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DIALÉTICA DA NATUREZA
Preconceitos cercam a "árvore de direita"
RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL
Os coalas ficariam indignados
se soubessem o que a esquerda
brasileira está falando do eucalipto, cujas folhas são sua principal
fonte de alimentação. Os simpáticos bichinhos peludos australianos talvez até fundassem uma organização não-governamental
para gritar estridentemente suas
opiniões. Talvez optassem pelo
vandalismo, como certas ONGs.
Acreditem, coalas: a bela e altaneira árvore nativa da Austrália
foi tachada de "árvore de direita",
e suas florestas no Brasil foram
apodadas de "desertos verdes".
Essa curiosa visão do universo arbóreo foi a justificativa para que
mulheres alucinadas da ONG Via
Campesina vandalizassem em
março instalações da Aracruz Celulose, em Barra do Ribeiro (RS).
"Somos contra os desertos verdes, as enormes plantações de eucalipto, acácia e pinus para celulose, que cobrem milhares de hectares no Brasil e na América Latina.
Onde o deserto verde avança, a
biodiversidade é destruída, os solos se deterioram, os rios secam,
sem contar a enorme poluição gerada pelas fábricas de celulose que
contaminam o ar, as águas e
ameaçam a saúde humana", diz o
manifesto das senhoras.
Até que ponto elas têm razão
-e essa árvore, que se acredita
ter sido primeiro introduzida no
Brasil em 1868, é de fato um grotesco símbolo do "neoliberalismo", o nome novo que a esquerda
dá ao velho capitalismo?
O eucalipto, que foi por um
tempo vilão ambiental dos verdes
menos esclarecidos, estaria voltando a ser malvado e adentrando
o panteão maldito da esquerda,
onde estão Coca-Cola, Big Mac e
soja transgênica?
"Deserto verde é duplamente
errado. Deserto é onde não chove.
Se é verde, não pode ser deserto",
diz, com a paciência típica dos
cientistas que vivem às voltas com
mitos, o pesquisador Walter de
Paula Lima, um dos maiores conhecedores do eucalipto na comunidade científica brasileira.
Ele começou a estudar essa árvore já em 1972, quando começou
sua carreira acadêmica como auxiliar de ensino no então Departamento de Silvicultura da Esalq-USP (Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" da Universidade de São Paulo), em Piracicaba -a mais prestigiosa escola
brasileira de agronomia.
Walter Lima é especialista em
hidrologia florestal, o uso de água
pelas florestas. Um mito acalentado pelos verdes e agora pelos vermelhos pouco esclarecidos é a voracidade do eucalipto por água,
cujas plantações seriam capazes
de secar rios, lagos, mananciais.
Havia quem dizia que uma árvore de eucalipto usava 360 litros
de água por dia. Um absurdo, que
foi depois modificado para 30 litros na propaganda antieucalipto.
O valor real máximo é 15 litros,
diz o professor da Esalq; e só em
certas épocas do crescimento, e
certas épocas do ano, e para árvores plantadas no padrão tradicional de reflorestamento, uma para
cada seis metros quadrados.
Há árvores nativas brasileiras
com consumo parecido, dependendo também das circunstâncias. O cientista acha estranho criticarem o eucalipto por afetar a
biodiversidade. Qualquer plantação agrícola -de soja ou de café
de um latifundiário do agrobusiness, um roçadinho de feijão ou
mandioca de agricultura de subsistência- é um ataque à variedade natural de espécies vegetais
que existiam no terreno.
A única alternativa a isso seria
banir a agricultura da face da Terra -mas, para isso, a população
do planeta teria de diminuir de 6
bilhões para no máximo uns 50
ou 100 milhões, se tanto, catando
frutinhas no mato "biodiverso".
Mas, dizem os nacionalistas silvícolas, por que não usar árvores
nativas em vez do neoliberal eucalipto? Charles Darwin e sua teoria
da evolução explicam.
As plantas , árvores e arbustos
brasileiros nativos coevoluíram
com suas pragas, faz milhões de
anos. Criar uma floresta só de embaúba, uma bela árvore de crescimento rápido, seria criar um belo
repasto para as pragas locais -a
não ser que fossem neoliberalmente enxarcadas de inseticidas.
O eucalipto, ao ser transplantado para cá, poderia ter virado fast
food das pragas ou ser imune a
elas. Ganhou a segunda opção. A
árvore se deu bem, cresce rápido e
virou estrela de exportação.
Mais irônico ainda: os tais "eucalipto, acácia e pinus para celulose" criticados pelas neovândalas
cumprem seu papel de preservar
as matas nativas de virarem papel.
Quem vai querer transformar a
mata atlântica em papel, se é muito melhor fazer isso com essas árvores de crescimento rápido?
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