São Paulo, sexta-feira, 29 de outubro de 2004

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País pode ter desagregação como a Venezuela, diz cientista político

"Desigualdade ameaça democracia"

DO ENVIADO ESPECIAL A CAXAMBU (MG)

O cientista político Fabiano Santos, do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro), disse ontem que a desigualdade social do país pode afetar a democracia e que, no "momento de inflexão" que vivemos, se o governo Luiz Inácio Lula da Silva não responder às expectativas de atacar esse problema, pode haver uma "desagregação do sistema partidário" brasileiro.
"Só há duas alternativas: ou um outro partido [que não o PT] é eficiente no sentido de se comunicar com a classe média e se manter a aposta no avanço de políticas sociais, ou você tem uma desagregação do sistema partidário, à la Venezuela. O que aconteceu lá é que os partidos que vinham se consolidando se espatifaram, e hoje em dia o presidente não é nem de um partido, é de um movimento", disse Santos.
Ele deu entrevista após participar do debate "Vinte anos depois: lições da experiência democrática brasileira", no 28º Encontro Anual da Anpocs (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais), que acontece até amanhã em Caxambu (MG).
A referência à classe média deve-se a uma pesquisa realizada por Santos no Iuperj que mostra maior identificação político-partidária nesses estratos do que no topo ou na base da pirâmide social. Nas faixas intermediárias de renda, pelo menos 50% dos entrevistados disseram se identificar com algum partido brasileiro. Entre ricos e pobres, a proporção diminui para 30% ou menos.
Segundo Santos, a "alienação" nas faixas extremas deve-se, na classe alta, ao razoável grau de autonomia em relação a decisões governamentais e, na baixa, à exclusão e conseqüente baixa adesão à democracia.

"Situação explosiva"
Daí ele dizer que a desigualdade ameaça a democracia e afirmar temer uma possível "situação explosiva". Especialmente pelo fato de, entre os entrevistados, a maioria apontar o PT como o "defensor dos pobres e da luta contra a desigualdade".
"Tenho receio disso -que a fração social inorgânica comece a ser persuadida e apostar em coisas desse tipo, movimentos carismáticos, evangélicos etc.", declara. "É preciso tomar cuidado. Desemprego, desigualdade, falta de eficiência dos partidos na resolução desses problemas é o caldo de cultura para o nazi-fascismo, para aventuras autoritárias."
Apesar desse temor num momento que diz ser crucial, até aqui, em 20 anos de democracia após o regime militar, Santos afirma que o engajamento democrático dos brasileiros é muito grande e o quadro partidário bastante estável.
A nota dissonante é que pesquisas sobre democracia na América Latina indicam que quase 60% dos entrevistados dizem acreditar que "o desenvolvimento econômico é mais importante que a democracia".
"Tem a ver com as condições de vida, na medida em que o ambiente democrático não está dando resposta para isso. O "desenvolvimento" responde a questões de sobrevivência e auto-estima", diz Santos.
(RAFAEL CARIELLO)


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