São Paulo, domingo, 30 de junho de 2002

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PT SOB SUSPEITA

Para promotores do caso Santo André, investigação não é política

Há grupo promíscuo cravado na prefeitura, diz Promotoria

LILIAN CHRISTOFOLETTI
DA REPORTAGEM LOCAL

Doze dias após terem denunciado um suposto esquema de propina na prefeitura petista de Santo André, os quatro promotores criminais que encabeçam as investigações que mais preocupam o PT debruçam-se agora sobre cerca de 60 mil documentos, em busca de novas irregularidades.
O objetivo desses promotores, que ressaltam em cada frase o caráter sigiloso das apurações, é desvendar as atividades "promíscuas" de "um grupo cravado" na administração municipal.
Atividades essas que incluem a extorsão de empresários locais para suposto financiamento de campanhas eleitorais e o uso do poder público para favorecer amigos e aliados políticos.
Objeto de investigação, o PT tenta fazer um cordão de segurança para evitar que as acusações respinguem no presidenciável Luiz Inácio Lula da Silva.
As insinuações que dão conotação política à investigação irritam os promotores. "Investigamos pessoas, não partidos", contesta Roberto Wider Filho.
Juntos em entrevista exclusiva à Folha, Wider Filho, 34, e os três colegas, Amaro José Thomé Filho, 41, José Reinaldo Carneiro, 41, e Márcia Monassi Bonfim, 33, se vigiam para que informações adicionais não vazem para a imprensa. "Tudo está em sigilo", sintetiza Carneiro. Leia a seguir trechos:
 

Folha - Quando os senhores tiveram ciência das irregularidades na Prefeitura de Santo André?
José Reinaldo Carneiro -
A empresária Rosângela Gabrilli buscou a Procuraria Geral da Justiça, no final de janeiro deste ano, e falou sobre o esquema de corrupção na prefeitura. Ela disse que tinha muito medo em relação aos fatos [ao assassinato do prefeito Celso Daniel". Em reunião da Promotoria de Justiça Criminal de Santo André, decidimos apurar o esquema de cobrança de propina de empresários de ônibus da cidade, relatado por ela. Em seu depoimento, Rosângela citou expressamente João Francisco Daniel [irmão do prefeito assassinado Celso Daniel", que também foi ouvido.

Folha - Por que ele foi citado?
Carneiro -
Ela disse que João Francisco tinha ciência do esquema e que havia tentado interceder em favor da família Gabrilli com o prefeito, mas contou que as coisas não deram certo.

Folha - O que não deu certo?
Márcia Monassi Bonfim -
João Francisco disse que conversou com o prefeito. Ele [Celso Daniel" teria ficado revoltado e teria prometido providências. Mas, tempo depois, ele morreu.

Folha - As testemunhas relacionaram esse esquema ao assassinato de Celso Daniel?
Carneiro -
Não havia uma relação direta e objetiva. Elas colocavam em dúvida os rumos da investigação [sobre o assassinato".

Folha - O que era investigado antes da morte do prefeito?
Roberto Wider Filho -
Na Promotoria criminal não tinha nada. Qualquer possível envolvimento do então prefeito era de atribuição da Procuradoria Geral.

Carneiro - E não tínhamos notícias de corrupção. Eu nunca tinha ouvido falar de investigação, mesmo fora da Promotoria criminal, de esquema de propina de empresários de ônibus. A primeira vez que tomamos conhecimento foi com Rosângela.

Folha - Como funcionava esse esquema de propina?
Wider Filho -
Todo pagamento era feito em dinheiro. No caso da Viação São José [da família Gabrilli", a empresa pagava por mês uma certa quantia [cerca de R$ 40 mil" à Expresso Nova Santo André [grupo que reunia empresas de transporte público". O dinheiro da caixinha era contado e, segundo denúncias, entregue a Ronan Maria Pinto [empresário do mesmo setor" e depois a Sérgio Gomes da Silva [que dirigia o carro no momento do sequestro de Celso Daniel".

Folha - E depois?
Márcia -
Parte desse dinheiro, segundo João Francisco, era para o partido. Ele disse que R$ 1,2 milhão foi, em certa ocasião, levado por Gilberto de Carvalho [ex-secretário de Governo e braço direito do prefeito morto" a José Dirceu [presidente nacional do PT".

Wider Filho - Teria sido R$ 1,2 milhão em lotes pequenos, em dinheiro. Isso foi a conversa de Gilberto com João Francisco.

Folha - Os srs. têm convicção desse suposto esquema de propina?
Carneiro -
Com certeza. Denunciamos um esquema por formação de quadrilha e por extorsão, com pedido de prisão preventiva. Onde tem quadrilha e pedido de prisão, sob a ótica da acusação, tem uma relação de promiscuidade. Não temos somente o depoimento de Rosângela, temos também o de seu irmão, o de seu pai e até o da funcionária que centralizava os recursos [da propina"...

Márcia - Temos também documentos enviados por fax que fazem referência à caixinha, temos muitas provas.

Folha - E o uso do dinheiro para campanhas do PT, isso faz parte da investigação?
Wider Filho -
Não temos atribuição para isso. Como foi mencionado um deputado federal [José Dirceu", encaminhamos as denúncias à Procuradoria Geral.

Folha - Esse dinheiro financiou a campanha do PT, em 2000, à Prefeitura de São Paulo?
Márcia -
É o que João Francisco relatou.

Folha - Há outras campanhas?
Carneiro -
Ele não mencionou datas nem campanhas. Para nós, que investigamos o caso da propina de Santo André, o depoimento de João Francisco é muito importante porque parte de uma pessoa de muita credibilidade. Não faz parte de nossa atribuição investigar o possível destino eleitoral do dinheiro. Nós investigamos a existência de um grupo que está cravado na administração municipal de Santo André.

Folha - Quem faz parte desse grupo "cravado" na prefeitura?
Carneiro -
Os acusados. Diretamente o secretário [afastado" de Serviços Municipais, Klinger Luiz de Oliveira Souza, e os empresários Sérgio Gomes da Silva e Ronan Maria Pinto, que transitavam entre o grupo.

Folha - O prefeito Celso Daniel tinha conhecimento desse esquema?
Carneiro -
João Francisco disse que comunicou ao prefeito e que este teria se revoltado ao saber que o dinheiro não era destinado às campanhas políticas, mas era desviado...

Márcia - Ele concordava porque achava que o dinheiro ia para o partido. Quando soube que estava servindo para enriquecer essas pessoas, teria discordado.

Wider Filho - Essa informação João Francisco disse que recebeu de Miriam Belchior [ex-mulher do prefeito". Mas não compete a nós fazer um juízo de valor do ex-prefeito. Se ele fosse vivo, não seria de nossa atribuição. Estando morto, não faz sentido ser investigado no âmbito criminal.

Carneiro - Nos depoimentos, ninguém diz que ele tinha conhecimento da forma como o empresariado era achacado.

Márcia - Ele sabia que os empresários davam dinheiro e, quando Miriam falou com ele, teria dito que não aceitaria e que iria tomar suas providências.

Wider Filho - Até onde o prefeito sabia ou não sabia, a gente não tem como explicar. E, de qualquer forma, não interessa às investigações porque ele está morto.

Folha - João Francisco sabia que não se tratava de uma ajuda voluntária dos empresários?
Carneiro -
Ele foi informado por Rosângela de que isso era feito na mais absoluta pressão.

Márcia - O prefeito informou que iria resolver o problema, ele não ficou inerte. Mas, passado um tempo, ele foi morto.

Folha - Por que os acusados não foram ouvidos na Promotoria?
Carneiro -
Nós até pensamos em chamá-los, mas isso quebraria o sigilo das investigações.

Wider Filho - Nós optamos por manter sigilo absoluto. Não foi dada vista dos autos à prefeitura, a ninguém...

Márcia - As próprias testemunhas não sabiam o que uma dizia ou deixava de dizer.

Wider Filho - Guardamos sigilo até formar o nosso convencimento e garantir a segurança das testemunhas. A investigação só teve publicidade no momento em que oferecemos a denúncia.

Folha - Até que ponto a periculosidade dos acusados é real?
Carneiro -
Tanto é real que pedimos a prisão preventiva. Eles estavam cravados na administração municipal e portavam armas de forma ostensiva. Todas as vítimas ouvidas narraram que morriam de medo deles.

Folha - Foi frustrante saber que o juiz não concedeu a prisão?
Carneiro -
Preocupante sim, frustrante não. Mas nós já estamos recorrendo dessa decisão.

Folha - E os srs. têm medo?
Amaro José Thomé Filho -
Um promotor não pode se preocupar com isso. Caso contrário, não consegue trabalhar. Não podemos ficar intimidados.

Folha - O trabalho da CPI ajuda?
Wider Filho -
Causa uma certa estranheza uma CPI que se iniciou exatamente depois que foi oferecida a denúncia. É uma repetição da investigação.

Thomé Filho - O objetivo de uma CPI é apurar os fatos e encaminhar aos promotores. Mas o Ministério Público já apurou o fato e já tomou providências. Não tem muito sentido.


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