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ELIO GASPARI
Se não for tubarão,
pode linchar
Depois do linchamento de
um tubarão mangona na
praia da Joatinga, no Rio, estabeleceu-se uma civilizadíssima
discussão em Pindorama. Um
promotor mostrou que esse tipo
de selvageria dá até um ano de
prisão (artigo 29 da lei de crimes
ambientais). Um cientista
acrescentou que a pena pode ser
aumentada em 50% porque o
tubarão mangona é uma espécie em extinção. O episódio indignou algumas boas almas e
foi classificado como covardia
histérica.
A qualidade do debate indicou um elevado grau de consciência ecológica, contemporâneo, para usar uma palavra bonita que não quer dizer nada.
Tão elevado que se discute a legalidade do gesto do nordestino
que matou a pauladas uma cobra-coral que se aproximou do
presidente da República. (Tudo
o que Lula precisa na vida de é
um matador de cobra-coral ao
seu lado.)
Só um povo atrasado, que comeu o seu primeiro bispo (de
nome Sardinha), lincha tubarões. Na Suíça ninguém encosta
a mão num tubarão. No mínimo, pergunta-se primeiro qual é
sua espécie. Se tiver cadastro do
Ibama, facilita. Se é mangona,
não há por que se preocupar.
Ademais, quem é capaz de confundir um tubarão mangona
com um diretor do Banco Central?
É verdade que no litoral pernambucano um tubarão comeu
a perna de um surfista e matou-o. Outro, perdeu o pé. Em apenas dois anos (entre 1992 e 1994)
deram-se doze ataques a banhistas. Não se lincham tubarões porque as chances de uma
pessoa ser devorada por um desses bichos é uma em 600 milhões, 6.000 vezes mais difícil de
acontecer do que morrer num
salto de pára-quedas. Se discussões desse tipo ocupassem mais
espaço na agenda nacional, o
Brasil seria outro, uma enorme
Miami.
Pena que o velho e bom Brasil
ainda seja violento e cruel, com
o andar de cima povoado por
um pedantismo cosmopolita
que se sente bem discutindo linchamento de tubarão, assim como d. Pedro 2º sentia-se bem estudando sânscrito enquanto um
escravo lhe trazia limonada.
Discutir linchamento de tubarão não é bobagem, é esperteza.
Permite a conclusão de que o
povo desta terra não está à altura dos seus tubarões, o que pode
ser chato, mas não é grave. No
mesmo dia em que se discutia o
caso do tubarão mangona de
Joatinga, deu-se o seguinte no
Parque Jardim Cocaia, em São
Paulo:
Na rua José Carlos Heffner havia duas festas. Uma era a do
aniversário da menina Paloma,
de sete anos. Nela estavam os
meninos Mateus e Alex. Bêbado, Gilmar Alves de Araújo, de
27 anos, estava na outra festa.
Eranilza, sua mulher, reclamou
do seu comportamento, engraçando-se com outra senhora.
Gilmar saiu, empurrou a mulher para dentro do seu Escort e
deu marcha a ré. Esmagou a cabeça de Mateus, matando-o. Feriu Alex. Vendo o que fizera, fugiu a pé.
Foi alcançado. Sua mulher pediu que não o matassem. Disseram-lhe que fosse embora. Estava grávida, seria respeitada.
Gilmar morreu de pau, faca e
três tiros. Foi levado agonizante
para um hospital e a polícia teve
de intervir quando um grupo de
pessoas quis invadir o necrotério para queimar seu cadáver.
Em 1997, 51,8% das 6.800 famílias ouvidas no Grande Rio,
apoiavam o linchamento de bípedes. Não há dados que permitam estimar a percentagem de
brasileiros que condenam o linchamento de tubarões.
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