São Paulo, sexta-feira, 30 de abril de 2010

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Por 7 votos a 2, STF mantém Lei da Anistia sem alteração

Tribunal derruba ação da OAB que pedia revisão da lei para punir torturadores

Lewandowski e Ayres Britto divergiram do relator ao definir que tortura é crime comum, mas maioria disse que perdão foi consensual


FELIPE SELIGMAN
LUCAS FERRAZ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu ontem que a Lei da Anistia não pode ser alterada para possibilitar a punição de agentes do Estado que praticaram tortura durante a ditadura militar (1964-1985).
Os ministros negaram, por 7 votos a 2, um pedido da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) que questionou a extensão da legislação, editada em 1979 pelo governo João Figueiredo.
A entidade argumentava que a tortura é um crime comum e imprescritível e, portanto, quem o cometeu não poderia ser beneficiado pelo perdão. A tese, porém, não prevaleceu.
O julgamento, considerado histórico pelos próprios ministros, encerra uma polêmica que dividiu o governo Lula. Após dois dias de julgamento e mais de dez horas de discussão, o tribunal entendeu que a Lei da Anistia foi "bilateral" e fruto de um acordo político resultado de um "amplo debate" travado pela sociedade brasileira.
Prevaleceu a tese do relator do caso, ministro Eros Grau, ele próprio uma vítima da ditadura militar -foi preso e torturado na década de 1970. Seu voto, que durou mais de três horas, foi proferido anteontem, quando o julgamento foi suspenso.
Ontem, ele foi seguido pelos colegas Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Ellen Gracie, Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e Cezar Peluso -cuja estreia na presidência da corte foi marcada pelo julgamento.
Todos afirmaram ser importante analisar a legislação em seu contexto histórico e citaram um parecer da própria OAB, assinado pelo então conselheiro Sepúlveda Pertence, hoje ex-ministro do Supremo, que defendia a maior amplitude possível da anistia. A entidade, à época, defendeu a anistia.
"A anistia é sempre ampla, é sempre no sentido da generosidade", afirmou o presidente do STF, no voto que encerrou a sessão e definiu o placar. "Só uma sociedade elevada é capaz de perdoar. Uma sociedade que quer lutar contra seus inimigos com as mesmas armas está condenada ao fracasso."
Mais cedo, os ministros Carlos Ayres Britto e Ricardo Lewandowski haviam inaugurado uma divergência com o relator ao defender a punição dos torturadores. Para eles, a tortura é imperdoável. "O torturador não é um ideólogo. Ele não comete crime de opinião, portanto, não comete crime politico. É um monstro, um desnaturado, um tarado. Não se pode ter condescendência com torturador", afirmou Ayres Britto.
Ambos fizeram uma diferenciação entre crimes comuns -no caso, os atos de tortura praticados na época da ditadura- e crimes políticos, esses sim, segundo eles, passíveis de perdão no caso de se proferir uma anistia. Britto chegou a defender que a lei brasileira não foi "ampla, geral e irrestrita", conforme proclamava o slogan da época, e sim "relativa".
O voto de Lewandowski provocou um mal-estar. Peluso e Eros Grau fizeram questionamentos sobre sua conclusão, o que deixou o ministro irritado. Ao pronunciar o resultado, ele disse que julgava "procedente em parte" o pedido da OAB, argumentando que o Judiciário deveria analisar "caso a caso" a punição a torturadores.
Peluso e Eros Grau pediram para Lewandowski explicar melhor a sua decisão. Nervoso, o ministro disse que já havia exposto as razões, mas que eles poderiam, se quisessem, ler novamente o seu voto.
"Não estamos aqui questionando a pertinência do seu voto", disse Peluso, explicando que era necessário entender o que o ministro dizia para evitar problemas na hora da proclamação do resultado e eventuais recursos da parte derrotada caso sua tese prevalecesse.
Os ministros fizeram questão de dizer, em seus votos, que o julgamento de ontem não se estende à polêmica sobre acesso a documentos da época da ditadura, objeto de outra ação que será analisada pelo STF.

Divisão
A anistia provocou um racha na cúpula do governo Lula. A divisão ficou tão evidente que, na manifestação do Executivo no processo no STF, foram encaminhados pareceres de seis órgãos públicos, e não somente da AGU (Advocacia-Geral da União), como tradicionalmente ocorre. A AGU e ministérios da Defesa e Itamaraty defendiam manter a lei como ela foi editada, há mais de 30 anos.
Já a Casa Civil, o Ministério da Justiça e a Secretaria de Direitos Humanos pediram a sua reformulação para que militares que cometeram tortura fossem responsabilizados pela Justiça. O presidente Lula não chegou a se manifestar.


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