta
com o governador Olívio Dutra.
Porto Alegre é a maior estrela da
galáxia petista. O PT governa a cidade há 12 anos e, segundo pesquisa do Datafolha, está prestes a
ganhar mais um mandato.
A cidade é governada com base
no "orçamento participativo",
um processo de discussão e deliberação que envolve 20 mil pessoas todos os anos. Numa série de
reuniões em bairros, delibera-se
em quais obras e iniciativas recursos da cidade serão alocados.
A cidade conta com vagas nas
escolas para todas as crianças entre 5 e 15 anos, um sistema de saúde com atendimento acima da
média nacional e um sistema de
transporte público que prescinde
de perueiros e lotações. Há quatro
anos, o preço da passagem de ônibus era igual ao de São Paulo. Hoje, a tarifa é de R$ 0,85, enquanto
em São Paulo subiu para R$ 1,15.
"Com o orçamento participativo, o prefeito fica com menos poder que em outras cidades, mas o
envolvimento popular garante
que sejam feitas as obras realmente úteis para a maioria do povo",
disse Raul Pont, o atual prefeito.
Com origem mais na classe média que no operariado, o PT gaúcho conta com quadros técnicos
universitários e dispõe de mecanismos de decisão que são acatados pelas três tendências do partido e evitam as cisões sectárias.
Seu líder inconteste, Olívio Dutra, trata a todos de igual para
igual, sempre pedindo em vez de
dar ordens. Faz questão de não
agir como um chefe e de dar
exemplos de comportamento republicano. Quando prefeito, ia de
ônibus para o gabinete. Ao deixar
o cargo, no dia seguinte retomou
seu emprego de bancário.
"O povo deve ser protagonista, e
não objeto da política", discursou
o governador. "A participação do
povo no governo é a única garantia de evitar a privatização do espaço público, como querem os
defensores do neoliberalismo."
Nem Olívio Dutra nem qualquer orador no comício de Porto
Alegre falou em "capitalismo" ou
em "propriedade privada". O ataque ao neoliberalismo, a defesa
do espaço público e o compromisso com a participação popular
são sintomáticos na estratégia petista: o partido deixou de falar em
socialismo.
"A nossa prioridade é chegar ao
poder para combater a miséria e
melhorar as condições de vida do
povo", declarou Lula. "Acho que
a discussão sobre o socialismo terá de ser retomada com uma perspectiva mais ampla, numa escala
internacional."
Lula leu recentemente entrevista de um cientista dizendo que,
para que a população mundial tenha o mesmo nível de vida do povo alemão, a terra teria de ter mais
do dobro do tamanho. "Os países
e os governos vão ter de ter uma
articulação mundial para gerir os
recursos naturais do planeta."
Curitiba
Havia dezenas de pessoas, todas
com ar sorumbático, quando Lula
chegou, na tarde de quarta-feira,
ao comitê de campanha de Ângelo Vanhoni, o candidato do PT à
Prefeitura de Curitiba. Nos dez
dias anteriores, o candidato do
PFL, Cássio Taniguchi, vinha
usando o seu programa de televisão para atacar Vanhoni. O petista, que chegara a ter 20 pontos
percentuais de vantagem, estava
agora atrás do adversário.
Lula conversou a sós com Vanhoni, que não conseguia dormir
há dois dias e tinha o semblante
marcado pelo cansaço e pela tensão. Disse-lhe que precisava responder aos ataques do PFL, apesar da oposição dos responsáveis
pelo seu programa televisivo. Que
tinha de sair do comitê imediatamente e dar prioridade total ao
debate da TV noite seguinte.
Como Vanhoni teve paralisia
infantil e anda de muletas, Lula
contou que se emocionara com a
declaração de uma atleta brasileira na Olimpíada de Deficientes Físicos em Sidney: "Nós não queremos pena das pessoas, queremos
oportunidades".
Os dirigentes do PT no Paraná
pediram que Lula gravasse uma
mensagem de apoio a Vanhoni,
para ser exibida no horário eleitoral. Lula se recusou. Disse que
gravassem o discurso no comício
e, se achassem que algum trecho
contribuiria para obter mais votos, que o colocassem no ar.
Em Curitiba, Lula nunca foi o
primeiro colocado nas três eleições presidenciais que disputou.
Mas sabia que poderia incentivar
os militantes do PT a se empenhar
ao máximo nos dias finais de
campanha. Daí ter prescindido de
falar na TV, preferindo aconselhar privadamente o candidato e
se dirigir diretamente aos militantes no comício.
"O Vanhoni está cometendo o
erro de ficar o dia todo no comitê,
participando de reuniões infindáveis, remoendo o fato de não ter
partido para cima do adversário",
disse Lula. "Ele está errando, como errei em 1989, quando fui cansado e abatido para o debate final
com o Collor."
No comício, Lula primeiro chamou o candidato para o seu lado e
discursou olhando direto nos
seus olhos. "Vanhoni, o PFL não
tem moral para te atacar. O PFL
fez a ditadura, torturou e matou
gente que só queria liberdade. O
PFL está cheio de corruptos. Você
sempre foi um trabalhador honesto, não pode se abater."
A seguir, conclamou os assistentes a "dar o sangue" até o dia
da eleição. "Com 20 pontos de
vantagem, entramos no segundo
turno de sapato alto, achando que
ganharíamos sem esforço", disse.
"A responsabilidade é de vocês,
podemos conseguir a vitória com
nosso esforço e nossa militância."
Durante todo o dia, Lula mantivera contato com o presidente nacional do PT, o deputado José
Dirceu, e com os dirigentes do PT
pernambucano. Achava que deveria alterar o seu plano de viagem, indo para Recife. A mais recente pesquisa do Datafolha mostrava que Roberto Magalhães, do
PFL, estava tecnicamente empatado com o candidato do PT, João
Paulo, e soldados grevistas haviam trocado tiros com oficiais da
Polícia Militar.
Decidiu embarcar para Recife
logo depois do comício. A direção
nacional do PT alugou um Learjet
35. Nele, embarcaram Lula, Aurélio Pimentel, que há 11 anos é seu
secretário e segurança, e o assessor de imprensa Spense Pimentel.
Tomou duas doses de uísque,
jantou, conversou, chegou a Recife quase 2h e, às 6h, tenso, já estava acordado em seu quarto, num
hotel na praia de Boa Viagem.
Recife
Encontrou no café da manhã de
quinta-feira com José Dirceu, que
vinha de um comício em Fortaleza, onde o PT apóia Inácio Arruda, do PC do B. "Em São Paulo, a
gente vai ganhar a eleição, mas estamos perdendo a discussão política", disse-lhe o deputado. José
Dirceu avaliou que foi Paulo Maluf quem deu o tom no segundo
turno, acuando o PT com a questão do aborto e da parceria civil de
pessoas do mesmo sexo.
"A gente tem que fazer uma reunião com a bancada do PT na Câmara e decidir que os nossos projetos devem ser encaminhados
em conjunto e se tornarem a posição do partido", disse Lula. "Senão, há o risco dos militantes descobrirem numa campanha que tal
deputado apresentou tal projeto,
por melhor que ele seja."
José Dirceu tinha outra preocupação. "Precisamos padronizar a
nossa resposta à onda nacional de
panfletos apócrifos, de boatos sobre a vida privada dos nossos candidatos, aos programas de rádio
com insinuações e calúnias, aos e-mails anônimos que nos atacam",
disse ele a Lula. "Isso tudo faz parte de sistemas de comunicação
criados para nos prejudicar."
Segundo José Dirceu, a única
maneira de fazer frente a essas denúncias é levá-las ao horário eleitoral do PT. "Temos de denunciá-las, dizer que são anônimas e
mentirosas", disse ele.
"Fui ao programa do Ratinho e,
antes de entrar no ar, disse a ele
que tomasse cuidado com o que
perguntasse", contou Lula. "Disse
que, se ele falasse mal de homossexuais, iria perguntar o que faria
se o filho dele fosse veado."
A intenção de Lula era realizar
uma grande caminhada pelo centro do Recife, cidade onde sempre
teve boa votação, e mostrá-la no
programa eleitoral. Em razão da
greve da PM, no entanto, as manifestações estavam proibidas.
Lula então conversou com João
Paulo. Como em Curitiba, insistiu
em que não deixasse acusação
sem resposta e descansasse. "Você só pode ir bem no debate se tiver presença de espírito, o que só
se consegue se estiver descansado, com a cabeça alerta."
Sem poder ir à rua, Lula deu
uma entrevista coletiva que, com
mais de uma centena de militantes presentes, adquiriu ares de comício, sendo interrompida diversas vezes por palmas e gritos.
Em seguida, foi para uma plenária com mais de 3.000 militantes,
num ginásio fechado. Foi o último a falar. Novamente, conclamou-os a um grande esforço final
para elegerem João Paulo.
Embarcou no jatinho, deixou
José Dirceu em Campinas, pousou no aeroporto de Congonhas e
seguiu direto para mais dois comícios, em Mauá e Diadema, na
grande São Paulo. Anteontem,
comemorou seu aniversário com
a família.
Futuro
Depois das eleições, Lula participará em Brasília de um seminário com todos os prefeitos eleitos
pelo PT. Em seguida, pretende
passar um semana em Cuba.
"Como teremos dívidas de campanha, o PT de São Paulo decidiu
arrecadar dinheiro fretando um
avião e promovendo um pacote
turístico chamado "Conheça Cuba
com Lula'", contou.
Na volta, coordenará dois outros seminários. Um para discutir
a segurança nas grandes cidades e
outro chamado Fome Zero. "Temos de aprofundar a discussão
sobre esses problemas, para termos propostas concretas para enfrentar a violência nas metrópoles
e erradicar a miséria", disse.
"Tive um convite para passar alguns meses em Oxford, na Inglaterra, mas decidi não ir", afirmou.
"Prefiro ficar por aqui, talvez visite as dez cidades brasileiras mais
pobres, e, até março, quero que o
partido tenha decidido quem será
o nosso candidato em 2002."
Lula discutirá a eleição presidencial com o que chama de "alto
comando", as pessoas do PT com
quem tem relações mais próximas. Do grupo fazem parte, os deputados Aloizio Mercadante, José
Genoino e José Dirceu, o senador
Eduardo Suplicy, o governador
Olívio Dutra, Marta Suplicy, Tarso Genro, os sindicalistas Vicentinho e Jair Meneguelli e poucos
outros.
"Não posso concorrer pela
quarta vez a presidente nas mesmas condições em que disputei
antes", diz Lula. "O PT precisa
avaliar se não há outras pessoas
em melhores condições de vencer
a eleição."
Para o caso de vir a concorrer,
ele acha que precisa contar com
uma estrutura de campanha mais
profissional. Na hipótese de o PT
lançar outro candidato, ele acha
necessário anunciar, também em
março, o que fará da sua vida.
"Não poderei passar a impressão de que estou desistindo da política", diz.
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