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ANÁLISE
Só fica certo que o arame farpado voltará
DO ENVIADO ESPECIAL A DAVOS
A noite começava a cair em
Davos e um caminhão do
Exército suíço cruzava a Promenade, a rigor a única avenida da
cidade suíça, levando para os depósitos o arame farpado usado
para transformá-la em uma fortaleza antimanifestações.
Terminava o 31º encontro anual
do Fórum Econômico Mundial
com uma certeza: o arame farpado estará de volta, no ano que
vem, porque Davos, como todos
os locais de eventos internacionais de relativa importância, entrou para ficar na agenda das manifestações antiglobalização.
A rigor, essa é a única certeza
que deixa a reunião de 2001 do
Fórum Econômico.
Ela começou com uma indagação central, que nada tinha a ver
com manifestações e arame farpado: o pouso da economia norte-americana será suave ou acidentado?
Houve virtual unanimidade: tomará a forma da letra "V", ou seja,
uma contração nos dois primeiros trimestres (o que, pela definição acadêmica, já seria uma recessão) para uma retomada mais ou
menos vigorosa no segundo semestre.
Ainda que esse relativo otimismo se verifique na prática, o efeito
sobre o planeta não será desprezível: Stanley Fischer, o vice-diretor-geral do Fundo Monetário Internacional, aproveitou o palco de
Davos para anunciar que o Fundo
vai rever para baixo a previsão de
crescimento mundial (dos 4,2%
imaginados em setembro para
3,5%).
De todo modo, os executivos
que formam o grande público de
Davos deram-se por satisfeitos
com as previsões para a economia
norte-americana.
Todos atingidos
No sábado, acabaram alcançados pelo efeito da manifestação
que não se pôde realizar, vetada
que fora pelas autoridades suíças:
milhares de homens e mulheres
bem vestidos, ricos o suficiente
para andar de Mercedes-Benz, tiveram que caminhar pela neve até
o Centro de Congressos, dos hotéis em que se realizaram os habituais almoços de trabalho do Fórum de Davos.
Os ônibus, tanto os do próprio
Fórum como os do transporte público de Davos, pararam de circular, para evitar que fossem atacados pelo punhadinho de manifestantes que conseguiu chegar ao
"Forte Davos", como o denominaram os líderes sindicais presentes ao encontro.
A manifestação pode não ter
conseguido penetrar no "Forte",
mas contagiou muito a sua agenda.
Nunca antes, nos 30 anos de encontros anuais, se falou tanto de
ONGs. Nem se buscou com tanto
empenho incluí-las entre os interlocutores de Davos ou dar impulso a mecanismos de cooperação
entre elas e as companhias multinacionais que são as financiadoras do Fórum.
Do ponto de vista dos organizadores, o "Forte" foi eficaz: garantiu a segurança dos participantes.
Do ponto de vista das ONGs,
além de uma violação ao direito
básico de manifestação, foi inútil.
"Podem colocar grades de ferro
e arame farpado, mas não podem
se isolar das novas idéias, como as
que estão surgindo em Porto Alegre", diz, por exemplo, Anthony
Juniper, o vice-presidente da organização não-governamental
"Amigos da Terra".
Parece exagero de um militante
antiglobalização. Mas George Soros, o megaespeculador que não é
contra a globalização, admitiu
que "há algo, no capitalismo global, contra o que protestar", depois de um acidentado diálogo
pela TV com o pessoal de Porto
Alegre.
Tanto há que o próprio diretor-gerente do Fórum, Claude Smadja, admitia ontem que as ONGs
são apenas as porta-vozes de uma
"malaise" (mal-estar) palpável no
planeta.
Tanto em Davos como em Porto Alegre, houve uma catarata de
discursos sobre a "malaise". Ou
ela é efetivamente enfrentada ou o
arame farpado voltará a fazer parte do cenário de Davos -e de
Quebec, Washington, Doha, locais de próximos eventos globais.
(CLÓVIS ROSSI)
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