São Paulo, domingo, 31 de maio de 1998

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ELIO GASPARI
Números da tunga da saúde no Rio

Tungaram o dinheiro do povo na rede de hospitais federais do Rio de Janeiro. As cifras de 107 contratos de fornecimento de mercadorias e serviços fornecidas ao sistema de controle do Ministério da Saúde sugerem que estão acontecendo coisas esquisitas nesses hospitais. Pelo seguinte:
A administração do hospital de Jacarepaguá informou ao sistema de contabilidade oficial que pagou R$ 1,75 por metro cúbico de oxigênio liquido. Quando esse mesmo oxigênio foi comprado pelo hospital de Bonsucesso, ele informou que custou R$ 11. Numa mesma cidade, uma mesma mercadoria variou em 495%. Diferença de fornecedor? Não. A empresa White Martins fez as duas vendas. Diferença de tamanho da encomenda? Também não. Para níveis de consumo semelhantes ao de Bonsucesso, que pagou R$ 11, o hospital dos Servidores do Estado desembolsou R$ 7,50.
Outro tipo de oxigênio chegou a variar 1.592% entre os hospitais de Jacarepaguá, que pagou barato, e dos Servidores, que pagou caro.
Um quilo de óxido nitroso vendido pela AGA ao hospital de Jacarepaguá por R$ 8,99 foi contabilizado por R$ 17,50 no Andaraí. Tamanha disparidade só pode ser entendida sabendo-se que esse produto também é conhecido como gás hilariante.
No mundo dos produtos químicos, ocorreu uma coincidência. De acordo com um levantamento do Ministério da Saúde, a White Martins forneceu sete tipos de mercadorias. Os hospitais de Jacarepaguá e Nova Iguaçu informaram os menores preços. Nos três casos, o Hospital dos Servidores pagou mais caro pela mercadoria. Por exemplo, o nitrogênio saiu por R$ 6,50 o metro cúbico em Nova Iguaçu e a R$ 14,40 no dos Servidores.
Um papelório organizado pela Secretaria de Controle Interno do Ministério da Saúde informa que há indícios de superfaturamento em quatro tipos de contrato (para oxigênio, ar comprimido, acetileno e gás hilariante). Três deles se relacionam com a White Martins (todos vencidos) e um com a AGA (vigente).
Estão tungando o dinheiro do povo até em coisas elementares como lavagem de roupa, serviços de limpeza e alimentação.
Um quilo de roupa lavada custa R$ 0,90 na Policlínica do governo federal e R$ 4,10 no hospital do Andaraí. A hora de serviço de um vigilante custa R$ 7,45 na Policlínica e R$ 4,36 no hospital da Lagoa.
Estão mordendo a comida dos doentes. No hospital Pedro 2º, um café da manhã custa R$ 1,24 e um almoço ou jantar, R$ 3,82. São fornecidos pela empresa Comissaria Aérea. No hospital da Lagoa, onde o comideiro é a companhia Soares Lavrador, as refeições saem pelo dobro.
Um levantamento de 11 modalidades de despesas mostrou que o Hospital dos Servidores é o que mais gosta de pagar caro. Liderou os preços em seis casos. A melhor figura ficou com o Hospital de Nova Iguaçu, que em nenhum caso pagou mais caro e em três foi o que comprou barato.
Os hospitais federais do Rio custam à Viúva R$ 203 milhões por ano e provavelmente a vida da cidade ficaria melhor se custassem o dobro, desde que se conseguisse identificar os espertalhões que estão produzindo números tão estapafúrdios numa rede pública carente. O ervanário gasto nesses hospitais equivale a cerca de três meses de toda a ajuda federal às vítimas da seca. Supera, com folga, o orçamento da saúde de mais da metade dos Estados.

O Brasil não é bobo
FFHH baixou o salto alto de sua campanha pela reeleição, mas na entrevista coletiva que deu na quarta-feira, a melhor de todo o seu mandarinato, voltou a repetir um velho tique da demofobia do andar de cima.
Referindo à urucubaca da crise financeira internacional, disse o seguinte:
- O Brasil precisa acabar com essa mania de ser a bola da vez.
O Brasil quem, Grande Chefe Branco?
Não existe um ente político chamado Brasil. Existe um país, habitado por uma população com diversas manias, inclusive a de gostar mais de futebol do que de política. Fora daí, a coisa mais próxima que se pode achar é o Governo do Brasil. A única pessoa capacitada a falar em nome desse Brasil é o funcionário que exerce a Presidência da República e ele se chama Fernando Henrique Cardoso. Não fica bem que esse mesmo funcionário fale mal de uma coisa vaga que chama de "Brasil".
O Brasil não tem mania de ser bola da vez. Quem tem essa mania são economistas que criticam a política do governo. Podem estar certos ou errados. Na Tailândia e na Indonésia estavam certos. Durante a crise de outubro, no Brasil, estavam errados. Todos têm nome ou partido. Não é justo chamar o Brasil de bobo para atacá-los.

Quarteto de votos
Reuniram-se na segunda-feira FFHH, Antonio Carlos Magalhães, Tasso Jereissati e o publicitário Nizan Guanaes, sócio da agência DM9, encarregada de cuidar do visual da alma da campanha pela reeleição.
Ao fim do almoço, estavam dissipadas as nuvens que rondaram a posição de Guanaes na equipe eleitoral.
Foram dissipadas também muitas outras, grande e pequenas. Na lista das pequenas, desapareceu a possibilidade de o instituto de pesquisas Vox Populi vir a prevalecer sobre o serviço de Antonio Lavareda, veterano consultor de FFHH.
Apesar dos maus números das últimas pesquisas, FFHH está satisfeito com a solidez de sua posição nas sessões de psicanálise de povo, também conhecidas como avaliações qualitativas. São entrevistas com pequenos grupos de eleitores, onde se tenta entrar nas almas da clientela. A ferrugem dos últimos meses não corroeu sua imagem de competência e preparo.

Aula de emprego e desemprego
Uma recomendação de leitura para os candidatos à Presidência: a conferência que o empresário Paulo Cunha, presidente do Grupo Ultra, preparou para a platéia da Escola Superior de Guerra.
Cunha preside um grupo que faturou R$ 1,1 bilhão no ano passado, tem 8.000 empregados, e nos últimos seis anos desempregou outros 8.000. Já recusou três ministérios, duas vezes o da Fazenda e uma o da Indústria e Comércio.
A palestra mostra que a questão do emprego é mais simples do que supõe a vã filosofia de Brasília.
Para que a máquina social brasileira funcione direito, terá de gerar, a cada ano, até 2015 (no sexto mandato de FFHH), 1,3 milhão de empregos. É a cota necessária para se absorver o aumento da População Economicamente Ativa, a tal PEA dos economistas. Essa PEA cresceu a taxas de 2,7% ao ano entre 1991 e 1996, apesar de o crescimento demográfico ter ficado em 1,4%.
Isso acontece, entre outros motivos, por causa do impressionante afluxo das mulheres ao mercado de trabalho. No espaço de tempo de uma geração, as mulheres passaram de 18% da mão-de-obra, em 1960, para 38% em 1995.
Na década de 80, que se costuma chamar de "perdida", o Brasil criou 18,8 milhões de empregos (um aumento de 44%), contra 18,5 milhões nos Estados Unidos (18%) e 160 mil na França (0,2%). Esse colchão social foi fabricado por políticas protecionistas e não poderia durar, mas agora é o caso de pensar se convém incendiar a casa para trocar a roupa de cama.
Cunha sustenta que o Brasil deve criar um sistema duplo de busca da competitividade, assim como fazem os japoneses e os europeus. Nos dois casos, eles têm setores industriais aguerridos, mas garantem a mão-de-obra preservando atividades que dão emprego.
A lavoura do Japão é deliberadamente antieconômica, porque não se destina a exportar arroz, mas a empregar uma parte da população no seu cultivo. É mais fácil vender cocaína aos japoneses do que um quilo de arroz. O mesmo sucede com a carne. Na Itália, os hipermercados não podem se estabelecer em algumas cidades, pois a população preferiu manter o sistema tradicional das pequenas lojas, que podem até cobrar mais caro, mas dão empregos.
No Brasil estaria havendo uma louca cavalgada que gera mais desemprego do que competição. Um exemplo disso é o caso do prefeito Celso Pitta, que pretende tirar a empregabilidade de 13 mil cobradores de ônibus, substituindo-os por catracas eletrônicas. Na França, um sistema semelhante levou 10 anos para ser implantado. Não demorou porque é dificil montar uma catraca num ônibus, mas porque é dificil empregar os cobradores.
Os sábios da ekipekonômica podem dizer que esse sistema duplo é o disfarce de um retorno ao protecionismo. Fazem isso porque a maioria deles, como o Ministro do Trabalho, Edward Amadeo, não conhece uma pessoa desempregada. (Talvez eles não entendam porque os 1,5 milhão de desempregados de São Paulo não são convidados para lugares na diretoria de bancos.)
Ademais, a modernidade dessa turma mantém uma tarifa proibitiva de 30% para a importação de computadores, enquanto cobram só 11% para a compra de comida de gato americana.

ENTREVISTA

Patativa do Assaré
(Antônio Gonçalves da Silva, 89 anos, poeta.)

O que o senhor acha de FFHH?
Ele é muito sabido. Ele tem conhecimento profundo. Era bom para ser professor no estrangeiro, no lugar mais longe que tiver do Brasil. Ouça:
Sou caboclo do sertão.
Na minha vida precária,
Eu nunca tive paixão
Por política partidária.
Sou apenas eleitor
E dentro desse setor,
Não digo palavra nula.
Quem me ouvir ciente fique:
Não voto em Fernando Henrique
E o meu candidato é Lula.
O senhor viveu quase todas as secas deste século. A de agora é realmente grave?
Pode dar enxaqueca,
Pode doer o coração.
Mas ninguém conversa seca.
Só se fala em seleção.
O que o senhor acha que o governo deveria fazer?
Estou quase cego e surdo, vivendo meu restinho. Nesse tempo todo, nunca mudei planos. Sei que estou no fim, mas faço versos para o povo:
Antes do pleito,
Festa, rede e esgoto.
Depois do pleito,
Imposto e mais imposto.

Filé mignon
Estima-se que nos últimos três meses tenham saído US$ 500 milhões das Bolsas brasileiras. Nas últimas semanas, a saída tem sido de US$ 10 milhões por dia.
Nada a ver com falta de confiança na economia.
Boa parte desse ervanário saiu das aplicações de risco e foi para a sombra das aplicações de renda fixa, cuja engorda foi maior que a dieta das Bolsas.
Nada a ver com confiança na economia.
O que atrai os investidores estrangeiros e os investidores brasileiros que manipulam dinheiro guardado no estrangeiro é a linda taxa de juros que o governo lhes paga, sem risco algum.

Desempregabilidade
Na linha fina da pesquisa do Ibope/CNI, se pode ler que, para 65% dos entrevistados, o que mais mete medo diante da hipótese de perderem a empregabilidade é o risco de não terem dinheiro para pagar despesas básicas em suas casas. Ao contrário do que se pode supor no alto tucanato, despesa básica não é a prestação da BMW, mas a conta do supermercado.
Essa preocupação atinge 61% dos homens e 65% das mulheres.

A Copa e o astral
Por menos racional que pareça, está nos pés da seleção boa parte da tranquilidade política do governo. A conta é simples: uma vitória em Paris eleva o astral da galera, sem distinções de renda, credo ou zanga. Isso aconteceu em 1970 e se repetiu em 1994. Uma derrota, por menos que tenha a ver com política, baixa o astral e contunde a perna do otimismo em que se baseia todo o imaginário do governo.



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