|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Saquear mercearias é aberração, diz Stedile
Líder do MST nega partidarismo do movimento, afirma que, se fosse presidente, não admitiria protestos de latifundiários para não "manter privilégios" e revela acreditar em ETs
|
COSETTE ALVES
especial para a Folha
O que é o MST? O que pretende?
Quais os seus métodos?
Essas questões e muitas outras
reapareceram com o avanço dos
saques e invasões no Nordeste e as
manifestações em Brasília, que
mudaram o ambiente político e
colocaram novamente o Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST) em evidência.
O economista e dirigente do
MST, João Pedro Stedile, 45, respondeu à Folha, na sede do movimento em São Paulo: "É um movimento social que luta pela reforma agrária, não é partidário, que
só existe porque há pobreza. É um
movimento no qual quem manda
são milhares de pessoas".
É um movimento violento que
não receia usar a força quando necessário ou que garante a ordem
por meio da organização de protestos, saques e invasões?
"A violência no campo é maior
onde não existe o movimento disciplinado porque cai na espontaneidade. Nos últimos 15 anos, de
1.657 pessoas ligadas à luta pela
terra que foram assassinadas, só
39 eram vinculadas ao MST. A organização massiva inibe a violência", explica ele.
É um movimento que defende o
saque ao pequeno empresário?
"Não. Ficar entrando em pequena
mercearia é uma aberração. Mas a
fome é incontrolável."
E a invasão de terras produtivas?
"O MST é contra. O Brasil pode
fazer reforma agrária sem mexer
com quem está produzindo."
E qual seria a posição do líder
Stedile em relação a invasões e
protestos se chegasse a presidente
da República? "Eu admitiria. Só
não admitiria protestos de latifundiários. Porque aí seria manter
privilégios."
Gaúcho da comunidade Chimarrão, em Lagoa Vermelha (RS),
Stedile revela que acredita em
Deus, em reencarnação e na vida
em outros planetas.
Folha - Apesar do relatório da
Polícia Federal, o MST está sendo
responsabilizado pelo governo por
saques e invasões.
Stedile - O governo sabe que a
seca, assim como a cerca do latifúndio, são problemas sociais. Sabe que, para resolvê-los, precisaria
priorizar um programa de governo voltado para erradicá-los estruturalmente. O governo FHC escolheu o caminho mais fácil: colocar
a culpa nos movimentos sociais
que organizam os pobres. É uma
prova da idiotice das nossas elites,
da burrice da atual equipe de governo e da perseguição ao MST.
Folha - O MST é um movimento
político?
Stedile - O presidente Fernando Henrique deu essa declaração
típica de época de campanha eleitoral. Ele sabe e já escreveu no seu
livro que o MST é fundamentalmente um movimento social. É
óbvio que, na luta pela terra e pela
reforma agrária, adquire ao mesmo tempo características de movimento popular, sindical e político.
Como sociólogo, ele sabe que o
nosso caráter é político, mas não
somos um movimento partidário.
Na nossa base, os sem-terra estão
nos mais diferentes partidos.
Folha - Se seu pedido de prisão
preventiva tivesse sido acatado, o
sr. tentaria fugir?
Stedile - Eu me submeteria.
Apesar de meus amigos que já estiveram presos dizerem que ficar
sem liberdade é o pior sacrifício do
mundo. Não teria problema nenhum em acatar decisão porque
estou absolutamente seguro da
minha inocência. Minha prisão
serviria ainda mais como uma espécie de pressão social para que o
governo tome medidas para resolver o problema da seca e do Nordeste. O juiz que rejeitou o pedido
salvou o governo. Se eu tivesse sido preso, as consequências políticas teriam sido bem piores.
Folha - O MST é acusado de promover, explorar a miséria com alguns objetivos políticos...
Stedile - O MST só existe porque existe uma situação social de
pobreza e calamidade. O Lula foi
muito feliz, quando disse: "Se não
houvesse o MST, em algumas regiões do país nós teríamos uma
guerra civil". A pior coisa que tem
é o pobre desorganizado. Aí ele
aplica as saídas individuais. E as
saídas individuais para o pobre são
o que ele vê na televisão todos os
dias. Banditismo, assaltos, prostituição e narcotráfico. Quando o
pobre não encontra uma organização social, no sentido de superar as
dificuldades da vida, cai na marginalidade. O MST não tem interesse
em utilizar a miséria para aparecer. Vivemos dizendo para os pobres que eles têm que se organizar.
Nenhum governo entrega de mão
beijada os direitos aos pobres.
Folha - O sr. influiu no sequestro
dos caminhões no Nordeste, nos
saques e nas invasões de bancos?
Stedile - De maneira alguma.
Mesmo que eu quisesse. Às vezes
os companheiros estão em um Estado ocupando um Incra. Estou
em São Paulo acompanhando a
conjuntura política. Sou sabidão e
digo: "Companheiro, na minha
avaliação você estar dentro do Incra é uma cagada. Se eu estivesse aí
não ocuparia". Eles me respondem: "Já fizemos uma assembléia
nos acampamentos. O Incra já
prometeu dezenas de vezes. Nossa
base decidiu que vai ocupar o Incra". Mesmo que eu quisesse influir não tenho autoridade legal e
moral para fazê-lo. Não existe na
história da humanidade um movimento que tenha ganho perenidade se não preservar suas bases.
Folha - O sr. acha justo saquear
um pequeno empresário que vê
seu esforço destruído em minutos?
Stedile - Somos contra e já nos
manifestamos. Ficar entrando em
pequena mercearia, em pequenos
supermercados, é uma aberração.
Agora, a fome é incontrolável. Essas mercearias e pequenos supermercados atingidos podem ter
certeza de que não havia participação do MST. Era espontâneo.
Folha - O sr. não tem medo de
que o movimento fique muito violento e fora do controle do MST?
Stedile - Nenhum medo. A violência no campo é maior onde não
existe o movimento disciplinado
porque cai na espontaneidade e aí
os dois lados são incontroláveis.
Por exemplo, nestes 15 anos do
MST foram assassinadas 1.657 lideranças, trabalhadores e advogados no campo, além de dois deputados estaduais ligados a luta pela
terra. Desses, apenas 39 eram vinculados ao MST. A organização
massiva inibe a violência.
Folha - O sr. já teve dúvidas sobre as táticas do MST?
Stedile - Nossa causa é justa.
Sobre isso nunca tivemos dúvidas.
Pode falar com o Delfim Netto,
Geisel, Celso Furtado, com quem
você quiser, todo mundo concorda. As dúvidas afloram é nas táticas porque aí é uma questão da luta política do dia-a-dia. O governo
vai mudando suas táticas, os fazendeiros do latifúndio improdutivo vão mudando suas táticas. É
um contínuo exercício de o que fazer para errar menos.
Folha - Sinceramente, as invasões e saques não aumentaram
por ser um ano eleitoral?
Stedile - Cara a cara, sem nenhum proselitismo, isso é propaganda contra nós. Os anos eleitorais atrapalham o MST. Não temos
com quem negociar, porque o superintendente do Incra lá é nomeado por um deputado federal
que está no governo.
Folha - Dá para o sr. descrever o
ambiente entre as pessoas na véspera de uma invasão?
Stedile - As pessoas ficam alegres. É uma festa fazer uma ocupação como ir a um jogo de futebol.
O clima de tensão aparece quando
se tem notícia que a polícia vai vir.
O fato de muita gente estar junta
- crianças, velhos, famílias- gera unidade e solidariedade.
Folha - O MST é a favor da invasão de terras produtivas?
Stedile - Não. O MST é contra.
Nós, na Constituinte de 87/88, tomamos a iniciativa de apresentar
uma proposta de reforma agrária
popular com 1,6 milhão de assinaturas, na qual estabelecíamos inclusive o tamanho de terra mínimo. Abaixo de 500 hectares, no
Sul, seria proibido desapropriar. O
Brasil pode fazer reforma agrária
sem mexer com quem produz.
Folha - Em qual esquerda está o
MST? Na tradicional ou na nova?
Stedile - Não quero fugir de
respostas, mas nós não gostamos
de rótulos. Somos um movimento
social novo porque estamos procurando inovar os métodos. Queremos construir um movimento
social que tenha força política e
que consiga organizar as pessoas.
Folha - Qual o seu candidato à
Presidência da República?
Stedile - O Lula.
Folha - Se o Lula for eleito presidente, as invasões continuam?
Stedile - O Lula ganhando, vão
continuar as ocupações porque
vão continuar havendo latifúndios, que não vão acabar do dia para a noite. Vai continuar a ter gente
sem terra, porque é impossível resolver o problema da terra num
ano. Então, obviamente as ocupações vão continuar porque são um
problema social. É a mesma coisa
se você dissesse assim: "Bem, agora vou colocar o Vicentinho como
ministro do Trabalho do Lula e as
greves vão terminar". Claro que
não, enquanto tiver empresário
que paga salário baixo e tiver operário insatisfeito, independentemente do governo. Em alguma fábrica vai estourar greve. É a mesma situação com as ocupações.
Folha - Se o sr. fosse presidente,
como lidaria com invasões, saques
e protestos?
StedileSe a situação fosse como
hoje, eu admitiria. Só não admitiria protestos de latifundiários.
Porque aí seria manter privilégios.
Folha - O que vocês conseguiram
de fato com essas pressões?
Stedile - Já conseguimos muito.
Os assentamentos vão mais rápido
do que nos governos anteriores,
embora não na velocidade necessária. Houve avanços também em
termos de recursos para a produção. Na época do Collor e do Itamar, era ridículo o volume de financiamento. Agora aumentou,
mas ainda é insuficiente. Houve
várias conquistas, mas o problema
é tão grande que os recursos são
aquém das necessidades.
Folha - O sr. é economista. O que
achou do fim da inflação?
Stedile - Não ter inflação é uma
coisa boa. Mas, no Brasil, foi depositado o peso só sobre os pobres e a
agricultura. Os mais beneficiados
foram os banqueiros e as grandes
multinacionais. A concentração
de renda e de terra aumentou.
Acho que seria possível adotar políticas econômicas que controlassem a inflação, mas descarregassem o peso sobre as elites.
Folha - Quais as idéias de um modelo de governo alternativo?
Stedile - Primeiro, temos que
romper a dependência externa e
reconstruir o mercado interno
brasileiro. É idiotice imaginar que
o nosso desenvolvimento virá do
mercado externo. Ele pesa no máximo 10% da nossa economia.
Segunda idéia chave: tem que
distribuir renda. A desigualdade
social do Brasil é a maior do mundo. É preciso distribuição de renda, que se faz aumentando os salários, impondo impostos sobre
grandes fortunas, criando mecanismos de maior justiça social.
Terceira idéia forte: o Brasil precisa se livrar desse domínio do capital financeiro. Esse capital que
vai e vem, que tomou conta da
nossa economia só para especular.
Outro problema é o Nordeste. O
Estado brasileiro sempre administrou os recursos públicos para os
coronéis. Se o Estado olhar para os
pobres, é simples resolver.
Quinto problema: o latifúndio
tem que acabar. Ele é incompatível
com o desenvolvimento do país e
com a justiça social do campo.
Essas são idéias chaves para o
novo projeto.
Folha - O sr. é contra o regime
capitalista?
Stedile - Sou contra a pobreza e
sou contra a desigualdade social.
Sou a favor de que todos tenham
os mesmos direitos, pobres e ricos.
Sou a favor de que todos tenham
direito a educação. Temos que lutar por um regime que garanta conhecimento, educação para todas
as pessoas e aí eu tenho certeza de
que essas pessoas saberão construir um sistema econômico mais
justo. O nome, se é capitalismo social-democrata, um socialismo
humanizado, não importa. O que
importa é o que acontece com a vida da pessoas.
Folha - Em Viena, o sr. desaconselhou os europeus a investirem
no Brasil. Isso ajuda o país?
Stedile - Um dos problemas
que nós temos hoje no Brasil é o
capital financeiro especulativo que
vem aqui para pegar os 28% de juros, que é maior taxa de juros do
mundo, e vai embora. Entre 93 e
97, o Brasil pagou em juros e
amortização da dívida externa
US$ 113 bilhões. Nesse mesmo período, o superávit da nossa balança comercial foi de US$ 7 bilhões.
O Brasil é exportador de capital. Se
um empresário austríaco quiser
vir para o Brasil montar uma fábrica, trazer suas máquinas ou emprestar dinheiro para o empresário brasileiro, eu sou a favor.
Folha - Quem manda no MST?
Stedile - É um dos nossos segredos, mas eu conto para todo
mundo. Estudando outros movimentos camponeses aprendemos
que um dos motivos de os movimentos camponeses serem derrotados é a centralização em alguma
liderança. O MST, desde o início,
criou uma forma de direção coletiva, que vem desde a base de um
município, acampamento, assentamento, até direções estaduais e
nacional. O fato de eu estar na direção nacional não significa que eu
tenha autoridade sobre a direção
de um acampamento. Eles tem total autonomia. Quem manda são
milhares de pessoas envolvidas em
mil e uma atividades.
Folha - Quantas pessoas fazem
parte do MST?
Stedile - Outro segredo. Fugimos dessa burocracia de ter uma
instituição com processo de afiliação. Isso a torna mais burocrática.
Folha - Se eu quiser me juntar ao
MST, como faço? Como conseguir
um pedaço de terra?
Stedile - Tu tens que lutar. Tu
tens que entrar numa comissão lá
no teu município, que começa a
discutir as leis a que tu tens direito
e aí começa. Vai numa ocupação
ou num acampamento para exigir
do governo a desapropriação de
uma fazenda. Entra qualquer um
que queira lutar e trabalhar.
Folha - Existem muitas brigas e
violência nos acampamentos?
Stedile - Existem regras que
eles mesmo fazem porque aí as respeitam. Depois que começam a
participar e percebem a oportunidade que têm na terra, fazem a reflexão: "Eu voltei a ser cidadão".
Eles têm código de comportamento. Os que desrespeitam, eles decidem em assembléia e expulsam.
Folha - Qual o número de acampamentos, pessoas e famílias?
Stedile - Temos 300 acampamentos, 55 mil famílias e 250 mil
pessoas, aproximadamente.
Folha - Como ingressou no MST?
Stedile - Quando eu estava no
terceiro ano da faculdade de economia, fui trabalhar na Secretaria
da Agricultura. Estudava e trabalhava. Aí aconteceu um fato que
deu origem a minha entrada no
MST. Os índios caigangue, depois
de muitos anos de convivência pacífica com posseiros, resolveram,
da noite para o dia, expulsar 1.200
famílias que tinham invadido a reserva. Os agricultores perderam
tudo, acamparam na beira da estrada e começaram a querer reagir.
Ia ser um massacre. Felizmente,
veio a polícia e ficou no meio dos
dois. O governo entrou e fui para
lá. Alguns posseiros foram para
outros lugares, muitos gaúchos ficaram e o MST foi surgindo. Eu saí
da Secretaria da Agricultura. Depois de 3 ou 4 anos, o MST se nacionalizou, fui eleito diretor e vim
para São Paulo. Isso faz 8 anos.
Folha - Uma pergunta a si mesmo.
Stedile - Porque misturam tanto o futebol com a reforma agrária?
E as pessoas, na base, misturam.
Nós usamos muito, nos cursos de
formação, as historinhas do futebol. De certa forma, a luta pela reforma agrária é um grande campeonato. De vez em vez, jogamos
uma partida... com os latifundiários, com o governo. Temos que
ganhar o jogo, mas o outro lado
tem um time que quer nos derrotar. Isso é uma boa didática para
evitar o espontaneísmo e não cair
no idealismo: "Só porque eu quero, então vai acontecer". Não. Do
outro lado tem um time que não
quer que tu faças gol. Existe uma
luta com regras.
Folha - O que predomina nas
suas decisões? Lógica ou intuição?
Stedile - As duas coisas, mas a
intuição pesa mais. Aprendi, depois de levar tanto, que, no MST,
as decisões são coletivas. Mas sempre vou pela intuição. Quando tenho dúvidas espero, não arrisco.
Quando vem a sensação de certeza, vou em frente.
Folha - O sr. tem algum medo?
Stedile - Tenho medo de perder
o campeonato, de perder o jogo.
Folha - O sr. dorme bem?
Stedile - Durmo. E cedo, às dez
e meia.
Folha - Já perdeu o sono?
Stedile - Às vezes, quando há
muitos problemas, tensões...
Folha - O sr. acredita em Deus?
Stedile - Acredito. Sou cristão.
Folha - Acredita em céu, inferno,
vida após morte?
Stedile - Acredito numa reencarnação e quero voltar rapidinho.
Sou todo místico. A esquerda vai
ficar dando risada de mim.
Folha - O sr. acredita em vida nos
outros planetas?
Stedile - Acredito.Tenho certeza que tem. Tanto pelas argumentações científicas que já ouvi, como por fatos que as pessoas relatam e que seria muita imaginação
para inventar. No Rio Grande do
Sul, houve um caso que não teve
tanta notoriedade, pois as pessoas
achavam que era coisa de louco.
Um agricultor, em 1958, foi sequestrado por uma nave próximo
à região onde nasceu o MST. Ficou
15 dias fora. O sujeito voltou e narrou para as pessoas o que viu na
viagem. Pensaram que estivesse
louco e queriam interná-lo. Só ganhou credibilidade porque era de
origem alemã e parente dos Geisel.
Aí não sei qual dos Geisel, o da Aeronáutica pegou os escritos, levou
o rapaz para a Nasa e para a agência da Alemanha. Ele relatou tudo
que viu e acreditaram nele.
Folha - De onde vem sua crença
da vida em outros planetas?
Stedile - Seria um absurdo só
ter vida na Terra. O universo do
tamanho que é...
Folha - Como seriam os ETs?
Stedile - Imagino que sejam
mais solidários que os homens e
que entre eles não deve haver tanta
desigualdade. Devem estar mais
desenvolvidos do que a gente. A
Terra deve ser o inferno do universo. Os que ainda estão mais atrasados, mandam para cá.
Folha - Alguma experiência pessoal com extraterrestres?
Stedile - Não. Mas gostaria de
mandar um recado aí para os ETs:
se você lerem a Folha, saibam que
eu vou, desde que me tragam de
volta. E me ensinem mais umas
técnicas de como acabar com o latifúndio improdutivo.
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|