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JANIO DE FREITAS
A verba privilegiada
As pessoas finas dizem que
não se deixa pergunta sem
resposta, e às vezes vale o esforço
para imitá-las. Na assinatura de
um convênio sobre preços para a
publicidade governamental, Fernando Henrique Cardoso disse
que, diante desse tipo de gasto,
"precisa se perguntar se [ele ou o
governo" está gastando bem ou
mal".
Preliminar conveniente: trata-se de gasto pago com dinheiro recolhido dos contribuintes, por intermédio de impostos entre os
mais altos do mundo, e destinado
pela legislação a retornar ao contribuinte sob a forma de serviços
do Estado.
A resposta é dada pelo próprio
governo, de diferentes maneiras.
Uma delas está no próprio convênio, ao dividir a publicidade governamental em dois gêneros: a
tida como de utilidade pública
(campanhas de vacinação e editais, entre outros), que receberá os
descontos conveniados, e a de
conveniência do governo ou do
governante, posta sob o tão generoso quanto impróprio nome de
institucional.
A simples diferenciação já indica que por uma parte é possível
que o governo "gaste bem", dando ao dinheiro recolhido do contribuinte uma finalidade útil ao
contribuinte mesmo. A outra parte, porém, convém à promoção do
governo e, portanto, aos propósitos políticos do governante, seja
este o presidente, um ministro e
até muitos de escalão mais baixo.
Seria equivocado, porém, admitir desde logo que o gasto com publicidade dita de utilidade pública é "gastar bem". Muito pelo
contrário. Grande parte desse
gasto não é apenas mal, é péssimo
e, com frequência, de honestidade
muito duvidosa. Campanha de
vacinação é sempre citada como
exemplo de bom gasto, e Fernando Henrique não perdeu a oportunidade do lugar-comum. É um
dos mais claros exemplos, no entanto, em sentido contrário.
Jornais, TVs, rádios, revistas, todos na mídia brasileira divulgam
sempre, e sem restrições de espaço
e de tempo, sem custo algum para
os cofres públicos, persistente noticiário sobre a necessidade, os
programas, as datas e prazos de
vacinação contra paralisia infantil, gripe dos idosos, dengue ou o
que mais apareça neste país sem
saneamento básico. Para isso,
nem precisa haver solicitação, havendo na mídia brasileira obsessão até exagerada, e em muitos
casos inutilmente onerosa, com a
chamada prestação de serviços.
As campanhas do governo, pagas, sobrepõem-se às campanhas
do noticiário, gratuitas. Os anos
de ênfase na vacinação contra a
paralisia infantil deixaram demonstração definitiva, com seu
gasto governamental ínfimo e só
para o indispensável, da eficiência expontânea da mídia.
Pior do que o gasto em si, muitas dessas campanhas não têm, de
fato, senão a finalidade de agraciar parte da mídia, como maneira pouco visível de adquirir tratamentos condescendentes ou mais.
O método, ninguém duvide, é
muito eficiente. E tem deixado
exemplos grandiosos nos últimos
anos, inclusive como ação preparatória de candidaturas.
Se a publicidade dita de utilidade pública assegura o gasto justificado, consequente e honesto,
muito menos o faria a publicidade "institucional". Está respondida a pergunta. Há, porém, outra
modalidade de resposta. O deputado Agnelo Queiroz proporcionou à Folha, que os publicou anteontem, dados de gastos do governo inscritos no seu sistema oficial de contabilização, o Siafi. Só
para relembrar, já que a eloquência dos números nem precisa
mais do que isso: o governo do
presidente indagante já liberou,
até meado de maio, R$ 115,5 milhões para sua publicidade (ou
78,5% do previsto no Orçamento
da União), mas só R$ 70 milhões
para investimentos na Saúde
(2,87% do previsto), R$ 117 mil
para os projetos de saneamento
básico (0,0098% do previsto),
0,36% para manutenção de estradas, 3,54% para desenvolvimento
do ensino médio.
A isso, como complemento bastará lembrar um dos muitos cortes de despesa: toda a verba prevista para o Fundo da Pobreza.
O que governo está fazendo com
a imensidão do gasto em publicidade é muito mais do que apenas
"gastar mal".
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