São Paulo, Sexta-feira, 30 de Abril de 1999
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CELSO PINTO
Onde o BNDES pode atrapalhar


A operação de ajuda do BNDES na rolagem de dívidas de empresas privadas pode ter um efeito paradoxal: dificultar a emissão de bônus internacionais pelas empresas brasileiras.
A oferta do BNDES de trocar bônus de empresas brasileiras por papéis de uma empresa dele, cria uma garantia adicional para estes créditos. Por esta razão, se a operação for um sucesso, vai-se criar duas classes de papéis internacionais ligados a empresas brasileiras: os que têm alguma garantia adicional do BNDES e os que não têm.
Por que razão um investidor externo, a partir daí, preferiria um papel de empresa brasileira sem garantia? Uma rentabilidade maior poderia ser uma razão, mas o risco também seria bem maior.
Existe, portanto, um certo risco de a operação tornar mais difícil a volta das empresas brasileiras em emissões diretas. O Banco Central sabe deste risco e esta foi uma das questões discutidas entre o BC e o BNDES antes da emissão.
Outra questão levantada pelo BC foi o momento da operação. O BNDES queria lançar sua operação antes da emissão dos bônus brasileiros. O BC vetou. Se as duas operações viessem juntas ao mercado, seria mais difícil para a República colocar seus papéis, até porque envolvia, também, troca de papéis antigos por papéis novos.
Para entender melhor as implicações da operação do BNDES, é bom recapitular sua estrutura. O BNDES criará uma empresa específica (uma SPC) que terá como ativo eurobônus de um grupo de 90 empresas brasileiras selecionadas, num valor de US$ 22 bilhões. Como passivo, terá os papéis que serão emitidos pela SPC para refinanciar estes eurobônus por um prazo de 10 anos e juros a definir.
O negócio só vai se viabilizar se houver interessados em trocar pelos menos US$ 1 bilhão de eurobônus pelos novos papéis. Teoricamente, a emissão poderia chegar a US$ 22 bilhões. Como os eurobônus serão absorvidos com deságio, poderia atingir, no máximo, uns US$ 15 bilhões.
Os investidores que toparem a troca terão três vantagens e uma desvantagem. A primeira vantagem é trocar uma dívida de uma empresa brasileira por outra do BNDES, com uma garantia que cobre dois anos de eventual calote no pagamento dos juros.
A segunda vantagem é a liquidez. Suponha um investidor externo que tenha papel da empresa X do Brasil, parte de uma emissão total de US$ 100 milhões. Se ele quiser negociar o papel, a liquidez será limitada.
Se, no entanto, ele trocar este papel por um título emitido pela SPC do BNDES, este fará parte de uma emissão mínima de US$ 1 bilhão, podendo chegar a vários bilhões. Será muito mais fácil encontrar compradores e vendedores do papel, portanto será mais fácil formar um preço.
A terceira vantagem é a diversificação. Quem tinha um papel de uma empresa brasileira menos qualificada, por exemplo, ao trocar por um papel do BNDES estará com um título lastreado por papéis de um conjunto de até 90 empresas brasileiras.
A desvantagem é o custo da troca, que só será anunciado dia 10 de maio e vai variar conforme a qualidade do risco das empresas. O investidor deve perder algum rendimento e ficar com um título de 10 anos. Nem todos vão querer ficar com um risco Brasil tão longo.
Para a empresa brasileira que emitiu o eurobônus original, é ótimo. Ela refinancia sua dívida, com a possibilidade de continuar refinanciando por 10 anos, desde que tenha uma classificação de risco dentro da exigência do BNDES. Várias empresas que recompraram seus próprios bônus no mercado, com enorme deságio, nos últimos meses, poderão se interessar em repassá-lo para o BNDES, com lucro e garantindo uma rolagem de longo prazo.
O contribuinte sairá perdendo se o BNDES tiver de cobrir muito calote. Outra dúvida é saber se será possível reabrir o mercado de emissão para empresas privadas, especialmente as que não são de primeiríssimo time (tipo Vale do Rio Doce), sem a garantia do BNDES.
Por enquanto, o mercado reabriu para bancos: ABN, BBA, Citi, Bradesco, Itaú, HSBC, Safra, Unibanco e Boston, por prazos de um ano ou dois, com opção de resgate em um ano. As empresas ainda não voltaram, embora haja notícias de operações sendo estudadas. Resta saber se o eventual sucesso da operação do BNDES vai ajudar ou atrapalhar esta reabertura do mercado para as empresas.


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