São Paulo, domingo, 30 de abril de 2006

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ELIO GASPARI

Propina sem empresário é praia sem sol

Uma pesquisa da PricewaterhouseCoopers mostrou que 96% dos 79 presidentes de empresas que faturam mais de US$ 100 milhões consideram a corrupção o principal problema brasileiro. Esse resultado fica de outro tamanho se um (basta um) desses 79 senhores disser publicamente o que acha de seus similares do Banco Rural e da Usiminas, empresas apanhadas na malha valeriana.
A idéia de que os políticos e servidores corruptos passam os dias dando e tomando dinheiro deles mesmos é ingênua e matematicamente neutra.
Sem empresários, a corrupção é uma praia sem sol. Bem ou mal, o Congresso e a administração pública expõem e punem seus corruptos. O mundo dos negócios melhoraria se, além de reclamar da corrupção dos outros, os grandes empresários repelissem os malfeitores com quem convivem felizes. Nunca é demais lembrar que a Fiesp divulgou uma nota de solidariedade à butique Daslu quando ela foi varejada pela polícia. Recordar é viver. A Poderosa disse o seguinte: "Fatos notórios recentes, vivenciados pela sociedade, revelam situação de anormalidade (...). Não há como se manter alheio ou indiferente a essa realidade". A anormalidade, para a guilda, estaria na ação da polícia.

Uma história inútil, mas inesquecível

Saiu um livro para pessoas cansadas de ler coisa séria. É "O Imperador do Olfato", de Chandler Burr. Conta a história do biólogo italiano Luca Turin, com seu mundo de perfumes e uma teoria (provavelmente errada) para explicar o funcionamento do misterioso sentido do olfato. É difícil aparecer um livro capaz de ensinar tantas coisas inúteis e inesquecíveis. Quem vai esquecer que a amostra nš 5 de um perfume encomendado por Coco Chanel continha uma mistura desandada? Ou que o "Ma Griffe", de Carven, foi criado pela memória de um perfumista que tinha perdido o olfato?
Luca Turin é um personagem do século 19 com a cabeça no 21. Caça perfumes extintos. Achou num antiquário de Moscou um exemplar do "Le Parfum Idéal", do mestre Houbigant. Foi esse aroma que denunciou Maria Antonieta quando ela tentava fugir da França, em 1791. A fórmula perdera-se. Turin foi enfeitiçado pelas grandes criações de Guerlain, Chanel, Dior e Patou. Queixa-se da diluição das fragrâncias, acha que já passou a moda de perfumes "bulímicos" ("Poison"), mas entrou-se numa fase "anoréxica" ("Eau d'Issey"). Parece brincadeira, mas a griffe de Miyake teria encomendado uma molécula com cheiro de água. Serviço: os perfumes precisam de tempo para acordar. O "Chamade", de Guerlain, por exemplo, pede duas horas.
O mercado dos aromas mexe com US$ 20 bilhões a cada ano e todos os cheiros industriais, do último Ralph Lauren ao detergente da pia, são criados por apenas sete companhias. Produzem algo como duas mil novas moléculas por ano e aproveitam três ou quatro. Nesses laboratórios, o toque de limão dos Calvin Klein chama-se hidromircenol e o segredo do Chanel nš 5 (repetido no nš 22) está no predomínio de aldeídos pares.
Chandler acreditava que Turin ganharia o Prêmio Nobel de Medicina. O mistério do olfato está na dificuldade de se explicar como o nariz recebe uma molécula de oxano (oxigênio com enxofre) e o cérebro registra que há uma manga por perto. Desde o início do século passado há duas teorias em choque. Uma crê que cada molécula tem uma forma, captada por um receptor do sistema nervoso. Outra, endossada por Turin, entende que o segredo está na vibração dos elétrons dos átomos de cada molécula. 840 vibrações? É papaia. Comprovada na linha de produção, essa teoria destruiria o atual mercado de produção de aromas.
"O Imperador do Olfato" saiu em 2002 e tudo ia muito bem para a tese da vibração, até que, no final do ano passado, o Prêmio Nobel de Medicina foi para dois professores que descobriram a estrutura dos receptores do olfato, adeptos da teoria da forma, bastante maltratados por Burr no livro. Turin parece ser muito melhor que sua teoria.

Valério 0.2
Marcos Valério poderá reaparecer no noticiário. Tudo depende de suas conversas com o Ministério Público. O irmão-provedor do PT se equilibra entre a preservação de sua liberdade pessoal e a defesa de seu patrimônio. Uma coisa é certa: a versão 0.2 de Valério tem um vírus para os programas tucanos.

9x1 e 1x9
Um dos notáveis que participaram da reunião de empresários e figuras do andar de grife com Geraldo Alckmin em Comandatuba fez uma rápida pesquisa eleitoral. O tucano bate Lula por 9x1. O mesmo curioso tentou medir a tendência da criadagem que serviu comes e bebes aos maganos. Deu o contrário.

Filas culturais
O presidente do INSS, Valdyr Moysés Simão, está certo. Há uma "questão cultural" em cima das filas da madrugada nos postos do INSS. Ele acredita que a turma do andar de baixo, por néscia, acorda no meio da noite para buscar serviços e benefícios pelos quais pagou. Esse pedaço da "questão cultural" vai por conta da nomeação de demófobos para funções relevantes na administração pública. Gente que atribui a própria incompetência à cultura do povo que lhes paga os salários. A verdadeira "questão cultural" é outra. Freqüentemente, os governantes brasileiros, por leviandade derivada da ignorância e/ou da preferência pela empulhação, prometem mentiras. Em outubro do ano passado, "nosso guia" disse o seguinte: "A ordem é acabar com as filas dando dignidade ao cidadão. A partir de março, começo de abril, podem me cobrar".

De olho na Viúva
Em campanha, "nosso guia" diz que legalizou as centrais sindicais. Falso. Ele abriu o caminho para que a bolsa da Viúva dê mais dinheiro para sustentar essas organizações. Lula começou sua carreira defendendo a liberdade sindical. Tendo chegado à chave do cofre, aprofunda as tungas que herdou. Os sindicalistas brasileiros defendem todas as liberdades, menos a do trabalhador decidir se deve ou não pagar pela máquina que, em tese, defende seus interesses.

Candidato legível
Cesar Benjamin será candidato a vice-presidente da República na chapa do PSOL. Anunciou isso numa carta onde diz que a esquerda brasileira "corre o risco de sair da história" por conta de "um processo inédito, a dissolução de dentro para fora". Numa campanha em que prevalecerão o messianismo e a banalidade, ele traz a oportunidade da reflexão, inclusive para aqueles que não concordam com uma só palavra do que diz. Faz tempo que os seu textos parecem exagerados quando aparecem e se revelam proféticos dois ou três anos depois. Em 1995, ele foi-se embora do PT que fundara, quando sentiu o cheiro de queimado no sistema de arrecadação guiado por Lula. Em 2002, avisou que a cobiça se espalhara e anteviu a regência de uma quadrilha-companheira que levaria a esquerda ao mausoléu das roubalheiras. No sítio www.contrapontoeditora.com.br, que é o nome de sua editora e não de um de seus livros, como saiu aqui, há 20 textos do candidato. Quem quiser conferir, pode tirar proveito.

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