São Paulo, domingo, 30 de outubro de 2005

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Petistas contradizem versão de deputado

FÁBIO ZANINI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Membros do Diretório Nacional do PT contradizem a versão apresentada pelo ex-ministro José Dirceu (Casa Civil) para justificar seu nível de conhecimento das operações realizadas pelo ex-tesoureiro petista Delúbio Soares no bancos Rural e BMG.
José Dirceu nega que tenha tido informação privilegiada de Delúbio a respeito dos R$ 6 milhões obtidos pelo PT por meio de dois empréstimos declarados com aval do publicitário mineiro Marcos Valério Fernandes de Souza.
O deputado afirma que soube quando tais empréstimos foram informados por Delúbio Soares ao Diretório Nacional. Dos empréstimos obtidos por meio de caixa dois, Dirceu diz que não teve conhecimento.
Na semana passada, a Folha procurou 11 petistas que integravam o Diretório Nacional no período em que foram tomados os empréstimos declarados, em 2003 e 2004. Deles, nove dizem que não sabiam de nada e que nunca houve comunicado de Delúbio a respeito do tema; dois alegam que souberam apenas porque olharam os balancetes fiscais do partido, não divulgados em reuniões.
O desconhecimento por Dirceu de empréstimos não-declarados tomados pelo ex-tesoureiro petista com ajuda do publicitário Marcos Valério forma a peça central de sua defesa. Por outro lado, a crença de que o ex-ministro tinha ciência do que fazia Delúbio deve embasar o voto de muitos deputados pela cassação.
Os empréstimos do BMG e do Rural estão na prestação de contas entregue à Justiça. Houve ainda cerca de R$ 55,2 milhões obtidos de forma "não-contabilizada". Dirceu admite que sabia dos empréstimos legais, mas não dos ilegais. "Os empréstimos legais foram informados [por Delúbio] ao diretório", disse, há dez dias.

Empréstimos
Nenhum dos que integravam o Diretório Nacional do PT e foram procurados pela Folha confirma que Delúbio tenha realmente informado o diretório sobre os empréstimos. "Não só eu, como todos da Executiva [Nacional] e do diretório ignoravam [os empréstimos]. Duvido que alguém soubesse", afirmou Romênio Pereira, que era o segundo-vice-presidente nacional do PT na época.
Francisco Rocha, coordenador do Campo Majoritário (ala que controlava o PT), diz que Delúbio fazia algumas prestações de contas, mas nunca mencionou os empréstimos. "Participo das reuniões do diretório nacional há 25 anos. Nunca vi isso", disse.
Outro que estranha a versão de Dirceu é o ex-secretário de Mobilização, Francisco Campos. "Ninguém sabia dos empréstimos, legais ou ilegais. De jeito nenhum. Posso garantir que o Delúbio nunca informou."
Já o ex-ministro da Saúde Humberto Costa, mais um que integrava o Diretório Nacional, diz que a "esmagadora maioria do Diretório Nacional não sabia".
Hoje no PSOL, o deputado federal Chico Alencar (RJ) afirma que chegou a perguntar a Delúbio quem era Marcos Valério, numa reunião do Diretório Nacional, assim que o nome do publicitário mineiro veio à tona. "O Delúbio disse que era apenas um amigo. E ignorou os empréstimos, que logo depois apareceriam."

Dívidas
Em depoimento ao Conselho de Ética em 2 de agosto, Dirceu disse que sabia que Delúbio procurava tomar empréstimos legais para saldar dívidas de campanha.
"Eu tinha conhecimento que o PT estava endividado e estava procurando tomar empréstimo na rede bancária. Mas não que eram feitos através de Marcos Valério", explicou.
Se os empréstimos legais realmente não tiverem sido comunicados em reunião do diretório, há duas hipóteses para Dirceu saber deles. A primeira: procurou e estudou os documentos fiscais do PT -o que derruba a tese de que ele, na Casa Civil, não tinha interesse nos assuntos do partido.
A outra, mais grave: foi informado diretamente por Delúbio, o que desmontaria a versão de que ele não tratava das finanças do PT com o tesoureiro e levaria a crer que também o caixa dois tivesse sido mencionado em conversas.
A assessoria de Dirceu disse que ele "não se lembra" de como recebeu a informação dos empréstimos. Diz apenas, sem dar detalhes, que ele tem "certeza de que isso ocorreu de maneira oficial".
Dois membros do Diretório Nacional ouvidos pela Folha -o deputado federal José Pimentel (CE), que assumiu a tesouraria no lugar de Delúbio, em julho, e o ex-secretário de Organização Gleber Naime- dizem que o partido foi informado dos empréstimos via publicação de balancetes fiscais. "Os empréstimos constam de todos os balancetes. Bastava ir olhar", disse Pimentel.
Para o líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), isso na prática não ocorria. "A tesouraria sempre foi uma coisa que ninguém deu muita importância no PT. Pouquíssimos se interessavam. Acho até que isso vai mudar a partir de agora."


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