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LANTERNA NA POPA
Não basta investir
ROBERTO CAMPOS
Até o fim da Segunda Guerra
pouco se falava em desenvolvimento econômico. A questão
mais quente era como controlar
as flutuações cíclicas da economia, os ciclos de prosperidade e
depressão. Depois da guerra, no
entanto, tudo mudou, e depressa.
Tinha havido uma enorme
transformação do ambiente.
Depois de dez anos de Depressão
e mais seis da guerra, todos os
povos queriam recuperar o tempo perdido. A palavra chave era
"reconstrução". Isso queria dizer políticas, programas e projetos que só pareciam factíveis
com recursos e liderança do setor público. Em 1936, Keynes havia feito a cabeça dos economistas -deixando sem graça, por
um quarto de século, os neoclássicos tradicionalistas- com
uma idéia surpreendentemente
simples: a de que, numa conjuntura recessiva, em que há ociosidade de mão-de-obra e de máquinas e equipamentos, pode-se
aumentar a demanda real simplesmente pela injeção de recursos para aumentar a demanda
monetária. Criando dinheiro, o
governo conseguiria provocar
um aumento efetivo da renda e,
graças a isso, reduzir o desemprego da força de trabalho. No
pensamento de Keynes, isso só
ocorreria em situações recessivas, mas a tentação de esquecer
esse "detalhe" seria grande demais para os políticos.
Outra novidade teórica de um
brilhante economista soviético
dos anos 20, N. Kovalesky, que
passaria despercebida durante
muito tempo, foi o uso da relação capital/produto para projetar o crescimento do país. Essa
idéia, manipulada décadas
mais tarde por dois economistas
ocidentais -R. Harrod e E. Domar-, se transformou num famoso modelo, que se popularizou de modo fulminante entre
os planejadores desenvolvimentistas.
Depois da guerra, todas as regiões coloniais queriam ficar independentes. Algumas partiram
para a luta armada contra as
metrópoles mais renitentes, como Bélgica, Holanda, França e
Portugal. Outros colonizadores,
como Inglaterra e Estados Unidos, tiveram mais bom senso. No
final de três décadas, perto de
uma centena de novos Estados
havia surgido, todos sequiosos
por rápido desenvolvimento.
Receitas simples têm grandes
vantagens. E foi o que aconteceu
com o modelo Harrod-Domar.
Naquele momento, era razoável
supor que: 1) havia grande redundância de mão-de-obra na
agricultura; 2) o capital (máquinas, equipamentos) era o fator
mais escasso; e que 3) seus rendimentos eram lineares, isto é, diretamente proporcionais à
quantidade disponível. Tornou-se irresistível a tentação de um
modelo fácil: com um coeficiente
capital/produto de três, para o
país crescer a 7% ao ano, digamos, bastaria ao governo promover um investimento líquido
de 21% do PIB -dele próprio,
dos investidores privados e de
fontes estrangeiras.
Inutilmente Domar, algum
tempo depois, renegou sua fórmula por ser simplista demais.
Era exatamente esse simplismo
que a popularizava. Os teóricos
sérios sempre souberam que a
realidade era muito mais complexa, incluindo complicadores
tais como a distribuição dos recursos naturais, a posição geográfica, a tecnologia, a cultura,
os valores sociais, as instituições,
a segurança e a estabilidade das
leis, a liberdade de iniciativa e o
direito aos frutos da atividade
econômica. Max Weber chegou
mesmo a explicar o êxito histórico do desenvolvimento capitalista do centro-norte europeu pelos
valores individualistas do protestantismo.
O simplismo de Harrod-Domar fez esquecer um princípio
econômico elementar, que o
professor W. Easterly formulou
da seguinte maneira: "as pessoas respondem a incentivos".
Em 1960, W.W. Rostow publicou um best seller, "Os estágios
do crescimento econômico", em
que classificava cinco estágios
econômicos até se chegar à "decolagem" para o desenvolvimento auto-sustentado. Este dependeria do aumento da formação de capital. E se tornaria
mais ou menos automático
quando atingida uma relação
adequada entre investimentos e
PIB. No contexto da Guerra
Fria, quando os Estados Unidos
pareciam estar perdendo a corrida tecnológica e econômica
contra a falecida União Soviética, surgiram os grandes planos
de ajuda externa para subsidiar
o crescimento econômico. Era
preciso fazer alguma coisa para
ganhar a guerra e a fórmula de
crescimento automático pela intensificação de investimentos
era uma arma disponível para
os países ricos exportadores de
capital.
Solow, cujo modelo foi o sucessor do de Domar, chamou atenção para o princípio que ficou
conhecido como "produtividade
total dos fatores". Ou seja, a produção não é função apenas do
capital e do trabalho, mas também da tecnologia. Disso tirou o
resultado surpreendente de que
o crescimento a longo prazo é
função apenas das mudanças
tecnológicas e não da taxa de investimento, a qual determina só
o nível do produto. Ultimamente, houve uma inovação teórica
importante. A lei dos rendimentos decrescentes só se aplicaria
aos setores convencionais. Nos
setores de alta tecnologia, como
a Internet, os rendimentos seriam crescentes, pois a ampliação indefinida dos usuários reduziria os custos de transação,
aumentando a produtividade
global.
Dois exemplos ilustram a importância da qualidade e da eficiência do investimento. Um deles é o da União Soviética, que
experimentou estagnação econômica na década de 80, apesar
de taxas de investimento da ordem de 30% do PIB. O outro é o
do Brasil em seus investimentos
sociais. Como proporção do PIB,
nossos gastos sociais são bastante elevados, mas os resultados
são pífios, colocando-nos em posição desonrosa em matéria de
índice de desenvolvimento humano.
Na ânsia de descobrir o milagre do desenvolvimento, os economistas vêm sempre acrescentando novas variáveis explicativas. No final, talvez aprendam
que não podem prever trajetórias tão exatas como a física permite em relação aos foguetes.
Voltamos sempre aos velhos
fundamentos conhecidos desde
Adam Smith: governo pequeno e
honesto, tributação moderada,
respeito ao direito de propriedade e melhoria do agente econômico pela competição e pela
educação. Não basta investir. É
preciso investir bem.
Roberto Campos, 82, economista e diplomata, foi senador pelo PDS-MT, deputado
federal pelo PPB-RJ e ministro do Planejamento (governo Castello Branco). É autor
de "A Lanterna na Popa" (Ed. Topbooks,
1994).
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