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CELSO PINTO
O Brasil e a conta argentina
Que a Argentina caminha, de
uma forma ou de outra, para um
acordo com o FMI, ninguém duvida. Que ninguém imagine, contudo, que ele possa vir a ser uma
panacéia.
O economista Ilan Goldfajn, da
PUC do Rio, fez um levantamento das empresas na Argentina que
decidiram reduzir a produção no
país, a favor do Brasil, ou simplesmente transferir suas atividades
para cá. Chegou a mais de 30 empresas.
A mais recente foi a Alpargatas,
que anunciou a disposição de demitir metade de seus 6 mil funcionários na Argentina, passando a
concentrar suas atividades em
São Paulo e Curitiba. A lista inclui ainda pesos pesados como a
Fiat Iveco, a Cica, a Grimoldi, a
Nabisco, a Philips, a Goodyear, a
Pirelli e duas fábricas de autopeças, a Delphi Packard e a Dana
Thompson.
Nas contas de representantes do
setor de autopeças argentino, enquanto a mão-de-obra custa US$
4 por hora lá, custa US$ 1,40 no
Brasil. O problema central da Argentina, como diz Goldfajn, não é
fazer o ajuste fiscal discutido com
o FMI -de resto, essencial para
liberar um pacote de US$ 5 bilhões em créditos. O centro do
problema argentino é como dar
um salto na competitividade
mantendo o câmbio fixo.
O diagnóstico que está levando
tantas empresas internacionais a
trocar a Argentina pelo Brasil
não é novo. O presidente mundial
de uma grande multinacional européia, em conversa com o colunista, em novembro do ano passado, fez um diagnóstico duro em
relação à operação de sua empresa na Argentina.
A seu ver, a Argentina não conseguirá manter uma indústria
própria se mantiver o regime
cambial e se não contar com o
mercado brasileiro. Como ele
achava que o câmbio não mudaria e o Mercosul estava malparado, pensava em fechar operações
na Argentina a favor do Brasil.
O ex-ministro argentino Domingo Cavallo fez uma proposta
ousada, como candidato à presidente, para recuperar a competitividade, cortando impostos e flexibilizando a lei trabalhista. O
presidente eleito na Argentina,
Fernando de La Rúa, anunciou
seu próprio plano para flexibilizar os direitos trabalhistas, mas o
ajuste fiscal proposto pelo FMI é a
receita convencional.
Os resultados fiscais da Argentina no ano passado foram muito
ruins. A meta prometida ao FMI
era de US$ 5,1 bilhões. Na vida
real, contudo, o déficit do governo
central foi de US$ 7,094 bilhões.
Além disso, os governos estaduais
geraram um déficit de US$ 3,2 bilhões, elevando o déficit global
para US$ 10,2 bilhões.
A Argentina, ao contrário do
Brasil, não considera as contas
dos Estados, nem das estatais, na
conta global do déficit público. O
FMI nunca reclamou, embora,
como se viu em 99, os Estados possam representar quase a metade
do déficit do governo central.
Dessa vez, o FMI está fincando
pé na exigência de que o programa com a Argentina inclua não
só o governo central (cortando o
déficit para US$ 4,5 bilhões), como os Estados (cortando-o, segundo rumores, para US$ 1,2 bilhão).
O governo argentino alega o
que o brasileiro sempre alegou: o
país é uma federação, e o governo
central não consegue controlar os
gastos estaduais. Assim como no
caso do Brasil, contudo, o FMI insiste em fixar metas para os Estados.
A ironia é que o Brasil, discretamente, vem tentando negociar
com o FMI a retirada dos resultados das estatais do conceito de déficit global. Os argumentos são
que a privatização reduziu muito
a importância das estatais e os investimentos dessas empresas não
deveriam, conceitualmente, ser
considerados como déficit. Ao
pressionar a Argentina para ampliar seu conceito de déficit, o
FMI não parece deixar muito espaço para discutir a redução do
conceito de déficit no Brasil.
O fato é que, por mais sentido
que faça incluir os Estados no déficit argentino (e excluir as estatais no brasileiro), essa é uma
questão marginal em relação à
discussão da competitividade,
lembra Goldfajn. Que, a seu ver,
deveria ser o foco central do programa do FMI.
Se o Brasil der certo (valorizando o real), e o dólar se desvalorizar, a Argentina terá uma ajuda
extra de competitividade. Só que,
argumenta, há um piso para a
valorização do real, pela necessidade de estímulo às exportações,
e é improvável que o dólar se desvalorize num ano em que se prevê
vários aumentos de juros nos Estados Unidos.
A outra linha natural de defesa
da Argentina é tentar repassar
parte da conta de sua política
cambial para o Brasil. O presidente Fernando Henrique Cardoso já disse, para a publicação
"Outlook", que é preciso "uma
certa generosidade" no relacionamento com a Argentina.
Até onde ela irá, não se sabe,
mas ela enfrentará resistências,
no governo, de velhos adversários
do Mercosul e das concessões embutidas nele. Eles vêem com horror, por exemplo, até mesmo a hipótese de aceitar conversar com
os argentinos sobre compensações
para a debandada de empresas a
favor do Brasil.
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