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JANIO DE FREITAS
As emoções dispensáveis
Mesmo que prescritos, os crimes posteriores ao período anistiado envolvem também a responsabilidade do Estado
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OS TRÊS acontecimentos que trazem, à última hora, emoções fortes a este ano quase morno
são feitos da mesma substância composta: transgressão,
violência e morte - em nome
da política.
Dos três acontecimentos,
um nos repõe diante de uma
realidade nossa, de brasileiros, e nos expõe à humilhação
internacional. Mas sem outra
conseqüência senão a de exibir, ainda uma vez, a indignidade nacional que mantém o
Brasil na condição imoral e
covarde, como disse um especialista nos Estados Unidos,
de último país a não investigar os crimes da repressão em
sua ditadura. Nem mesmo os
posteriores ao período abrangido pela anistia, caso, entre
outros, dos crimes que levam
agora a Justiça italiana a decretar a prisão de 11 generais,
coronéis e policiais brasileiros.
Mesmo que prescritos, porque ocorridos há mais de 20
anos, os crimes posteriores ao
período anistiado envolvem
também, tal como os beneficiados pela anistia, a responsabilidade do Estado brasileiro, pela qual a União continua
sujeita a responder. Seria o
bastante para providências
decentes das autoridades governamentais e judiciais brasileiras. Mas, assim como os
crimes de assassinato, desaparecimento e tortura anistiados, os ocorridos depois de
1979 também levariam, se investigados, à identificação
oficial dos seus autores. E então se criaria uma situação típica da imoralidade brasileira: sabe-se o nome desses criminosos, quase todos, mas
designá-los oficialmente implicaria quebrar as regras de
distribuição da impunidade
aqui consagradas, com suas
variantes segundo classe social, função, se civil ou militar,
e outras.
A lei da anistia, de agosto de
79, tem 28 anos. Há 28 anos
frustra-se a lógica de que a
anistia de autores não impede
nem dispensa o esclarecimento das circunstâncias e
autoria dos atos anistiados, e,
se necessário, do destino dado à vítima. No Brasil, os últimos governos passaram a reconhecer as vítimas e, portanto, a ocorrência dos crimes, ao
indenizá-las ou a parentes
seus. Sem, no entanto, reconhecer a obviedade das respectivas autorias. É o extremo da hipocrisia. E a comprovação da falta de autoridade
moral dos que têm recebido a
autoridade legal para extinguir o impasse.
O acontecimento entre Colômbia e Venezuela, incompleto no momento em que escrevo, não confunde o seu valor humanitário com um prenúncio de solução para o conflito entre as Forças Armadas
Revolucionárias da Colômbia-FARC e o governo colombiano. A Álvaro Uribe, presidente da Colômbia, não convêm acordos conseqüentes
com as FARC: é na exploração propagandística de sua linha dura que Uribe, desejoso
confesso do terceiro mandato
sucessivo, tem feito o seu capital político.
Não foi à toa que, à falta de
melhor, Uribe usou de um
pretexto bobo para retirar de
Hugo Chávez a procuração,
forçada pelas contingências,
com que negociava a soltura
dos 45 reféns das FARC em
troca de guerrilheiros presos.
Nem foi à toa que Chávez,
agora, adotou precauções minuciosas, até em relação aos
seus helicópteros e à lealdade
das tripulações, quanto a possíveis ardis da linha dura colombiana contra uma operação que a Uribe só prometeu
derrotas internas e externas
- a liberação pacífica de três
reféns por seus inimigos das
FARC e seu adversário venezuelano.
A morte de Benazir Bhutto,
encerramento coerente com
uma vida na maior parte dramática, e tantas vezes no umbral da tragédia, não foi nada
de extraordinário na ditadura
sanguinária que a política externa dos Estados Unidos
produziu e mantém no Paquistão. Alvo de atentado ao
voltar a seu país, em outubro,
e provável vencedora das eleições parlamentares de janeiro contra o ditador general
Pervez Musharraf (sua eleição de "presidente" foi tão legítima quanto as de Pinochet,
Médici e congêneres), é tarde
para sabermos que concepções objetivas ou razões subjetivas levaram Benazir a se
expor tanto, contrariando toda a lógica, tão explícita, da luta em que entrara. Mas seguiu
a lógica universal de que a violência tem uma raiz na política.
07-08
Agradeço muito aos que
sustentaram esta coluna, em
mais um ano, com sua leitura, com a crítica sempre possível ou com informações. A
todos, desejo um novo ano
com toda a sorte em tudo.
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