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São Paulo, quarta-feira, 30 de abril de 2003

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MUDANÇA E CONFLITO

Em discurso à bancada, presidente sugere que dissidentes serão expulsos do partido

Lula ameaça rebeldes e diz que PT esquece "peãozada"

Bruno Stuckert - Alan Marques/Folha Imagem
Enquanto a maioria dos parlamentares petistas que foram ontem ao almoço com Lula disputava um lugar próximo do presidente, Luciana Genro e Babá não quiseram aparecer na foto que marcou o encerramento do evento


DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Na véspera de entregar as reformas previdenciária e tributária ao Congresso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva acusou parte do PT de esquecer "a peãozada" em defesa dos "setores mais abastados da classe média" e de quem ganha até R$ 53 mil de aposentadoria no serviço público. Cobrou fidelidade à íntegra das propostas e ameaçou expulsar do PT os parlamentares que votarem contra.
"O PT não briga mais pelos trabalhadores que ganham R$ 500, R$ 600 e menos [de aposentadoria]. O partido está muito intelectualizado e influenciado pelos setores mais abastados da classe média. Está se esquecendo da peãozada", afirmou o presidente, segundo relatos de deputados federais à Folha.
Praticamente sem ser contestado, o presidente fez uma espécie de sermão político à bancada de 92 deputados petistas durante almoço na casa do presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP). O recado se estendeu à economia e mais especificamente ao líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (SP), que prega intervenção no câmbio: Lula disse que o dólar, que fechou ontem em R$ 2,915, cairá ainda mais porque o governo não abandonará o câmbio flutuante.
O objetivo do presidente é, enquadrando o PT, enquadrar o resto da base aliada para negociar o apoio da oposição às reformas. Às 16h de hoje, Lula, na companhia dos governadores, entrega ao Congresso as propostas de emenda constitucional das reformas previdenciária e tributária.

Fracasso de todos
Lula disse que o seu fracasso seria o de todos ali: "Quero terminar o governo e poder andar na rua de cabeça erguida. O grande derrotado serei eu se não conseguir fazer as reformas. [...] Se eu não for bem [no governo], a esquerda vai ficar 50 anos fora do poder. [...] Para governar é preciso fazer concessões".
Lula afirmou que não admitirá nenhum voto contra a proposta mais polêmica da reforma da Previdência: a cobrança previdenciária dos servidores inativos que recebem a partir de R$ 1.058.
"Não vamos abrir mão de nenhum voto. Quem ficar contra deve arcar com as consequências. O deputado pode falar a bobagem que quiser, mas na hora de votar é diferente", afirmou, insinuando que os dissidentes poderão ser expulsos do partido.
Ao reiterar o compromisso com a taxação dos inativos, Lula disse que a proposta não era mais só do governo federal, mas fruto de um acordo de duas reuniões com os governadores.
Ele afirmou que bancará o valor de R$ 1.058, limite que interessa mais aos Estados que à União: "Vamos ser solidários com os governadores, mas vamos cobrar solidariedade deles também".
Referindo-se aos radicais e moderados que são contra a taxação dos inativos, Lula disse que "grande parte do partido não fica constrangida de defender aposentadoria integral para quem ganha R$ 8.000, R$ 9.000, R$ 10.000 e até R$ 53 mil, mas não está ajudando a divulgar que aumentamos [para R$ 2.400] o teto de aposentadoria dos trabalhadores da iniciativa privada [INSS]".
Lula bateu duro no deputado Babá, que diz que votará contra a taxação dos inativos: "Você, Babá, se não falasse mal do governo não sairia nem na "Gazeta do Pará". Sai no "Jornal Nacional" porque ataca o governo".
Apesar do pito, nem Babá nem os outros dois deputados que vêm dando declarações pelo grupo radical, Luciana Genro (RS) e Lindberg Farias (RJ), se pronunciaram durante o almoço. Após o almoço, Babá disse que não gostou e que não existe "Gazeta" no Pará.
Lula também atacou indiretamente a senadora Heloísa Helena (AL), petista que se aliou ao presidente do PDT, Leonel Brizola, para combater as reformas.
"Esses que agora procuram certos companheiros de outros partidos são justamente os que, antes, nas eleições, eram contra qualquer aliança". Helena foi contra a aliança do PT com o PL e apoiou a aliança com o PDT.
Lula também ironizou o presidente do PDT: "Agora, o Brizola virou o grande dirigente da esquerda. Perdeu a eleição no Rio de Janeiro [para o Senado] por causa dos erros dele".
"Se alguém pensa diferente de nós, procure um companheiro, um ministro, o líder da bancada, mas não um adversário", disse.

Gasolina, dólar e mínimo
Lula disse que ficou "frustrado" ao ler os jornais de ontem porque a briga interna do PT tomou o lugar da queda do preço da gasolina nas manchetes. "A imprensa está certa, porque quer vender jornais. Mas será que nós estamos realmente nos preocupando com as coisas mais importantes?"
Ao dizer que "o câmbio é flutuante e o dólar cairá ainda mais", lembrou que, no atual ritmo, o salário mínimo de R$ 240 pode chegar perto de US$ 100. "Após quatro meses de governo, ter problemas porque o dólar está caindo é um ótimo problema. (...) Se o dólar continuar caindo, daqui a pouco quem defende a bandeira do salário mínimo de US$ 100 vai quebrar a cara".
As únicas críticas a Lula foram das deputadas Doutora Clair (PR) e Francisca Trindade (PI), que quebraram o protocolo e pediram a palavra. Trindade disse a Lula que não esqueça que o objetivo final do governo é mudar o quadro de desigualdade do país.
Já Clair foi mais crítica. "Lula, vocês discutiram a proposta da reforma com o conselho, com os empresários, com os governadores, mas não discutiram com a bancada. Sempre recebemos a coisa pronta", afirmou. O presidente rebateu dizendo que, neste governo, os ministros foram ao Congresso por mais vezes do que no período de quatro anos da gestão passada.
Além da bancada petista, participaram do encontro, que durou pouco mais de duas horas, os ministros José Dirceu (Casa Civil), Antonio Palocci Filho (Fazenda), Ricardo Berzoini (Previdência) e Luiz Gushiken (secretário de Comunicação), além do presidente nacional do PT, José Genoino, e do líder do PT no Congresso, senador Aloizio Mercadante (SP).
Segundo relato dos deputados presentes à reunião -Nelson Pellegrino (BA), líder da bancada, afirmou que nenhum dos 92 faltou-, o encontro começou com um discurso do anfitrião, João Paulo, seguido da palavra de Pellegrino. Ambos pregaram a unidade de ação da legenda.
Além de repreender os radicais, Lula lembrou a expulsão de três deputados petistas em 1985, quando o PT tinha apenas oito. Nessa parte, voltou a ameaçar parlamentares de expulsão.
"Chorei quando tivemos de expulsar o José Eudes, a Bete Mendes e o Airton Soares [eles votaram contra a deliberação do partido no Colégio Eleitoral que em 1985 elegeu Tancredo Neves". E é bom que isso não se repita (...)." "Falaram que o partido ia acabar naquela época. Não acabou naquela época e não vai acabar. Estamos apenas começando a dar toda a contribuição e o trabalho que podemos dar ao nosso povo", disse, sendo aplaudido em seguida. Depois, ele circulou por todas as mesas, conversando com de modo informal e tirando fotos.


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