São Paulo, terça, 31 de março de 1998

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CELSO PINTO
Os juros e a política

O presidente Fernando Henrique Cardoso comentou com auxiliares que o ideal seria ver os juros baixarem para 18% o mais rápido possível. O ministro do Planejamento, Antonio Kandir, tem repetido que os juros podem cair para 20% em meados do ano.
O Banco Central, que, teoricamente, dá a palavra final sobre os juros, tem reafirmado com ênfase que os juros só cairão o que for tecnicamente possível e não o que for politicamente desejável. Com ou sem aumento do desemprego. Os cálculos técnicos, infelizmente, não chegam aos 20% de Kandir e ficam longe dos 18% do presidente. Será que o BC terá autonomia para continuar definindo os juros?
O presidente, até agora, tem mantido uma tradição de respeito aos argumentos técnicos sobre os desejos políticos. Num ano eleitoral seria delicado deixar o mercado imaginar que a vontade política prevalecerá. Mas que razões técnicas impediriam uma redução mais forte da taxa de juros?
O ex-presidente do BC, Gustavo Loyola, faz uma conta de chegar. O primeiro constrangimento é o fato de que o Brasil precisa continuar atraindo recursos externos para financiar suas contas. Os juros, portanto, têm que ser competitivos, não só para continuar atraindo dólares, mas também para evitar que capitais brasileiros saiam em busca de alternativas mais interessantes.
Este piso de competitividade é fácil de medir. O investimento internacional considerado de maior qualidade e menor risco são as Letras do Tesouro americano, que estão oferecendo algo em torno de 6% ao ano. Como o Brasil não é os Estados Unidos, é preciso oferecer um prêmio para convencer um investidor a botar seu dinheiro aqui. Esse prêmio, hoje, está entre 3,5% e 4% ao ano.
Portanto, o piso dos juros parte de algo entre 9,5% e 10% ao ano. O rendimento do investidor externo no Brasil, no entanto, é calculado em dólares. Portanto, é preciso agregar a desvalorização cambial, que se tem mantido, há algum tempo, em torno de 7,5% ao ano.
O piso dos juros, portanto, subiria para 17% a 17,5%. Só que esse teria que ser o rendimento líquido do investidor. Como o Imposto de Renda foi elevado de 15% para 20%, a taxa de juros nominal teria que ficar entre 21% e 22% ao ano.
Isso sem considerar que o investidor externo olha, na verdade, não a desvalorização que ocorreu no passado (o cupom cambial ex-post) e sim as cotações do dólar no mercado futuro (o cupom ex-ante). E tem havido sempre um prêmio no mercado futuro, que pode chegar a 3% a 4% em relação ao cupom ex-post.
É possível baixar este piso? É, mas as alternativas não são simples. O "prêmio Brasil" só pode cair lentamente. A desvalorização cambial pode ser desacelerada e alguns economistas, como Edward Amadeo e José Márcio Camargo, defendem esta hipótese.
Loyola, contudo, é contra. Seria arriscado sinalizar uma mudança na política cambial. Na verdade, o mercado absorveu a idéia do BC de recuperar, gradualmente, a competitividade do câmbio e uma mudança poderia reavivar temores em relação às contas externas. Bastou o BC demorar um pouco para dar sua regular minidesvalorização, neste mês, para o mercado futuro de dólar ficar mais nervoso e as cotações subirem um pouco, apesar da avalanche de dólares que está entrando no país.
Redução no IR está absolutamente fora de questão, reafirmou o secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, numa entrevista neste final de semana. O BC vender mais dólares no mercado futuro para reduzir as cotações não mudaria o piso.
Dizer que não há muita alternativa técnica a curto prazo para reduzir os juros abaixo de 21% a 22%, contudo, não quer dizer que esta situação possa ser mantida indefinidamente. Algo está definitivamente errado quando um país tem uma inflação projetada em 3% a 4% ao ano e descobre que o piso dos juros não pode ser inferior a 21%. Pode-se até aceitar o argumento de que nada pode ser feito até que FHC seja reeleito, mas é impossível impedir que se especule em relação ao rumo de seu segundo mandato.




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