São Paulo, domingo, 30 de outubro de 2005

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Dinheiro vai para alimentos e bens

DO ENVIADO ESPECIAL A PERNAMBUCO

Assim como cobra não tem braços, é difícil de acreditar na existência de um lugar como o Sovaco da Cobra, bairro miserável do município de Jaboatão dos Guararapes, na região metropolitana de Recife, não muito distante de edifícios onde o preço dos apartamentos passa fácil da casa do milhão.
O Sovaco da Cobra é um lugar de ruas de areia suja, salpicado de lixo e povoado por gente miserável que recebe ou implora a assistentes sociais por algum benefício do governo federal.
É um oásis às avessas. Tem muito verde, mas mais parece um sertão imundo e violento encravado na cidade. Na noite anterior à visita da reportagem, dois cadáveres apareceram na região. Ninguém sabe ou viu o que aconteceu.
Um dos habitantes do Sovaco da Cobra é Pedro Geraldo Silva, 55, ex-alcoólatra, desdentado e dono de um ombro estropiado em um atropelamento no Rio de Janeiro, em 1993. Simpático e sorridente, o pernambucano chora à toa ao relatar o quanto é feliz.
Sua mulher, Micinéia Rita dos Santos, 34, recebe R$ 95 mensais do programa Bolsa-Família para manter Luan, 7, e Alan, 6, na escola. São filhos de outro casamento. Uma terceira, Vanessa, 4, filha de Silva, ainda não vai às aulas.
Dos R$ 95 que recebem ao mês, R$ 23 foram gastos na conta de energia no mês passado. Com o resto, só comida, cozida à lenha por causa do preço do gás.
Nos últimos dois anos, o Bolsa-Família trouxe mais arroz e feijão, ossos com nacos de carne, pescoços de frango e salsichas para o cardápio da casa. "Do que era antes desse dinheiro, melhorou muito, graças a Deus", diz Silva.

Obra de engenharia
Até então, a família de cinco que mora em um barraco sem janelas sobrevivia com o resultado da horta de Silva -uma admirável obra de engenharia humana.
Com um carrinho de mão, Silva vem aterrando há cinco anos uma lagoa ao lado da sua casa. Nas áreas agora elevadas e secas, planta tomates, acerola, pimentões e quiabos. Em épocas de muita chuva, a água volta a subir e ele já chegou a perder tudo.
Insistente, Silva acaba de trocar um galo por mais terra para ampliar o aterro, de onde chega a comercializar alguns dos produtos por R$ 5 a R$ 7 por semana, dependendo da época do ano.
"É um dinheirinho que entra e ajuda a gente, mas a bendita verba do governo é o que conta de verdade", afirma Micinéia.

Consumo e reforma
A poucos metros dali, há centenas de outros beneficiários de vários programas do governo entre os milhares que vivem em Sovaco da Cobra. Sueli Maria Dumont, 32, mãe de oito filhos (de nove meses a 17 anos) pode ser considerada "a rica" do pedaço.
Ela recebe R$ 290 por mês do Bolsa-Família e de benefícios do Agente Jovem, onde três filhos fazem cursos profissionalizantes. O marido ainda tem uma carroça e trabalha transportando material de construção na região.
"A maior parte da comida é ele quem paga com os bicos que faz. O resto a gente gasta na casa", diz Sueli, orgulhosa ao mostrar os progressos de sua propriedade, abastecida por "gatos" para água e energia elétrica.
Sueli mora "a vida toda" na mesma casa, que agora está em obras para a construção de um terceiro quarto, todos de alvenaria. No mês passado, ela trocou a geladeira e a antiga TV pequena e em preto e branco por uma maior, usada e colorida.
"Também está dando para comprar uma ou outra roupinha para os meninos. Aqui em casa, o dinheiro do governo só não vai para bebida e cigarro. No resto a gente gasta", diz Sueli.
Em Jaboatão dos Guararapes, 32.415 famílias pobres (de um total de 49 mil) são atendidas hoje pelo Bolsa-Família, que investe R$ 1,74 milhão mensais no município. Outros 5.550 indivíduos são atendidos por vários programas federais com a contrapartida da prefeitura local.


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