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INFÂNCIA ROUBADA, UM ANO DEPOIS
Crianças do garimpo seguem
trabalhando até receber bolsa
MARIO CESAR CARVALHO
enviado especial a Ariquemes (RO)
Se tudo der certo, é o começo do
fim do mais degradante tipo de
trabalho infantil catalogado no
Brasil. Foi inaugurada ontem no
garimpo do Bom Futuro (RO)
uma escola para retirar 263 crianças de 7 a 14 anos do trabalho.
Em vez de chafurdarem na lama
vermelha à procura de cassiterita,
recebendo de R$ 100 a R$ 150, vão
receber uma bolsa de R$ 50 por
mês para frequentar a escola durante o dia todo.
A idéia é erradicar o trabalho infantil no garimpo com uma política de parcerias. O governo federal,
por meio da Secretaria de Assistência Social, banca a bolsa.
A Prefeitura de Ariquemes, município onde fica o garimpo, a 360
km de Porto Velho, gastou R$ 58
mil com mão-de-obra para levantar a escola de seis salas para 150
alunos, com cozinha industrial e
sala de professores com TV e antena parabólica.
E a Ebesa (Empresa Brasileira de
Estanho S/A), que detém o direito
de lavra do garimpo e se beneficiava com o trabalho das crianças,
deu R$ 60 mil para a compra do
material de construção.
O valor equivale a menos de um
dia do faturamento da Ebesa em
97 -R$ 28,3 milhões no ano ou
R$ 77,5 mil por dia. Mas é a primeira vez que uma empresa ajuda
a construir uma escola para erradicar o trabalho infantil no país.
O trabalho continua
Acaba aí a boa notícia. Às vésperas da inauguração da escola e da
implantação do programa de bolsas, um dos xodós da política social do governo Fernando Henrique Cardoso, as crianças do garimpo continuavam trabalhando.
A primeira parcela da bolsa será
paga dia 30 de junho.
Leandro de Jesus, 11, e seu sobrinho Joni de Jesus, 6, são exemplos
extremos dessa prática. Em 1º de
maio de 97, eles apareceram na capa do caderno especial "Infância
Roubada", publicado pela Folha.
Leandro e Joni trabalhavam sob
uma máquina de mais de 20 toneladas, catando restos de cassiterita
para sustentar a casa. Passavam o
dia debaixo d'água, usada para para separar a terra da cassiterita. A
mãe de Leandro teve malária, vive
doente e mal consegue trabalhar.
Um ano depois, mudaram duas
coisas na vida da dupla. Leandro e
Joni (pronuncia-se Djoni, como
no inglês) foram expulsos da máquina e entraram para a escola.
Mas continuam trabalhando em
outros barrancos atrás de cassiterita, metal com o qual é feito o estanho usado em soldas.
"Se a gente não trabalhar não
tem o que comer", diz Leandro.
Com pequenas mudanças, é o que
dizem todos os garotos que trabalham -300 entre 7 e 14 anos e 400
entre 14 e 18, segundo levantamento da Delegacia Regional do
Trabalho de Rondônia. O garimpo, que já teve 25 mil pessoas no
final dos anos 80, tem hoje 1.500
habitantes.
Bom Futuro espelha a força e a
fraqueza do programa Bolsa Escola. Sua força é estancar o trabalho
infantil assim que o dinheiro chega à família -se a criança continuar trabalhando, perde o benefício. A fraqueza do programa é
que, bastou a bolsa atrasar, para as
crianças voltarem para o batente.
Os sem-documento
Outra fraqueza do programa é o
tratamento burocrático dado à
miséria. Oito garotos entrevistados pela Folha não vão receber a
bolsa porque não têm certidão de
nascimento. Um cartório foi enviado ao garimpo e emitiu 300 certidões. Mas quem perdeu o cartório perdeu a bolsa.
"Tentei tirar documento, mas
minha mãe não tinha nada para
provar que era minha mãe", conta Maicon dos Santos, 10. Joni de
Jesus também não receberá a bolsa
por não ter documentos.
"A bolsa é estratégica na ação
emergencial, mas o governo precisa criar uma política de longo prazo para melhorar a renda das famílias. Sem isso não se erradica
trabalho infantil", diz Caio Magri,
do programa Empresa Amiga da
Criança da Fundação Abrinq.
Já que o governo federal não dá
sinal da tal política de longo prazo,
o secretário de Educação de Ariquemes, Isaías Vieira dos Santos,
busca alternativas.
A Ebesa vai distribuir 250 lotes
para os pais das crianças num assentamento ao lado da escola.
A idéia de Santos é criar cursos
profissionalizantes para os garimpeiros. Ele sonha com cursos de
plasticultura -a agricultura associada ao uso do plástico, como fazem os agricultores mais modernas. "O curso profissionalizante
pode romper o círculo da miséria", acredita.
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