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NO PLANALTO
Passado que não passa volta a incomodar FHC
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Assim como a ararinha
azul, o antagonismo a
FHC também corre o risco de ser
extinto. Com a suavização do
PT e a implosão dos três maiores
líderes da resistência -ACM,
Jader e Maluf-, o papel de oposição passou a ser um monopólio dos esqueletos enfurnados no
armário do tucanato.
De vez em quando, um deles
ameaça pôr a cabeça para fora.
Mas há sempre alguém para
empurrar a porta. Agora mesmo, enquanto o Brasil espera
para ver o que Bush fará com o
Afeganistão, tropas leais a FHC
agem nos subterrâneos da Câmara para aniquilar a CPI do
Proer, instalada na semana passada.
Alberto Goldman (PSDB-SP)
fez-se relator da CPI. E já enunciou as suas intenções. Disse que
a comissão irá demonstrar a
utilidade do Proer, concebido, a
seu juízo, para proteger os interesses dos correntistas.
Os arquivos do Banco Central
escondem um estoque de papéis
que, submetidos a uma investigação rasa, mostrariam que o
desprezo ao correntista está na
gênese do Proer.
Embora a CPI tenha surgido
assim, natimorta, vai aqui uma
contribuição modesta. Segue
amostra do tipo de matéria-prima que estaria à disposição dos
parlamentares se desejassem,
por exemplo, revisitar o caso do
"salvamento" do banco Econômico.
1) O melhor ponto de partida é
um relatório produzido pela fiscalização do Banco Central em
1989. Lendo-o, descobre-se que,
seis anos antes da intervenção
no Econômico, consumada em
11 de agosto de 1995, farejavam-se indícios de maquiagem de
balanços. Empréstimos podres
eram escriturados como créditos bons. Levantava-se a suspeita de que a casa bancária de Ângelo Calmon de Sá ostentasse, já
àquela época, patrimônio líquido negativo;
2) em outro relatório, de 1990,
os deputados descobririam que
a direção do BC deu de ombros
para a sugestão dos auditores de
que fosse aberto um processo
administrativo contra o Econômico, para vasculhar-lhe as entranhas. Naquele ano, embora
caminhasse para o buraco, Calmon de Sá comprava proteção
irrigando fundos de campanha
de políticos. Lançou US$ 2,5 milhões na fogueira eleitoral. O parecer dos técnicos foi tratado pela cúpula do BC a golpes de gaveta;
3) insistentes, os auditores voltaram à carga no segundo semestre de 1993. Em outro documento, mencionaram novamente os créditos micados que
tingiam artificialmente os balanços do Econômico de azul.
Em 30 de junho de 1993, o buraco, expresso em reais, era estimado em cerca de R$ 3 bilhões.
Rolavam-se empréstimos sem
que a clientela precisasse pedir.
Apenas para evitar que fossem
lançados como prejuízo. Uma
construtora chamada Concic,
com faturamento anual de R$
150 milhões, devia ao Econômico R$ 200 milhões. Em vez de intervir, a cúpula do BC optou por
negociar com Calmon de Sá.
Exigiu que injetasse no banco
R$ 25 milhões por ano, num plano de recuperação de uma década;
4) no final de 1994, os auditores do BC constataram que o
movimento de depósitos no Econômico minguava. Em dezembro daquele ano, quando o BC
já era pilotado por Pedro Malan, a casa de Calmon de Sá registrava movimento de balcão
deficitário. Sua clientela sacava
mais do que depositava. O Econômico pendurou-se, então, no
redesconto, o balão de oxigênio
do BC;
5) bancos com patrimônio líquido negativo não podem se
escorar no redesconto. Para a
direção do BC, porém, os balanços do Econômico eram firmes
como rocha. Uma rocha que,
confrontada com os relatórios
da fiscalização, convertia-se em
areia;
6) o Econômico foi ao redesconto pela primeira vez em 19 de
dezembro de 1994. Para fechar o
caixa daquele dia, beliscou R$
230 milhões. A partir daí, não
houve semana em que não fosse
buscar na enfermaria do BC a
grana que o mercado lhe negava. Se houvesse seguido os manuais, o BC teria excluído o Econômico do serviço de compensação de cheques. Não foi o que se
verificou. O banco de Calmon
de Sá manteve-se no redesconto
por nove arrastados meses;
7) em 16 de janeiro de 1995,
tascou mais R$ 265 milhões. Em
6 de fevereiro, mordeu R$ 385
milhões. Em 3 de abril, petiscou
R$ 550 milhões. Nove dias mais
tarde, 12 de abril, abocanhou R$
850 milhões. Em 17 de maio de
1995, ultrapassou a casa do bilhão de reais. A 10 de agosto,
véspera da intervenção tardia, a
pendura de Calmon de Sá no BC
somava R$ 2,975 bilhões.
Como se vê, o Banco Central
não foi apenas omisso ao lidar
com o caso do Econômico. Zelosa, a instituição foi lenta em sua
omissão. No mês passado, a intervenção fez aniversário de seis
anos. A dívida do Econômico
com o BC é corrigida à taxa de
3% ao ano. O patrimônio do
banco, inflado por títulos públicos (incluindo um formidável
lote de papéis com correção
cambial), engorda mais rápido.
Calmon de Sá esfrega as mãos.
Anseia pela chegada do dia em
que fará o acerto de contas final
com o BC. É certo que levará para casa um bom troco. Que será
maior quanto mais demorada
for a intervenção.
Nada mais sábio do que saber
encarar o passado. Ainda não
inventaram melhor maneira de
antecipar a próxima besteira.
Pode-se, evidentemente, optar
pela retórica dos Goldmans. O
diabo é que, nesse caso, o passado não passa. Continua doendo.
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