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ELIO GASPARI
Publicidade é uma coisa, mitomania é outra
Publicitários de todo o
Brasil, uni-vos. Um fantasma ronda vossa profissão. Chama-se mitomania. É mitomania
filmar trabalhadores rurais numa grande propriedade a R$ 50
de cachê, fingindo que são beneficiários do programa de amparo à agricultura familiar.
O surto de egolatria publicitária transformou os dois principais marqueteiros do país em
produtos tão conhecidos quanto
as mercadorias que anunciam.
Duda Mendonça (com o Fura-Fila de Paulo Maluf/Celso Pitta,
os 10 milhões de empregos de
Lula e os lavradores do Pronaf)
e Nizan Guanaes (com os cinco
dedos de FFHH, Roseana Sarney e os 8 milhões de empregados, com carteira na mão, de José Serra) tonaram-se grifes. A
contratação de Guanaes para a
campanha tucana mobilizou o
então presidente Fernando
Henrique Cardoso. A de Duda
Mendonça para a de Lula exigiu que o Guia Genial dos Trabalhadores enquadrasse o aparelho de propaganda do partido.
No caso do filme vendido ao
comissário Gushiken, diz o doutor Duda que "não houve má-fé". Nem boa-fé. Simplesmente
não houve fé alguma. Algumas
das mulheres grávidas mostradas no lindo filme pastoral da
campanha de Lula tinham enchimento na barriga. Uma delas
votara em Serra.
Como haverá eleições em outubro, os profissionais de publicidade brasileiros bem que poderiam prestar uma colaboração à honorabilidade das campanhas eleitorais.
Essa colaboração pode ser dada sem que se patrulhem idéias
alheias ou se fiscalize a identidade dos figurantes. Trata-se de
conferir coisa técnica, quase
aritmética: os custos desses programas de televisão.
O principal foco de corrupção
da política nacional está na arrecadação ilegal de dinheiro para as campanhas eleitorais. Nessa prática, Waldomiro Diniz e
Charlie Waterfalls foram exemplos vulgares. Gente muito boa
pega sacolas muito mais abonadas. Estima-se que para cada
real declarado à Justiça Eleitoral exista outro, dado por baixo
da mesa. As campanhas eleitorais brasileiras seguem costumes das cleptocracias africanas.
Entre 60% e 70% das despesas
de um candidato a presidente,
senador, governador ou prefeito
são feitas no custeio da produção do filmes de TV para o horário gratuito. Lula informou que
gastou R$ 7 milhões com os programas produzidos por Duda
Mendonça. Estranha contabilidade essa. A campanha que
acaba de ser suspensa, a ser paga pela Viúva, custaria R$ 8 milhões. Os lavradores do filme da
Secom receberam R$ 50 de cachê. As grávidas do filme do PT
receberam entre R$ 25 e R$ 40
por nove horas de filmagens.
Luiza Erundina, candidata a
prefeita de São Paulo, e Raul
Jungmann, no Recife, já anunciaram que colocarão todas as
suas contas na internet, para serem conferidas em tempo real
pelos eleitores.
Os publicitários (e também
jornalistas que porventura entendam desse assunto) poderiam formar uma comissão independente. Ao fim de cada mês
essa comissão poderia auditar
os custos de um filme, tomado
por amostra, ou de todos, se isso
for possível. Não precisam encrencar com faturas assustadoramente pequenas (o grosso foi
por fora) ou inacreditavelmente
altas (a participação do cantor
no showmício é o disfarce da remuneração pelo depoimento
que a lei obriga a ser gratuito).
Basta colocar um selo de confiabilidade no conjunto.
Para que essa operação fique
de pé, seria necessário que os
partidos, ou os candidatos, voluntariamente, abrissem suas
contas. Se os candidatos são parecidos com aquilo que dizem
deles mesmos, isso é fácil de fazer. Se eles são parecidos com o
que dizem os seus adversários, é
impossível.
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