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CELSO PINTO
Argentina repete
manobra do Brasil
Nas últimas duas semanas,
os títulos argentinos passaram por uma extraordinária
valorização no mercado internacional. Parece a antecipação
de um provável sucesso da megaoperação de troca de papéis
argentinos, mas não é. Por trás
da valorização está uma manipulação no mercado muito parecida à manobra feita pelo
Banco Central do Brasil em outubro de 1998.
Nos dois casos, investidores e
especuladores em papéis do governo acabaram "encurralados" por um grande comprador:
o próprio governo. Com falta de
papel para atender à demanda,
os títulos da dívida brasileira
(IDU), em 98, e da dívida argentina (FRB), nas últimas semanas, acabaram se valorizando,
apesar das incertezas.
A manobra brasileira foi um
sucesso temporário. Segurou os
preços até janeiro, mas não evitou a crise cambial. No caso da
Argentina, existem dúvidas importantes sobre o "day after" da
megatroca de papéis, cujas condições serão anunciadas amanhã, que será completada na segunda-feira.
A operação com IDU, em outubro de 98, depois da crise da
Rússia, foi comandada pelo então presidente do BC, Gustavo
Franco. O BC fez, através de um
banco europeu, um "repo" gigante, de US$ 1,6 bilhão, usando
dinheiro das reservas, envolvendo os IDU. "Repo" é uma operação de compra de algum título
com compromisso de revenda.
Depois da crise russa, muitos
passaram a apostar na desvalorização do real, mas não era fácil, devido às restrições internas
no Brasil. Uma forma de aposta
era ficar "short" no papel brasileiro, ou vendido a descoberto.
Por exemplo, uma instituição
toma emprestado ("aluga") um
IDU de outra por, digamos, um
mês. Vende o IDU no mercado à
vista. Na liquidação, compra
um IDU no mercado para devolver. A aposta é que, com a
crise, comprará o IDU mais barato e embolsará o lucro. Existem outras formas de aposta, como venda para entrega futura,
mas ficar "short" é o mais comum e vale hoje para a Argentina.
Com o "repo" gigante do BC, o
mercado de IDU encolheu.
Além disso, o BC proibiu a central de custódia de alugar os papéis do "repo", uma operação
corriqueira, mas que depende
da concordância do dono do papel. De repente, quem estava
"short" não encontrou mais o título. Algumas operações chegaram a ficar tecnicamente em
"default", levando a reuniões de
emergência da associação dos
"traders" (EMTA). Com o mercado encurralado, o papel atravessou a turbulência pré-crise
cambial estável ou mesmo com
alguma valorização.
O mercado vê uma situação
parecida com o que está acontecendo nas últimas semanas com
os títulos argentinos. Não se sabe ao certo se quem está por trás
das compras são os sete grande
bancos que estão montando a
megatroca ou o BC argentino.
Suspeita-se que seja o governo.
Os bancos têm uma ótima razão para apoiar o governo e ajudar a valorizar os papéis antes
da troca. Se a troca chegar aos
US$ 20 bilhões previstos, a comissão dos bancos ficará em uns
US$ 130 milhões. Será o negócio
do ano, quando se considera
que comissões nessa área em
grandes bancos, num ótimo
ano, não costumam superar
US$ 15 milhões. Os sete incluem
um argentino, o Galícia, e seis
estrangeiros: HSBC, CSFB, Santander, BBVA, JP Morgan/Chase e Citigroup.
Os FRB têm pago, nos últimos
anos, um prêmio de risco inferior ao do C-Bond brasileiro.
Com o agravamento da crise argentina, em março, o prêmio do
FRB disparou acima do C-Bond
(veja o gráfico). Há duas semanas, o prêmio estava em quase
1.300 pontos-base de porcentagem. Desde então, o risco chegou a despencar 500 pontos-base. Os FRB voltaram a ficar
abaixo dos C-Bonds, mais por
sua melhora do que pelo aumento do risco do papel brasileiro.
Ficou mais difícil comprar ou
alugar títulos argentinos, dificultando a vida dos especuladores. Uma opção foi passar a especular contra o Brasil. Um
banqueiro diz que dois "hedge
funds", os fundos mais especulativos, passaram a especular contra papéis brasileiros e o real,
apostando que problemas na
Argentina levarão, automaticamente, a problemas no Brasil.
Até agora acertaram -e a crise
da energia acabou sendo uma
ajuda extra.
A valorização dos papéis argentinos é uma pré-condição
importante para o sucesso da
megatroca, para impedir que os
juros dos novos papéis, mais
longos, sejam altos demais.
Grandes bancos e fundos de
pensão têm interesse no sucesso
da troca, até porque a alternativa é uma moratória desastrosa
para eles. A dúvida é saber como será o dia seguinte. Um título com o mesmo valor, mas vida
média maior, tem um valor de
risco (VAR) maior. Ou seja, é
contabilizado como uma exposição de risco maior.
Como os bancos compradores
são estrangeiros, seus limites de
risco são dados no exterior e a
megatroca pode colocar algumas instituições em situação
pouco confortável. O sucesso da
troca se medirá não só pelo seu
tamanho, mas conferindo se os
novos papéis não se desvalorizarão no mercado secundário por
venda maciça dos participantes
na troca. A Rússia, em 98, afundou depois que uma operação
parecida naufragou no mercado secundário.
E-mail - CelPinto@uol.com.br
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