São Paulo, domingo, 30 de dezembro de 2007

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Após dez cirurgias, Alencar diz que não tem medo da morte

Bem-humorado ao abordar seus problemas de saúde, vice de Lula afirma que só tem medo da desonra, que "mata você'

Alencar diz que se sente "desmoralizado" quando se encontra com a senadora Roseana Sarney (PMDB), que passou por 19 cirurgias

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Aos 76 anos, seis cirurgias de câncer, três delas no governo Lula, o vice-presidente José Alencar Gomes da Silva disse em entrevista à Folha não ter medo da morte, mas da de- sonra. "Dela você tem de ter medo, isso mata você."
Falando abertamente e com bom humor dos seus problemas de saúde, ele diz se sentir "desmoralizado" quando encontra a senadora Roseana Sarney (PMDB-MA) -ela fez 19 cirurgias, contra 10 dele. Revela ainda que seu segredo é a fé em Deus. "Se Deus quiser te levar, ele leva."
Elogiou o hoje ministro Roberto Mangabeira Unger (Secretaria de Planejamento de Longo Prazo) e disse que algumas de suas críticas se comprovaram, "tanto que os caras perderam mandato", numa referência ao mensalão. Isenta, porém, o presidente de qualquer responsabilidade no caso e destaca que Lula foi "superior" ao nomear alguém que havia criticado seu governo anteriormente.
A seguir, mais trechos da conversa, em que diz que ninguém "morre de véspera". "Chegou sua vez, você vai." (VALDO CRUZ)  

FOLHA - Como está a saúde do sr.?
JOSÉ ALENCAR
- Nós estamos lutando, eu acredito que teremos de começar agora em janeiro um tratamento quimioterápico, porque os médicos recomendam e nós vamos fazer. Eu fui operado de câncer várias vezes. Primeiro, do rim e do estômago no mesmo dia, há dez anos, em 1997. Depois, em 2002, da próstata. Em 2006, fui operado desse tumor retroperitonial. Os outros foram eliminados. Esse é um sarcoma, é um tumor mais violento, perigoso, raríssimo. Eu nunca tive problema de metástase, nada disso, porém, ele tem a tal de recidiva, recorrência, ele volta.

FOLHA - Quando foi a primeira operação desse caso?
ALENCAR
- Em 18 julho de 2006, em plena campanha. Depois da eleição, dia 30 de outubro, estava no hospital em São Paulo, ele tinha voltado. No mesmo local, que diabo! Aí, fui para os Estados Unidos para ser operado pelo dr. Murray Brennan, o maior especialista nesse tipo de tumor.
No início de outubro, fizemos novo exame e ele tinha voltado, não no mesmo local, mas na mesma região. Queria operar no Brasil, mas eles acharam que tinha de ser o dr. Brennan. Ele veio, nem me cobrou nada. Depois, o Josué [filho do vice-presidente] insistiu com ele ao levá-lo para o aeroporto, aí ele disse para mandar uma camisa da seleção brasileira, com a assinatura dos craques, para dar para seu neto de oito anos, que mora na Nova Zelândia.

FOLHA - O sr. fala com tranqüilidade sobre esses problemas sérios de saúde, até com um sorriso no rosto. Qual é o segredo?
ALENCAR
- Já tive três outras operações de câncer -rim, estômago e próstata-, de câncer fui operado seis vezes. Mas tem outras, fui operado de cálculo da vesícula, sete. Tenho um stent dentro do coração, são oito. Tem uma operação de hérnia, são nove. Tem uma colocação de cateter, uma caixinha, que não precisa furar veia quando precisa aplicar alguma coisa. Aplica por aqui [aponta para o tórax]. Isso é operação também, o camarada te dá anestesia geral. São dez operações, mas eu fico desmoralizado quando chego perto da senadora Roseana Sarney, dez é fichinha perto dela.

FOLHA - Há algum segredo para enfrentar tantas cirurgias?
ALENCAR
- Primeiro, tenho fé em Deus. Jesus Cristo tem um discurso, o Sermão da Montanha, e lá tem o Pai Nosso, no qual ele diz: "Seja feita a Vossa Vontade assim na terra como no céu". Porque, se Deus quiser te levar, ele leva, a hora que ele quiser. Você não morre na véspera, chegou sua vez, você vai. Agora, você tem de respeitar os médicos que cuidam de você.

FOLHA - Para quem enfrentou tantas cirurgias, o sr. deve ter feito uma reflexão sobre morte.
ALENCAR
- Olha, é aquela história, primeiro ninguém sabe o que é a morte, você sabe se ela é um mal ou um bem? Ninguém sabe. Há pessoas que falam:
"Meu pai morreu muito cedo, mas Deus o ajudou, ele ia ter um aborrecimento grande". Na minha família, a mamãe morreu em 1957, o papai em 58 e o Geraldo, meu irmão mais velho, em 59. A mamãe não teria condições de suportar a morte do papai, que era mais velho do que ela 18 anos. Quase um ano depois, ele morreu com 82. No ano seguinte, morreu o filho mais velho. Ele não agüentaria a morte do Geraldo.
Você não sabe o que é a morte, então você não tem de ter medo da morte. Você tem de ter medo é da desonra, dela você tem de ter medo, isso mata você. Agora, se você se mantém honrado, da morte você não tem de ter medo. A vida é uma jornada, tem de tudo, várzea e morro, obstáculos, atoleiros.

FOLHA - Como o sr. avalia a chegada ao governo do Roberto Mangabeira Unger?
ALENCAR
- Vai trazer um grande enriquecimento ao governo no que diz respeito a planejamento de longo prazo.

FOLHA - Mas é polêmico, criticou o presidente Lula...
ALENCAR
- Ele, como articulista, não estava satisfeito com as informações de algum problema que houve. Não que afetasse o Lula, ele nunca afetou diretamente o Lula, ele falou do governo. E obviamente houve caso que, de certa forma, comprovou-se que havia dentro do governo participação de coisa errada, tanto que os caras perderam mandato etc.
Agora, o Lula mostrou uma das qualidades mais importantes dele. Ele é superior. Um outro jamais aproveitaria o Mangabeira Unger, tendo em vista os artigos que ele fez. O Lula, não, ele tem compreensão, paz.

FOLHA - Quando o sr. fala do Mangabeira Unger, diz que até algumas críticas se confirmaram e até levaram alguns a perder mandato e ministério. Isso foi um dos erros do governo, como o caso do mensalão?
ALENCAR
- Eu não vou falar de governo nem de uma empresa, vou falar de uma família. Em uma família, pode acontecer que um faça algo que contrarie os princípios de comportamento de todos os outros. Você imagina numa empresa, num governo. O que o governo tem de fazer... É outra coisa admirável do presidente Lula, a força e a independência que ele dá ao Ministério Público, ao Judiciário e à Polícia Federal.


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