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Após dez cirurgias, Alencar diz que não tem medo da morte
Bem-humorado ao abordar seus problemas de saúde, vice de Lula afirma que só tem medo da desonra, que "mata você'
Alencar diz que se sente "desmoralizado" quando se encontra com a senadora Roseana Sarney (PMDB), que passou por 19 cirurgias
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Aos 76 anos, seis cirurgias de
câncer, três delas no governo
Lula, o vice-presidente José
Alencar Gomes da Silva disse
em entrevista à Folha não ter
medo da morte, mas da de-
sonra. "Dela você tem de ter
medo, isso mata você."
Falando abertamente e com
bom humor dos seus problemas de saúde, ele diz se sentir
"desmoralizado" quando encontra a senadora Roseana
Sarney (PMDB-MA) -ela fez
19 cirurgias, contra 10 dele. Revela ainda que seu segredo é a
fé em Deus. "Se Deus quiser te
levar, ele leva."
Elogiou o hoje ministro Roberto Mangabeira Unger (Secretaria de Planejamento de
Longo Prazo) e disse que algumas de suas críticas se comprovaram, "tanto que os caras perderam mandato", numa referência ao mensalão.
Isenta, porém, o presidente
de qualquer responsabilidade
no caso e destaca que Lula foi
"superior" ao nomear alguém
que havia criticado seu governo
anteriormente.
A seguir, mais trechos da
conversa, em que diz que ninguém "morre de véspera".
"Chegou sua vez, você vai."
(VALDO CRUZ)
FOLHA - Como está a saúde do sr.?
JOSÉ ALENCAR - Nós estamos lutando, eu acredito que teremos
de começar agora em janeiro
um tratamento quimioterápico, porque os médicos recomendam e nós vamos fazer. Eu
fui operado de câncer várias vezes. Primeiro, do rim e do estômago no mesmo dia, há dez
anos, em 1997. Depois, em
2002, da próstata. Em 2006, fui
operado desse tumor retroperitonial. Os outros foram eliminados. Esse é um sarcoma, é
um tumor mais violento, perigoso, raríssimo. Eu nunca tive
problema de metástase, nada
disso, porém, ele tem a tal de
recidiva, recorrência, ele volta.
FOLHA - Quando foi a primeira
operação desse caso?
ALENCAR - Em 18 julho de 2006,
em plena campanha. Depois da
eleição, dia 30 de outubro, estava no hospital em São Paulo, ele
tinha voltado. No mesmo local,
que diabo! Aí, fui para os Estados Unidos para ser operado
pelo dr. Murray Brennan, o
maior especialista nesse tipo de
tumor.
No início de outubro, fizemos novo exame e ele tinha voltado, não no mesmo local, mas
na mesma região. Queria operar no Brasil, mas eles acharam
que tinha de ser o dr. Brennan.
Ele veio, nem me cobrou nada.
Depois, o Josué [filho do vice-presidente] insistiu com ele ao
levá-lo para o aeroporto, aí ele
disse para mandar uma camisa
da seleção brasileira, com a assinatura dos craques, para dar
para seu neto de oito anos, que
mora na Nova Zelândia.
FOLHA - O sr. fala com tranqüilidade sobre esses problemas sérios de
saúde, até com um sorriso no rosto.
Qual é o segredo?
ALENCAR - Já tive três outras
operações de câncer -rim, estômago e próstata-, de câncer
fui operado seis vezes. Mas tem
outras, fui operado de cálculo
da vesícula, sete. Tenho um
stent dentro do coração, são oito. Tem uma operação de hérnia, são nove. Tem uma colocação de cateter, uma caixinha, que não precisa furar veia
quando precisa aplicar alguma
coisa. Aplica por aqui [aponta
para o tórax]. Isso é operação
também, o camarada te dá
anestesia geral. São dez operações, mas eu fico desmoralizado quando chego perto da senadora Roseana Sarney, dez é fichinha perto dela.
FOLHA - Há algum segredo para
enfrentar tantas cirurgias?
ALENCAR - Primeiro, tenho fé
em Deus. Jesus Cristo tem um
discurso, o Sermão da Montanha, e lá tem o Pai Nosso, no
qual ele diz: "Seja feita a Vossa
Vontade assim na terra como
no céu". Porque, se Deus quiser
te levar, ele leva, a hora que ele
quiser. Você não morre na véspera, chegou sua vez, você vai.
Agora, você tem de respeitar os
médicos que cuidam de você.
FOLHA - Para quem enfrentou tantas cirurgias, o sr. deve ter feito uma
reflexão sobre morte.
ALENCAR - Olha, é aquela história, primeiro ninguém sabe o
que é a morte, você sabe se ela é
um mal ou um bem? Ninguém
sabe. Há pessoas que falam:
"Meu pai morreu muito cedo,
mas Deus o ajudou, ele ia ter
um aborrecimento grande". Na
minha família, a mamãe morreu em 1957, o papai em 58 e o
Geraldo, meu irmão mais velho, em 59. A mamãe não teria
condições de suportar a morte
do papai, que era mais velho do
que ela 18 anos. Quase um ano
depois, ele morreu com 82. No
ano seguinte, morreu o filho
mais velho. Ele não agüentaria
a morte do Geraldo.
Você não sabe o que é a morte, então você não tem de ter
medo da morte. Você tem de ter
medo é da desonra, dela você
tem de ter medo, isso mata você. Agora, se você se mantém
honrado, da morte você não
tem de ter medo. A vida é uma
jornada, tem de tudo, várzea e
morro, obstáculos, atoleiros.
FOLHA - Como o sr. avalia a chegada ao governo do Roberto Mangabeira Unger?
ALENCAR - Vai trazer um grande
enriquecimento ao governo no
que diz respeito a planejamento de longo prazo.
FOLHA - Mas é polêmico, criticou o
presidente Lula...
ALENCAR - Ele, como articulista,
não estava satisfeito com as informações de algum problema
que houve. Não que afetasse o
Lula, ele nunca afetou diretamente o Lula, ele falou do governo. E obviamente houve caso que, de certa forma, comprovou-se que havia dentro do governo participação de coisa errada, tanto que os caras perderam mandato etc.
Agora, o Lula mostrou uma
das qualidades mais importantes dele. Ele é superior. Um outro jamais aproveitaria o Mangabeira Unger, tendo em vista os artigos que ele fez. O Lula,
não, ele tem compreensão, paz.
FOLHA - Quando o sr. fala do Mangabeira Unger, diz que até algumas
críticas se confirmaram e até levaram alguns a perder mandato e ministério. Isso foi um dos erros do governo, como o caso do mensalão?
ALENCAR - Eu não vou falar de
governo nem de uma empresa,
vou falar de uma família. Em
uma família, pode acontecer
que um faça algo que contrarie
os princípios de comportamento de todos os outros. Você imagina numa empresa, num governo. O que o governo tem de
fazer... É outra coisa admirável
do presidente Lula, a força e a
independência que ele dá ao
Ministério Público, ao Judiciário e à Polícia Federal.
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