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Dinheiro vai para alimentos e bens
DO ENVIADO ESPECIAL A PERNAMBUCO
Assim como cobra não tem
braços, é difícil de acreditar na
existência de um lugar como o Sovaco da Cobra, bairro miserável
do município de Jaboatão dos
Guararapes, na região metropolitana de Recife, não muito distante
de edifícios onde o preço dos
apartamentos passa fácil da casa
do milhão.
O Sovaco da Cobra é um lugar
de ruas de areia suja, salpicado de
lixo e povoado por gente miserável que recebe ou implora a assistentes sociais por algum benefício
do governo federal.
É um oásis às avessas. Tem muito verde, mas mais parece um sertão imundo e violento encravado
na cidade. Na noite anterior à visita da reportagem, dois cadáveres
apareceram na região. Ninguém
sabe ou viu o que aconteceu.
Um dos habitantes do Sovaco
da Cobra é Pedro Geraldo Silva,
55, ex-alcoólatra, desdentado e
dono de um ombro estropiado
em um atropelamento no Rio de
Janeiro, em 1993. Simpático e sorridente, o pernambucano chora à
toa ao relatar o quanto é feliz.
Sua mulher, Micinéia Rita dos
Santos, 34, recebe R$ 95 mensais
do programa Bolsa-Família para
manter Luan, 7, e Alan, 6, na escola. São filhos de outro casamento.
Uma terceira, Vanessa, 4, filha de
Silva, ainda não vai às aulas.
Dos R$ 95 que recebem ao mês,
R$ 23 foram gastos na conta de
energia no mês passado. Com o
resto, só comida, cozida à lenha
por causa do preço do gás.
Nos últimos dois anos, o Bolsa-Família trouxe mais arroz e feijão,
ossos com nacos de carne, pescoços de frango e salsichas para o
cardápio da casa. "Do que era antes desse dinheiro, melhorou
muito, graças a Deus", diz Silva.
Obra de engenharia
Até então, a família de cinco que
mora em um barraco sem janelas
sobrevivia com o resultado da
horta de Silva -uma admirável
obra de engenharia humana.
Com um carrinho de mão, Silva
vem aterrando há cinco anos uma
lagoa ao lado da sua casa. Nas
áreas agora elevadas e secas, planta tomates, acerola, pimentões e
quiabos. Em épocas de muita
chuva, a água volta a subir e ele já
chegou a perder tudo.
Insistente, Silva acaba de trocar
um galo por mais terra para ampliar o aterro, de onde chega a comercializar alguns dos produtos
por R$ 5 a R$ 7 por semana, dependendo da época do ano.
"É um dinheirinho que entra e
ajuda a gente, mas a bendita verba
do governo é o que conta de verdade", afirma Micinéia.
Consumo e reforma
A poucos metros dali, há centenas de outros beneficiários de vários programas do governo entre
os milhares que vivem em Sovaco
da Cobra. Sueli Maria Dumont,
32, mãe de oito filhos (de nove
meses a 17 anos) pode ser considerada "a rica" do pedaço.
Ela recebe R$ 290 por mês do
Bolsa-Família e de benefícios do
Agente Jovem, onde três filhos fazem cursos profissionalizantes. O
marido ainda tem uma carroça e
trabalha transportando material
de construção na região.
"A maior parte da comida é ele
quem paga com os bicos que faz.
O resto a gente gasta na casa", diz
Sueli, orgulhosa ao mostrar os
progressos de sua propriedade,
abastecida por "gatos" para água
e energia elétrica.
Sueli mora "a vida toda" na
mesma casa, que agora está em
obras para a construção de um
terceiro quarto, todos de alvenaria. No mês passado, ela trocou a
geladeira e a antiga TV pequena e
em preto e branco por uma
maior, usada e colorida.
"Também está dando para
comprar uma ou outra roupinha
para os meninos. Aqui em casa, o
dinheiro do governo só não vai
para bebida e cigarro. No resto a
gente gasta", diz Sueli.
Em Jaboatão dos Guararapes,
32.415 famílias pobres (de um total de 49 mil) são atendidas hoje
pelo Bolsa-Família, que investe
R$ 1,74 milhão mensais no município. Outros 5.550 indivíduos são
atendidos por vários programas
federais com a contrapartida da
prefeitura local.
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