São Paulo, quinta-feira, 31 de maio de 2001

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CELSO PINTO

Argentina repete manobra do Brasil

Nas últimas duas semanas, os títulos argentinos passaram por uma extraordinária valorização no mercado internacional. Parece a antecipação de um provável sucesso da megaoperação de troca de papéis argentinos, mas não é. Por trás da valorização está uma manipulação no mercado muito parecida à manobra feita pelo Banco Central do Brasil em outubro de 1998.
Nos dois casos, investidores e especuladores em papéis do governo acabaram "encurralados" por um grande comprador: o próprio governo. Com falta de papel para atender à demanda, os títulos da dívida brasileira (IDU), em 98, e da dívida argentina (FRB), nas últimas semanas, acabaram se valorizando, apesar das incertezas.
A manobra brasileira foi um sucesso temporário. Segurou os preços até janeiro, mas não evitou a crise cambial. No caso da Argentina, existem dúvidas importantes sobre o "day after" da megatroca de papéis, cujas condições serão anunciadas amanhã, que será completada na segunda-feira.
A operação com IDU, em outubro de 98, depois da crise da Rússia, foi comandada pelo então presidente do BC, Gustavo Franco. O BC fez, através de um banco europeu, um "repo" gigante, de US$ 1,6 bilhão, usando dinheiro das reservas, envolvendo os IDU. "Repo" é uma operação de compra de algum título com compromisso de revenda.
Depois da crise russa, muitos passaram a apostar na desvalorização do real, mas não era fácil, devido às restrições internas no Brasil. Uma forma de aposta era ficar "short" no papel brasileiro, ou vendido a descoberto. Por exemplo, uma instituição toma emprestado ("aluga") um IDU de outra por, digamos, um mês. Vende o IDU no mercado à vista. Na liquidação, compra um IDU no mercado para devolver. A aposta é que, com a crise, comprará o IDU mais barato e embolsará o lucro. Existem outras formas de aposta, como venda para entrega futura, mas ficar "short" é o mais comum e vale hoje para a Argentina.
Com o "repo" gigante do BC, o mercado de IDU encolheu. Além disso, o BC proibiu a central de custódia de alugar os papéis do "repo", uma operação corriqueira, mas que depende da concordância do dono do papel. De repente, quem estava "short" não encontrou mais o título. Algumas operações chegaram a ficar tecnicamente em "default", levando a reuniões de emergência da associação dos "traders" (EMTA). Com o mercado encurralado, o papel atravessou a turbulência pré-crise cambial estável ou mesmo com alguma valorização.
O mercado vê uma situação parecida com o que está acontecendo nas últimas semanas com os títulos argentinos. Não se sabe ao certo se quem está por trás das compras são os sete grande bancos que estão montando a megatroca ou o BC argentino. Suspeita-se que seja o governo.
Os bancos têm uma ótima razão para apoiar o governo e ajudar a valorizar os papéis antes da troca. Se a troca chegar aos US$ 20 bilhões previstos, a comissão dos bancos ficará em uns US$ 130 milhões. Será o negócio do ano, quando se considera que comissões nessa área em grandes bancos, num ótimo ano, não costumam superar US$ 15 milhões. Os sete incluem um argentino, o Galícia, e seis estrangeiros: HSBC, CSFB, Santander, BBVA, JP Morgan/Chase e Citigroup.
Os FRB têm pago, nos últimos anos, um prêmio de risco inferior ao do C-Bond brasileiro. Com o agravamento da crise argentina, em março, o prêmio do FRB disparou acima do C-Bond (veja o gráfico). Há duas semanas, o prêmio estava em quase 1.300 pontos-base de porcentagem. Desde então, o risco chegou a despencar 500 pontos-base. Os FRB voltaram a ficar abaixo dos C-Bonds, mais por sua melhora do que pelo aumento do risco do papel brasileiro.
Ficou mais difícil comprar ou alugar títulos argentinos, dificultando a vida dos especuladores. Uma opção foi passar a especular contra o Brasil. Um banqueiro diz que dois "hedge funds", os fundos mais especulativos, passaram a especular contra papéis brasileiros e o real, apostando que problemas na Argentina levarão, automaticamente, a problemas no Brasil. Até agora acertaram -e a crise da energia acabou sendo uma ajuda extra.
A valorização dos papéis argentinos é uma pré-condição importante para o sucesso da megatroca, para impedir que os juros dos novos papéis, mais longos, sejam altos demais. Grandes bancos e fundos de pensão têm interesse no sucesso da troca, até porque a alternativa é uma moratória desastrosa para eles. A dúvida é saber como será o dia seguinte. Um título com o mesmo valor, mas vida média maior, tem um valor de risco (VAR) maior. Ou seja, é contabilizado como uma exposição de risco maior.
Como os bancos compradores são estrangeiros, seus limites de risco são dados no exterior e a megatroca pode colocar algumas instituições em situação pouco confortável. O sucesso da troca se medirá não só pelo seu tamanho, mas conferindo se os novos papéis não se desvalorizarão no mercado secundário por venda maciça dos participantes na troca. A Rússia, em 98, afundou depois que uma operação parecida naufragou no mercado secundário.
E-mail - CelPinto@uol.com.br


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