São Paulo, quarta-feira, 31 de março de 2004

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SOMBRA NO PLANALTO

Gravação mostra José Roberto Santoro tentando obter fita de 2002 em que Waldomiro Diniz pede propina ao empresário de jogos

Subprocurador negociou fita com Cachoeira

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O subprocurador da República José Roberto Santoro foi flagrado numa gravação tentando obter do empresário Carlos Ramos, o Carlinhos Cachoeira, cópia da fita que deflagrou o escândalo Waldomiro Diniz. Num dos trechos divulgados ontem pelo "Jornal Nacional", da Rede Globo, Santoro demonstra ter consciência de que a investigação atingiria o poderoso chefe da Casa Civil, José Dirceu, e o governo PT.
"Daqui a pouco o procurador-geral [Claudio Fonteles] chega, que ele chega às seis horas da manhã. Ele vai ver o carro, ele vai vir aqui na minha sala... ele vai vir aqui, e vai ver, tomando um depoimento para, desculpe a expressão, pra ferrar o chefe da Casa Civil da Presidência da República, o homem mais poderoso do governo, ou seja, para derrubar o governo Lula", afirma Santoro, enquanto tentava convencer Cachoeira.
A conversa teria ocorrido durante uma madrugada no início de fevereiro, antes de vir a público a gravação feita em 2002 pelo próprio Cachoeira em que Waldomiro aparecia pedindo propina e dinheiro para campanha para o empresário de jogos.
Na época da gravação, Waldomiro Diniz presidia a Loterj (Loteria do Estado do Rio de Janeiro), durante a gestão de Benedita da Silva (PT-RJ) no governo do Rio de Janeiro. A fita foi o pivô de grave crise política no governo Lula, ainda sem desfecho. Mas Waldomiro deixou o governo, "a pedido", em 13 de fevereiro, dia da divulgação da gravação.

"Sacanagem"
Diante da resistência de Cachoeira e preocupado com a chegada iminente do procurador-geral, Santoro afirma: "Ele [Fonteles] vai chegar aqui e dizer "o sacana do Santoro resolveu acabar com o governo do PT e pra isso arrumou um jornalista [referência a Mino Pedrosa], juntaram-se com um bicheiro e resolveram na calada da noite tomar depoimento. Não foi nem durante o dia, foi às três da manhã'".
Mino Pedrosa admite ter tido acesso à fita, mas nega ter feito cópia e repassado. Diz que a devolveu para Cachoeira, para quem prestava consultoria.
Além de Santoro, participou da reunião o procurador Marcelo Serra Azul, autor da denúncia, formalizada anteontem, contra dirigentes da Caixa, Waldomiro, Rogério Buratti (empresário petista e ex-assessor do hoje ministro da Fazenda Antonio Palocci Filho) e representantes da multinacional GTech.
A denúncia também atinge Cachoeira, mas pede benefícios, como redução de pena, para o empresário porque ele teria colaborado com as investigações.
Segundo o "Jornal Nacional", Santoro confirmou a conversa. Disse que os diálogos aconteceram num domingo, dia 8 de fevereiro, e se prolongaram na madrugada de segunda-feira. Waldomiro Diniz foi demitido a pedido na sexta seguinte, 13 de fevereiro, depois de a revista "Época" divulgar o conteúdo da gravação feita por Cachoeira.
Procurado ontem à noite pela Folha, Santoro não quis se manifestar. Ao ""Jornal Nacional", disse que recebeu Cachoeira de madrugada a pedido do próprio empresário e que apenas estava buscando fazer o seu trabalho.
A conversa toda teria durado quatro horas, mas apenas 28 minutos teriam sido gravados pelo próprio Cachoeira. A fita, segundo o telejornal, foi passada por um intermediário de Cachoeira, que posteriormente negou à Globo ter feito a gravação. A fita foi submetida a perícia, que teria provado não ser uma montagem, antes de ir ao ar ontem à noite.
Durante a conversa, Santoro tenta convencer Cachoeira e acena com benefícios para uma eventual colaboração.
"Faz o seguinte: entrega a fita, não depõe, diz que vai depor mais tarde para ver o que que aconteceu, porque aí você acautela que você colaborou com a Justiça, entregou a fita, acautelou prova lícita (o cacete a quatro) ... então... e aí vem o cafofo", afirma Santoro.
Mais adiante, diante da proposta de Cachoeira de que a Polícia Federal poderia fazer uma operação de busca e apreensão na qual a fita seria apreendida em seu endereço, o subprocurador alega que essa operação poderia não correr como planejado.
"A busca e apreensão vai ser feita pela Polícia Federal, a Polícia Federal vai lá bater... é isso?... a primeira coisa que vai ser, vai ser periciada e a primeira pessoa que vai ter acesso a essa fita é o [Paulo] Lacerda [diretor da PF], o segundo é o ministro da Justiça e o terceiro é o Zé Dirceu. E o quarto, o presidente."

Chefe à vista
A gravação mostra uma preocupação constante de Santoro durante a conversa com a chegada do chefe, Claudio Fonteles: "Daqui a pouco o procurador-geral vai dizer assim: "Porra, você tá perseguindo o governo que me nomeou procurador-geral, Santoro, que sacanagem é essa? Você tá querendo ferrar o assessor do Zé Dirceu, o que que você tem a ver com isso?".
Mais adiante, insiste: "Oh, estourou o meu limite, daqui a pouco o Cláudio [Fonteles] chega, chega às seis horas da manhã, vai ver teu carro na garagem, vai ser o que tem (...) e vai ver um subprocurador-geral empenhado em derrubar o governo do PT (...) você vê... no fim, três horas da manhã, bicho..."


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