São Paulo, quarta-feira, 31 de março de 2004

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ELIO GASPARI

Publicidade é uma coisa, mitomania é outra

Publicitários de todo o Brasil, uni-vos. Um fantasma ronda vossa profissão. Chama-se mitomania. É mitomania filmar trabalhadores rurais numa grande propriedade a R$ 50 de cachê, fingindo que são beneficiários do programa de amparo à agricultura familiar.
O surto de egolatria publicitária transformou os dois principais marqueteiros do país em produtos tão conhecidos quanto as mercadorias que anunciam. Duda Mendonça (com o Fura-Fila de Paulo Maluf/Celso Pitta, os 10 milhões de empregos de Lula e os lavradores do Pronaf) e Nizan Guanaes (com os cinco dedos de FFHH, Roseana Sarney e os 8 milhões de empregados, com carteira na mão, de José Serra) tonaram-se grifes. A contratação de Guanaes para a campanha tucana mobilizou o então presidente Fernando Henrique Cardoso. A de Duda Mendonça para a de Lula exigiu que o Guia Genial dos Trabalhadores enquadrasse o aparelho de propaganda do partido.
No caso do filme vendido ao comissário Gushiken, diz o doutor Duda que "não houve má-fé". Nem boa-fé. Simplesmente não houve fé alguma. Algumas das mulheres grávidas mostradas no lindo filme pastoral da campanha de Lula tinham enchimento na barriga. Uma delas votara em Serra.
Como haverá eleições em outubro, os profissionais de publicidade brasileiros bem que poderiam prestar uma colaboração à honorabilidade das campanhas eleitorais.
Essa colaboração pode ser dada sem que se patrulhem idéias alheias ou se fiscalize a identidade dos figurantes. Trata-se de conferir coisa técnica, quase aritmética: os custos desses programas de televisão.
O principal foco de corrupção da política nacional está na arrecadação ilegal de dinheiro para as campanhas eleitorais. Nessa prática, Waldomiro Diniz e Charlie Waterfalls foram exemplos vulgares. Gente muito boa pega sacolas muito mais abonadas. Estima-se que para cada real declarado à Justiça Eleitoral exista outro, dado por baixo da mesa. As campanhas eleitorais brasileiras seguem costumes das cleptocracias africanas.
Entre 60% e 70% das despesas de um candidato a presidente, senador, governador ou prefeito são feitas no custeio da produção do filmes de TV para o horário gratuito. Lula informou que gastou R$ 7 milhões com os programas produzidos por Duda Mendonça. Estranha contabilidade essa. A campanha que acaba de ser suspensa, a ser paga pela Viúva, custaria R$ 8 milhões. Os lavradores do filme da Secom receberam R$ 50 de cachê. As grávidas do filme do PT receberam entre R$ 25 e R$ 40 por nove horas de filmagens.
Luiza Erundina, candidata a prefeita de São Paulo, e Raul Jungmann, no Recife, já anunciaram que colocarão todas as suas contas na internet, para serem conferidas em tempo real pelos eleitores.
Os publicitários (e também jornalistas que porventura entendam desse assunto) poderiam formar uma comissão independente. Ao fim de cada mês essa comissão poderia auditar os custos de um filme, tomado por amostra, ou de todos, se isso for possível. Não precisam encrencar com faturas assustadoramente pequenas (o grosso foi por fora) ou inacreditavelmente altas (a participação do cantor no showmício é o disfarce da remuneração pelo depoimento que a lei obriga a ser gratuito). Basta colocar um selo de confiabilidade no conjunto.
Para que essa operação fique de pé, seria necessário que os partidos, ou os candidatos, voluntariamente, abrissem suas contas. Se os candidatos são parecidos com aquilo que dizem deles mesmos, isso é fácil de fazer. Se eles são parecidos com o que dizem os seus adversários, é impossível.


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