São Paulo, domingo, 30 de setembro de 2001

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NO PLANALTO

Passado que não passa volta a incomodar FHC

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Assim como a ararinha azul, o antagonismo a FHC também corre o risco de ser extinto. Com a suavização do PT e a implosão dos três maiores líderes da resistência -ACM, Jader e Maluf-, o papel de oposição passou a ser um monopólio dos esqueletos enfurnados no armário do tucanato.
De vez em quando, um deles ameaça pôr a cabeça para fora. Mas há sempre alguém para empurrar a porta. Agora mesmo, enquanto o Brasil espera para ver o que Bush fará com o Afeganistão, tropas leais a FHC agem nos subterrâneos da Câmara para aniquilar a CPI do Proer, instalada na semana passada.
Alberto Goldman (PSDB-SP) fez-se relator da CPI. E já enunciou as suas intenções. Disse que a comissão irá demonstrar a utilidade do Proer, concebido, a seu juízo, para proteger os interesses dos correntistas.
Os arquivos do Banco Central escondem um estoque de papéis que, submetidos a uma investigação rasa, mostrariam que o desprezo ao correntista está na gênese do Proer.
Embora a CPI tenha surgido assim, natimorta, vai aqui uma contribuição modesta. Segue amostra do tipo de matéria-prima que estaria à disposição dos parlamentares se desejassem, por exemplo, revisitar o caso do "salvamento" do banco Econômico.
1) O melhor ponto de partida é um relatório produzido pela fiscalização do Banco Central em 1989. Lendo-o, descobre-se que, seis anos antes da intervenção no Econômico, consumada em 11 de agosto de 1995, farejavam-se indícios de maquiagem de balanços. Empréstimos podres eram escriturados como créditos bons. Levantava-se a suspeita de que a casa bancária de Ângelo Calmon de Sá ostentasse, já àquela época, patrimônio líquido negativo;
2) em outro relatório, de 1990, os deputados descobririam que a direção do BC deu de ombros para a sugestão dos auditores de que fosse aberto um processo administrativo contra o Econômico, para vasculhar-lhe as entranhas. Naquele ano, embora caminhasse para o buraco, Calmon de Sá comprava proteção irrigando fundos de campanha de políticos. Lançou US$ 2,5 milhões na fogueira eleitoral. O parecer dos técnicos foi tratado pela cúpula do BC a golpes de gaveta;
3) insistentes, os auditores voltaram à carga no segundo semestre de 1993. Em outro documento, mencionaram novamente os créditos micados que tingiam artificialmente os balanços do Econômico de azul. Em 30 de junho de 1993, o buraco, expresso em reais, era estimado em cerca de R$ 3 bilhões. Rolavam-se empréstimos sem que a clientela precisasse pedir. Apenas para evitar que fossem lançados como prejuízo. Uma construtora chamada Concic, com faturamento anual de R$ 150 milhões, devia ao Econômico R$ 200 milhões. Em vez de intervir, a cúpula do BC optou por negociar com Calmon de Sá. Exigiu que injetasse no banco R$ 25 milhões por ano, num plano de recuperação de uma década;
4) no final de 1994, os auditores do BC constataram que o movimento de depósitos no Econômico minguava. Em dezembro daquele ano, quando o BC já era pilotado por Pedro Malan, a casa de Calmon de Sá registrava movimento de balcão deficitário. Sua clientela sacava mais do que depositava. O Econômico pendurou-se, então, no redesconto, o balão de oxigênio do BC;
5) bancos com patrimônio líquido negativo não podem se escorar no redesconto. Para a direção do BC, porém, os balanços do Econômico eram firmes como rocha. Uma rocha que, confrontada com os relatórios da fiscalização, convertia-se em areia;
6) o Econômico foi ao redesconto pela primeira vez em 19 de dezembro de 1994. Para fechar o caixa daquele dia, beliscou R$ 230 milhões. A partir daí, não houve semana em que não fosse buscar na enfermaria do BC a grana que o mercado lhe negava. Se houvesse seguido os manuais, o BC teria excluído o Econômico do serviço de compensação de cheques. Não foi o que se verificou. O banco de Calmon de Sá manteve-se no redesconto por nove arrastados meses;
7) em 16 de janeiro de 1995, tascou mais R$ 265 milhões. Em 6 de fevereiro, mordeu R$ 385 milhões. Em 3 de abril, petiscou R$ 550 milhões. Nove dias mais tarde, 12 de abril, abocanhou R$ 850 milhões. Em 17 de maio de 1995, ultrapassou a casa do bilhão de reais. A 10 de agosto, véspera da intervenção tardia, a pendura de Calmon de Sá no BC somava R$ 2,975 bilhões.
Como se vê, o Banco Central não foi apenas omisso ao lidar com o caso do Econômico. Zelosa, a instituição foi lenta em sua omissão. No mês passado, a intervenção fez aniversário de seis anos. A dívida do Econômico com o BC é corrigida à taxa de 3% ao ano. O patrimônio do banco, inflado por títulos públicos (incluindo um formidável lote de papéis com correção cambial), engorda mais rápido.
Calmon de Sá esfrega as mãos. Anseia pela chegada do dia em que fará o acerto de contas final com o BC. É certo que levará para casa um bom troco. Que será maior quanto mais demorada for a intervenção.
Nada mais sábio do que saber encarar o passado. Ainda não inventaram melhor maneira de antecipar a próxima besteira. Pode-se, evidentemente, optar pela retórica dos Goldmans. O diabo é que, nesse caso, o passado não passa. Continua doendo.


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