São Paulo, quarta-feira, 31 de janeiro de 2001

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ANÁLISE

Só fica certo que o arame farpado voltará

DO ENVIADO ESPECIAL A DAVOS

A noite começava a cair em Davos e um caminhão do Exército suíço cruzava a Promenade, a rigor a única avenida da cidade suíça, levando para os depósitos o arame farpado usado para transformá-la em uma fortaleza antimanifestações.
Terminava o 31º encontro anual do Fórum Econômico Mundial com uma certeza: o arame farpado estará de volta, no ano que vem, porque Davos, como todos os locais de eventos internacionais de relativa importância, entrou para ficar na agenda das manifestações antiglobalização.
A rigor, essa é a única certeza que deixa a reunião de 2001 do Fórum Econômico.
Ela começou com uma indagação central, que nada tinha a ver com manifestações e arame farpado: o pouso da economia norte-americana será suave ou acidentado?
Houve virtual unanimidade: tomará a forma da letra "V", ou seja, uma contração nos dois primeiros trimestres (o que, pela definição acadêmica, já seria uma recessão) para uma retomada mais ou menos vigorosa no segundo semestre.
Ainda que esse relativo otimismo se verifique na prática, o efeito sobre o planeta não será desprezível: Stanley Fischer, o vice-diretor-geral do Fundo Monetário Internacional, aproveitou o palco de Davos para anunciar que o Fundo vai rever para baixo a previsão de crescimento mundial (dos 4,2% imaginados em setembro para 3,5%).
De todo modo, os executivos que formam o grande público de Davos deram-se por satisfeitos com as previsões para a economia norte-americana.

Todos atingidos
No sábado, acabaram alcançados pelo efeito da manifestação que não se pôde realizar, vetada que fora pelas autoridades suíças: milhares de homens e mulheres bem vestidos, ricos o suficiente para andar de Mercedes-Benz, tiveram que caminhar pela neve até o Centro de Congressos, dos hotéis em que se realizaram os habituais almoços de trabalho do Fórum de Davos.
Os ônibus, tanto os do próprio Fórum como os do transporte público de Davos, pararam de circular, para evitar que fossem atacados pelo punhadinho de manifestantes que conseguiu chegar ao "Forte Davos", como o denominaram os líderes sindicais presentes ao encontro.
A manifestação pode não ter conseguido penetrar no "Forte", mas contagiou muito a sua agenda.
Nunca antes, nos 30 anos de encontros anuais, se falou tanto de ONGs. Nem se buscou com tanto empenho incluí-las entre os interlocutores de Davos ou dar impulso a mecanismos de cooperação entre elas e as companhias multinacionais que são as financiadoras do Fórum.
Do ponto de vista dos organizadores, o "Forte" foi eficaz: garantiu a segurança dos participantes.
Do ponto de vista das ONGs, além de uma violação ao direito básico de manifestação, foi inútil.
"Podem colocar grades de ferro e arame farpado, mas não podem se isolar das novas idéias, como as que estão surgindo em Porto Alegre", diz, por exemplo, Anthony Juniper, o vice-presidente da organização não-governamental "Amigos da Terra".
Parece exagero de um militante antiglobalização. Mas George Soros, o megaespeculador que não é contra a globalização, admitiu que "há algo, no capitalismo global, contra o que protestar", depois de um acidentado diálogo pela TV com o pessoal de Porto Alegre.
Tanto há que o próprio diretor-gerente do Fórum, Claude Smadja, admitia ontem que as ONGs são apenas as porta-vozes de uma "malaise" (mal-estar) palpável no planeta.
Tanto em Davos como em Porto Alegre, houve uma catarata de discursos sobre a "malaise". Ou ela é efetivamente enfrentada ou o arame farpado voltará a fazer parte do cenário de Davos -e de Quebec, Washington, Doha, locais de próximos eventos globais.
(CLÓVIS ROSSI)




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