São Paulo, segunda-feira, 31 de janeiro de 2005

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15 ANOS DEPOIS

Trechos inéditos de gravação põem Greenhalgh no centro de esquema

Diálogos reabrem suspeita de propina ao PT no caso Lubeca

LILIAN CHRISTOFOLETTI
DA REPORTAGEM LOCAL

Trechos inéditos de uma conversa gravada há 15 anos recolocam o candidato oficial do PT à presidência da Câmara, Luiz Eduardo Greenhalgh, no centro de um escândalo que envolveu a Prefeitura de São Paulo, a empresa Lubeca e o suposto pagamento de US$ 200 mil em propina.
O episódio aconteceu em 1989. Luiz Inácio Lula da Silva (PT) estava em campanha para a Presidência da República. Luiza Erundina (então no PT, hoje no PSB) era a prefeita e estava no primeiro ano de sua gestão. Greenhalgh era vice-prefeito e secretário dos Negócios Extraordinários.
No diálogo de uma hora e 20 minutos, Greenhalgh é citado como o responsável por ter "plantado" um intermediário na Lubeca para arrecadar dinheiro para a campanha de Lula. A empresa buscava a aprovação da prefeitura para um projeto urbanístico avaliado em US$ 600 milhões.
O advogado José Firmo Ferraz Filho, apontado já naquela época como intermediário de Greenhalgh, é um dos personagens da conversa. O diálogo foi gravado pelo outro interlocutor, o advogado Eduardo Pizarro Carnelós, sem conhecimento de Ferraz Filho. Carnelós era o assessor jurídico de Greenhalgh na prefeitura.
A certa altura, Ferraz Filho diz: "Teve aquele problema da grana e avaliou-se. Não pega a grana. Vamos pegar? Podemos pegar. Tem armação, não vamos pegar". E segue: "O partido pediu grana. É ato de preposto [representante legal], cara! E mais, o cara é vice-prefeito. Se ele pedir, os caras dão". Adiante, Ferraz Filho afirma: "O Luiz estava por trás do projeto? Estava. Já tinha um homem do gabinete dele no projeto."

O estopim
O diálogo, muito tenso, foi gravado no dia 28 de outubro de 1989. Doze dias antes, num debate transmitido ao vivo pela TV, o então candidato à Presidência da República Ronaldo Caiado (ex-PSD), hoje deputado federal pelo PFL, havia acusado a Prefeitura de São Paulo de ter recebido propina de uma empresa da cidade. Não citou a Lubeca, mas sua declaração desencadeou uma série de investigações que levaram a Ferraz Filho e à empresa.
O caso Lubeca foi investigado em três frentes: na comissão de averiguação da prefeitura criada por Erundina, na CEI (Comissão Especial de Inquérito) da Câmara Municipal e num inquérito da Polícia Civil. Todas as três investigações foram arquivadas sob alegação de falta de provas conclusivas. A fita com a conversa gravada, no entanto, não foi incluída como peça em nenhuma delas.
Um ano depois do escândalo, em dezembro de 1990, o "Jornal da Tarde" publicou uma reportagem reproduzindo trechos do diálogo. A maior parte da conversa, porém, permaneceu inédita.
Esses trechos contêm revelações que, além de incorporar nominalmente novos personagens ao escândalo, entre eles o atual diretor-presidente do Sebrae, Paulo Okamoto, funcionam como peças inéditas de um quebra-cabeça até hoje não resolvido.
Num trecho inédito da gravação, Ferraz Filho diz: "Eu fui plantado na Lubeca. Fui plantado". "Por quem?", indaga Carnelós. "O Luiz [Eduardo Greenhalgh]. O Luiz. Pronto. Cara, você vai segurar?", pergunta Ferraz Filho.
Dias antes dessa conversa, em depoimento à Câmara, Ferraz Filho havia se negado a responder quem tinha indicado seu nome para supostamente trabalhar na Lubeca, com a qual afirmava ter "contrato verbal". Esquivou-se 13 vezes da pergunta.

Diálogo
A gravação foi feita por Carnelós após consultar os advogados José Carlos Dias e Arnaldo Malheiros Filho. Ambos disseram que a fita poderia ser usada como prova caso a acusação de corrupção resvalasse em seu nome.
Na época, Carnelós era o responsável na prefeitura pela análise do projeto da Lubeca e disse que Ferraz Filho o procurou em sua sala para lhe contar que havia conseguido US$ 100 mil da empresa para a campanha do PT.
Carnelós e Ferraz Filho conversaram num escritório. O gravador estava escondido em uma valise.
Na fita, Ferraz Filho procura convencer Carnelós a não tornar a história pública. Ele fala diversas vezes sobre a doação: "Meu amor, a história é a seguinte: é a filosofia do lobo. Os caras dando isso..., eles estão o quê? Pagando o seguro tipo máfia. Não tem sacanagem. Isso é a filosofia deles".
Ferraz Filho diz ainda na fita que os depoimentos prestados à comissão da prefeitura, presidida pelo então secretário de Governo José Eduardo Cardozo (PT), hoje deputado federal, foram "pautados" por Greenhalgh, inclusive a fala do gerente-geral da Lubeca, José Maria Simões.
O erro, segundo ele, deu-se quando, ao final do depoimento, Greenhalgh, que acompanhava a sessão, interveio e solicitou que fosse acrescentado um dado: a atuação de Ferraz Filho como advogado da Lubeca. Isso quando a própria empresa não reconhecia qualquer vínculo com ele.
"O Zé Firmo não podia aparecer...", diz Ferraz Filho, referindo-se a si próprio. "O Luiz [Eduardo Greenhalgh] fez uma cagada? Fez. E atribuo isso exclusivamente a ato falho. Não perdôo o Luiz. Inabilidade, incompetência, seja lá que nome for. Agora, não é por causa disso que a gente tem de atirar merda no ventilador."
Representantes das duas comissões, a da prefeitura e a da Câmara Municipal, informaram que a fita com a conversa não foi incluída porque surgiu quando os trabalhos já haviam sido encerrados.
A fita também não fez parte do inquérito da Polícia Civil, aberto para apurar eventual cobrança de propina na gestão petista. A apuração foi interrompida após o caso ser remetido à Polícia Federal por ordem da Justiça Eleitoral.
O inquérito, que havia sido aberto para apurar suposta corrupção, foi convertido em denúncia eleitoral contra Caiado por crime de calúnia. Foi nesse momento que as fitas entraram na ação, com o objetivo de reforçar a denúncia. O procedimento foi para o Supremo, onde foi arquivado.


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