São Paulo, domingo, 30 de junho de 2002

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DIPLOMACIA

Presidente, que chega ao Brasil na terça, se diz solidário, mas afirma que economia mexicana se move na esfera do dólar

Fox isola México da crise latino-americana

MARCIO AITH
ENVIADO ESPECIAL A CIDADE DO MÉXICO

O coração e as preocupações dos mexicanos estão em sintonia com os acontecimentos na América Latina. Mas não a economia do país. Em entrevista exclusiva à Folha, o presidente mexicano, Vicente Fox Quesada, disse estar solidário com os brasileiros e com os argentinos nesse momento de dificuldades, mas que seu país não corre nenhum risco de ser engolido por uma crise financeira sistêmica, como a que afetou o México em 1994.
"O momento exige que mostremos aos latino-americanos nossa união e que cuidemos uns dos outros", disse ele em seu gabinete pequeno e prosaico dentro do palácio presidencial de Los Pinos. "Mas não corremos risco, pois temos todos os fundamentos para atravessar essa fase difícil. A economia do México se move hoje na esfera da América do Norte e do dólar, mais do que na esfera da América Latina."
Fox chega ao Brasil na terça-feira, dia em que completa 60 anos, para assinar um acordo de preferência tarifária com o Brasil. Nesse dia, terão passado dois anos de sua vitória histórica nas eleições mexicanas. Em 2 de julho de 2000, Fox ganhou a presidência mexicana e desalojou do poder o PRI (Partido Revolucionário Institucional), partido que governava o país fazia 71 anos.
Na quarta-feira, Fox parte para uma visita à Argentina e, na quinta, participa, como convidado especial, da cúpula dos países do Mercosul (Brasil, Argentina Paraguai e Uruguai). O presidente encerra sua visita à América do Sul no Uruguai.
Fox declarou à Folha que pretende encontrar-se com os principais candidatos à presidência no Brasil e que, embora não tenha preferência por nenhum deles, deseja que o substituto de FHC "continue o caminho de desenvolvimento econômico e social" do atual governo.
"Vou me reunir com os candidatos dos outros partidos políticos durante a visita ao Brasil. Porém, não tenho preferência, somente uma amizade próxima do presidente Cardoso. Admiro muito sua obra, creio que fez um governo excelente, conseguiu enfrentar os problemas e aproveitar as oportunidades. O Brasil agora tem um caminho traçado de desenvolvimento econômico, de desenvolvimento social que deve continuar", afirmou.
Ex-presidente da Coca-Cola no México, Fox negou que as turbulências na América Latina tenham sido provocadas pelas reformas liberais na última década. "As reformas foram e são essenciais. Mas não são tudo. Não se pode só fazer reformas e descuidar do resto." Leia os principais trechos da entrevista à Folha:
 

Folha - O sr. viaja à América Latina durante o aniversário de dois anos de seu governo e num momento delicado das economias brasileira e argentina. O México encontra-se num momento de alinhamento inédito com os EUA e tenta desvincular sua economia do resto da América Latina. Qual é a mensagem que o sr. pretende levar?
Vicente Fox
- Primeiro, quero agradecer o presidente Cardoso pelo convite para essa viagem ao Brasil, que, na verdade, é uma retribuição à que ele fez ao México em 2000. As duas visitas são sinais da importância que damos às relações entre os dois países. Vou ao Brasil num momento muito interessante e importante, num momento em que há intranquilidade, incerteza e volatilidade nos mercados internacionais.
O momento exige que mostremos aos latino-americanos nossa união e que cuidemos uns dos outros. Vou com muita vontade e entusiasmo, para demonstrar a solidariedade do povo do México com o povo brasileiro, com o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso.

Folha - Ao refletir sobre as turbulências no Brasil, o sr. sente somente solidariedade ou também medo de seu país ser engolido por uma nova crise sistêmica, como a que contaminou o México em 1994?
Fox
- Bem, certamente, neste momento todos temos preocupação com esse nível de volatilidade mundial. O dólar desvalorizou-se 7% a 8%, há um ajuste de moedas em lugares distintos do mundo. Esperamos que seja somente isso: um ajuste de moedas, uma acomodação, que não piore mais. Na realidade, o que detonou essa situação foi a incerteza quanto ao crescimento da economia americana e de outras economias líderes, como o Japão e a Europa.
Há dois meses, achávamos que o segundo semestre de 2002 seria de franco crescimento. Agora, já não está tão claro. Há algumas dúvidas e são elas que provocam essa situação, Não acho que vá haver uma crise grave, que vá haver grandes ajustes, mas apenas uma acomodação.

Folha - A economia do México ainda faz parte da América Latina ou seu destino está definitivamente atrelado à América do Norte? Que garantias o sr. tem de que o México não vai acompanhar o Brasil nesse momento de turbulência e a Argentina nessa fase de desintegração social?
Fox
- A melhor defesa contra as crises é ter todas as variáveis fundamentais da economia em ordem, bem alinhadas, administradas com disciplina. E o México agora tem todas essas características, com folga. Temos as certificações das três agências mais importantes de classificação de risco. Temos reservas de cerca de US$ 45 bilhões, as mais altas da história. Temos um fluxo de investimentos estrangeiros muito importante, da ordem dos US$ 12 bilhões. Temos uma planta produtiva muito sólida. Temos os níveis de inflação e as taxas de juros mais baixas de nossa história. Temos um orçamento e um governo muito disciplinados.
Nosso déficit fiscal não vai passar de 0,65% do PIB, algo com o qual nos comprometemos no Congresso e que certamente iremos respeitar.
Não podemos nos esquecer que, sob o ponto de vista financeiro, o México se move hoje na esfera da América do Norte e do dólar, mais do que na esfera da América Latina. Além disso, o México hoje é a nova economia do mundo em tamanho.

Folha - Passou a do Brasil...
Fox
- Sim, é uma economia cujo valor do PIB é de US$ 603 bilhões, maior que a de todos os países de língua espanhola. Também temos uma balança comercial que é inveja em muitas partes do mundo, é a sétima em tamanho, com US$ 350 bilhões em comércio. Isso nos dá solidez para que possamos atravessar as incertezas do momento.

Folha - Presidente, a lógica de sua resposta faz supor que o Brasil encontra-se sob pressão dos mercados porque seus fundamentos econômicos não são tão sólidos quanto os do México. No entanto, o Brasil passou a sofrer turbulências mesmo tendo investimentos diretos volumosos e disciplinas fiscal e orçamentária elogiadas pelo FMI (Fundo Monetário Internacional). O que falta ao Brasil?
Fox
- É claro que o Brasil tem vários dos mesmos fundamentos. É por isso que confio no Brasil e que o país vai melhorar, porque seus fundamentos são sólidos, e é isso o que conta no final. É natural que, nesse momento de eleições, exista essa certa turbulência nos mercados. Seguramente o Brasil terá capacidade de sair adiante, estamos confiantes. Mas queremos avançar ainda mais.
Queremos dizer ao Brasil que estamos aqui, que vamos trabalhar na relação bilateral e buscar os melhores resultados para nossos dois países. Vamos lutar para que a região latino-americana, incluindo o México, tenha melhores condições de financiamento, de acesso aos mercados. Vamos lutar juntos para que se derrubem os subsídios dos EUA e da Europa em matéria de agricultura e de pecuária. Nisso estamos unidos, o Brasil e o México.

Folha - O México tem utilizado seu acesso aos mercados dos EUA e do Canadá como ativo político e comercial. É com ele que o sr. tem atraído acordos comerciais com outros países. Esse ativo deixaria de existir se a Alca fosse implementada, já que o resto do hemisfério teria acesso aos EUA. Dada essa constatação lógica, por que o México diz defender a Alca (Área de Livre Comércio das Américas) se seus interesses econômicos e políticos são claramente contrários?
Fox
- Por que defendemos a Alca? Em primeiro lugar, por um espírito de solidariedade, de equidade e de Justiça. Pretender avançar sozinhos, ilhados, sem que outros países tenham um desenvolvimento semelhante, não faz sentido.

Folha - Então é por solidariedade...
Fox
- Não só. Para nós é tão importante que o México cresça e se desenvolva como que os outros países também cresçam. Um exemplo: se a economia dos EUA não cresce, nós não crescemos. Tenho que torcer bastante para que os EUA cresçam. Ocorre o mesmo com o Mercosul. Se a Argentina não se recuperar, o Brasil terá dificuldades, o Chile vai ter dificuldades, o Uruguai vai ter dificuldades. Precisamos de um avanço regional, de um avanço equitativo para todos. Essa é nossa visão e estamos convencidos que a Alca vai isso. A Alca permitirá que a América Central -hoje um lugar de muita pobreza e marginalização- ingresse num processo de desenvolvimento. Isso interessa muitíssimo ao México.
Convém muito ao México que a América Central cresça, que o Haiti resolva seus problemas, que as populações do Caribe tenham um melhor nível de vida. O México entende isso porque estamos na metade desse processo de desenvolvimento. Não somos um país totalmente desenvolvido, mas também não somos um país com a pobreza extrema que os outros têm. Isso permite a nós entender os dois lados da equação e buscar um desenvolvimento compartilhado.

Folha - Uma corrente na América Latina associa a quebra da Argentina e as turbulências no Brasil ao excesso de reformas liberais. Já os EUA dizem que o país quebrou por razões opostas, por não ter completado o processo de reformas. Com quem o sr. concorda?
Fox
- Veja, as reformas são importantes, eu diria indispensáveis para podermos ter um desenvolvimento sustentável. Mas não são tudo. Não se pode só fazer reformas e descuidar do resto. Não se pode fazer reformas de mercado e não atacar a fundo o problema de distribuição de renda na América Latina e o problema da pobreza. Não se pode fazer reformas se os recursos naturais e a ecologia são destruídos. Não se pode fazer reformas exitosas se nos esquecermos do desenvolvimento das comunidades indígenas e dos grupos vulneráveis do país.
O processo de desenvolvimento tem que ser integral. Por isso, estamos trabalhando no México em todas as frentes. Se implementarmos uma reforma estrutural sem combater a ilegalidade, a criminalidade, a corrupção, não há desenvolvimento sustentável. A batalha pelo desenvolvimento é muito ampla e complexa, tem que ser de médio e de longo prazo. Não podemos baixar a guarda, temos que lutar constantemente, não podemos descansar. A luta pelo desenvolvimento integral e sustentável é permanente.

Folha - O sr. chega ao Brasil no meio no meio de um processo eleitoral no qual quase todos os candidatos, inclusive o do governo, propõem o modelo de substituição de importações e muito mais cuidado no processo de integração comercial. O candidato que lidera as pesquisas, Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, é um ex-sindicalista. O sr. foi presidente da Coca-Cola. Não há diferença mais simbólica que essa. O sr. não acha que algo está ocorrendo na América Latina?
Fox
- Eleições são decisões das pessoas, da cidadania. É para isso que servem. Para isso funciona o voto. Vou me reunir com os candidatos dos outros partidos políticos durante a visita ao Brasil. Porém, não tenho preferência, somente uma amizade próxima do presidente Cardoso. Admiro muito sua obra, creio que fez um governo excelente, conseguiu enfrentar os problemas e aproveitar as oportunidades.
O Brasil agora tem um caminho traçado de desenvolvimento econômico, de desenvolvimento social que deve continuar. Portanto, acredito que a consistência e a perseverança na rota atual devam ser mantidas.

Folha - O acordo de preferência tarifária que o sr. irá assinar com o Brasil permite esse avanço ou é apenas um fato isolado?
Fox
- Vou com um espírito de plena colaboração para analisar, junto com o presidente Cardoso e seu governo, o que mais podemos fazer para intensificar a relação entre o Brasil e o México. Estamos com a idéia de uma negociação, um acordo comercial, que é parcial, não é um acordo comercial total, abarca somente alguns setores. Nesse sentido, vou com a convicção de que os dois países estão se beneficiando. O comércio só vale quando as duas partes ganham. Quando o comércio é feito para que um ganhe e outro perca, não serve para nada.
Vamos procurar garantir que o Brasil possa exportar mais para o México, que o México possa exportar mais para o Brasil, e vamos permitir que investidores brasileiros invistam no México e ganhem acesso ao mercado dos EUA sem tarifas, o que dará a eles muita competitividade. Queremos dividir com os investidores brasileiros o mercado dos EUA e do Canadá. E vamos acompanhados de empresários mexicanos que já investiram e vão investir ainda mais no Brasil.



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