São Paulo, quarta-feira, 31 de janeiro de 2007

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ELIO GASPARI

Aldo e Arlindo, os bípedes redundantes

Diante da mediocridade dos doutores, há o exemplo da história de Barbaro, um quadrúpede

AMANHÃ, FELIZMENTE, termina a disputa entre as poderosas candidaturas de Aldo Rebelo e Arlindo Chinaglia pela presidência da Câmara. É um páreo de bípedes redundantes, de pouca relevância, numa semana em que o mundo perdeu Barbaro, um quadrúpede de três anos, com seis corridas e seis vitórias. Valeu US$ 30 milhões. Era uma boa aposta para a conquista da tríplice coroa dos prados americanos, um título intocado desde 1978.
Animal esplêndido, Barbaro foi sacrificado na segunda-feira, 254 dias depois de ter quebrado uma perna enquanto corria diante de 118 mil pessoas. Uma história de sofrimento e carinho. Suas chances eram de 50%. Passou por três longas cirurgias e 27 parafusos de titânio. A fratura cicatrizou, mas Barbaro foi derrubado por uma infecção nos cascos, e muita dor. Não conseguia ficar de pé. "Era outro animal", contou o cirurgião que cuidou dele.
Tristeza igual, só em 1975, quando Ruffian, égua invicta, quebrou a perna perto da última milha de Belmont Park. Ela ainda correu 50 metros. (O jornalista Sérgio Figueiredo via o páreo na social.) Ao contrário de Barbaro, Ruffian foi sacrificada no mesmo dia.
Quando a ações dos bípedes tornam-se um pastel de redundâncias eqüinas, a dignidade dos quadrúpedes torna-os figuras muito mais interessantes. Como o grande Seabiscuit (1933-1947), Barbaro haverá de ser imortalizado em livro e filme. Tem lugar na galeria onde estão Secretariat, Traveller, Comanche e o inesquecível Trigger.
Trigger, montaria do vaqueiro Roy Rogers está empalhado no museu que conserva a memória do ator e alegrias de infâncias de outrora.
Comanche foi o único sobrevivente do combate de Little Bighorn, durante o qual os índios lakotas e cheyenes liquidaram o general George Custer e outros 208 soldados em 1876. É provável que tenham largado o animal na pradaria porque estava arruinado por um tiro e flechadas. Dias depois, a cavalaria levou-o para um quartel. Ninguém voltou a montar Comanche.
Símbolo do massacre, sua história deu um toque romântico à posterior matança dos índios. Viveu no ócio até os 29 anos, com uma queda pela cerveja, e foi sepultado com honras militares. Sua carcaça, exposta num museu do Kansas, é o que resta da inépcia de um general insano. Traveller, a montaria do general Robert Lee durante a guerra civil americana, está enterrado perto do dono.
Lee gostara do bicho, mas não o aceitou como presente. O general não trabalhava com verbas indenizatórias e só ficou com ele porque pagou US$ 200.
Barbaro caminhava para se tornar o substituto de Secretariat (1970-1989), na condição de cavalo-celebridade: campeão, rico e bonito. Talvez repetisse a façanha do antecessor, que tirou o 35º lugar na lista dos grandes atletas americanos do século passado. Evidentemente, era o único quadrúpede. O hospital onde Barbaro lutou pela vida recebeu mais de US$ 1,2 milhão em doações, inclusive uma de 19 centavos, vinda de uma menina.
Na manhã de segunda-feira, havia uma mulher no saguão do hospital onde estava o bicho. Quando ouviu que Barbaro havia sido sacrificado, ela foi embora. Disse que ia para a companhia de seu cavalo.


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