São Paulo, terça, 31 de março de 1998

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JANIO DE FREITAS
O torturador

A pressão para que o general Ricardo Fayad, o integrante de equipes de tortura, se demita da subdiretoria de Saúde do Exército é uma saída, para "o constrangimento" de Fernando Henrique Cardoso, mais desonrosa do que o próprio ato presidencial da nomeação.
Não é a saída mais cômoda entre os protestos pela nomeação e a defesa do general por generais. É a saída da covardia, da fuga ao dever funcional e moral de sustentar a nomeação, se feita com a consciência esperável de um ato presidencial, ou destituir o beneficiado, por reconhecer o erro da nomeação.
O general Fayad tem a oportunidade de praticar ao menos um gesto altivo, recusando-se a pôr, voluntariamente, a cabeça na guilhotina. Que o autor da sua nomeação o destitua ou que, solidário, o mantenha pela meia dúzia de meses até a transferência para a reserva -o pijama merecido pela coragem demonstrada diante de mulheres e homens indefesos, pendurados no pau-de-arara, cercados de armas, esmulambados já por tanta tortura, tantos deles nos minutos finais da vida.
Por fora
José Serra exibirá hoje uma situação sui generis: empossado, estará por fora dentro do ministério.
Se quer mesmo fazer guerra à dengue, da qual mostra saber tanto quanto alguém que nem lê jornal, o novo ministro precisa tornar mais saudáveis suas declarações:
"A dengue, como doença, é uma calamidade em vários Estados (e se não for como doença, o que mais pode a dengue ser?). Mas é no Rio que ela ganhou proporções mais dramáticas".
Se o Rio citado é a cidade, os casos estão em torno de 550, e, se é o Estado, em torno de 5.000. Mas em Belo Horizonte, só a cidade, o noticiário oficioso cita 20 mil casos, o mesmo que no Espírito Santo. Vê-se que a dengue "mais dramática" não é no Rio, é na idéia, ainda nesta altura, que Serra está fazendo da epidemia.
Mais um pouco de declaração: "Vamos chamar as pessoas responsáveis para que haja um programa de emergência".
O programa já existe, completo e concluído, pelas "pessoas responsáveis" e especializadas que o então ministro Adib Jatene convocou para a tarefa. Serra só precisa mandar ver em que gaveta foi enfiado pelo tecnocrata Barjas Negri, secretário com o caído Carlos Albuquerque e já também com o içado Serra.
Conversível
Ou a conversão é completa ou é farsa. E Mário Covas, o que "sempre foi contra reeleição", não é farsante. Entende-se, portanto, que já esteja "admitindo a eventualidade" de nomear pefelistas para o seu secretariado. E ainda diga que isso "não é com finalidade eleitoral".
Claro que não. Deve ser por retidão, por coerência com todo o passado pessoal, no tempo em que Mário Covas perdia e não vergava, Mário Covas dizia e se acreditava.



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