São Paulo, quarta-feira, 31 de julho de 2002

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TRANSIÇÃO NO ESCURO

Herrmann faz alusão a episódio em que presidente teve de entregar cargo a sucessor antes do final do mandato

Líder de Ciro vê "alfonsinização" de FHC

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

O deputado João Herrmann Neto, vice-presidente nacional do PPS, partido de Ciro Gomes, disse anteontem ao ouvido do presidente Fernando Henrique Cardoso que ele corre o risco de "alfonsinização".
É uma alusão ao fato de que o então presidente argentino Raúl Alfonsín, eleito em 1983, viu-se obrigado, em 1989, a antecipar em seis meses a entrega da faixa presidencial (a Carlos Saúl Menem) porque o país tornara-se ingovernável. A posse de Menem deveria ser em dezembro mas foi antecipada para julho.
"Há claramente essa hipótese no Brasil", disse Herrmann ontem à Folha, ao comentar sua conversa de segunda-feira com FHC, à margem do almoço oferecido ao presidente de Timor Leste, Xanana Gusmão, no Palácio da Alvorada.
É a primeira vez que um dirigente político de um dos partidos com chances de assumir a Presidência a partir de 1º de janeiro acena com a contaminação do cenário institucional pelas turbulências na área financeira -ainda mais falando diretamente com o presidente.

Recado
Herrmann puxou Fernando Henrique de lado para transmitir uma espécie de recado da candidatura Ciro Gomes: o presidente tem que conduzir democraticamente a transição, sob pena de perder o respeito da oposição.
O que quer dizer "conduzir democraticamente a transição"? Na prática, significa não ajudar além de certos limites a candidatura situacionista, a do senador tucano José Serra (SP).
Exemplo microeconômico: não controlar o preço do gás, ao contrário do que Serra pediu expressamente a Fernando Henrique. O caso do gás, no relato de Herrmann, foi citado diretamente ao presidente FHC.
Mas há elementos macroeconômicos mais relevantes, como não aumentar o déficit fiscal para empurrar o candidato do governo nem deixar que o câmbio escape inteiramente do controle, o que exigiria torrar reservas.
O raciocínio que Herrmann transmitiu ao presidente (e repassou ontem para Ciro Gomes) é o seguinte: nenhum dos candidatos de oposição pode ser avalista de um acordo com o FMI (Fundo Monetário Internacional), que está sendo colocado como a única maneira de conter eventualmente a crise financeira.
O único que pode fazê-lo é o próprio Fernando Henrique, desde que, sempre no raciocínio do deputado do PPS, não prefira adotar "mensagens eleitoreiras" que minem a possibilidade de acordo.

Acordo com o FMI
Nessa hipótese, acha Herrmann, o próprio FMI preferiria negociar o acordo com o futuro presidente, a partir de 28 de outubro, o dia seguinte ao segundo turno. É nesse caminho que viria a "alfonsinização" (Alfonsín também entregou o poder antecipadamente a um presidente que já estava eleito).
No fundo, o que o PPS cobrou de Fernando Henrique equivale a uma "alfonsinização" branca: continua presidente, mas delega a gestão econômica inteiramente a Pedro Malan, o ministro da Fazenda, e a Armínio Fraga, presidente do Banco Central, no pressuposto de que ambos seguiriam uma linha eminentemente técnica e não ajudariam o candidato do governo.
Já o presidente Fernando Henrique parece disposto a fazer todo o necessário para eleger Serra.
A Folha perguntou a João Herrmann Neto se não vê a hipótese de uma "alfonsinização" mesmo que FHC tenha o melhor dos comportamentos, por força da pressão dos mercados, que pode se tornar incontrolável.
"Profeta do caos eu não sou", escapou o líder do PPS na Câmara Federal.


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