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ELIO GASPARI
De geisel@gritodoipiranga.edu.br
para FH
Prezado professor,
É quase nenhuma a admiração que lhe dedico. Antes de
minha mudança para cá, havia
uma loja em Teresópolis vendendo manteiga francesa. Foi
coisa sua e desse rapaz, colega
de PUC da minha filha, o sobrinho-neto do general Malan.
Eu costumava dizer que antes
de 1930 o Brasil era tão atrasado
que importava manteiga. Pois
ao atraso voltamos. Apesar disso, acho que lhe devo alguns
subsídios para lidar com esse
trêfego secretário do Tesouro,
Paul O$Neill.
Tome cuidado com esse pessoal do Itamaraty. Imagine que
num telegrama banal ao presidente americano puseram um
"rogo que". O presidente do
Brasil não roga coisa alguma!
Esses americanos são uns bestas, mas não são bobos. Em 1976
eu recebi o professor Kissinger.
Ele era secretário de Estado e o
governo americano havia sobretaxado nossos calçados. À saída,
me convidou para ir aos Estados
Unidos. Eu lhe disse que só iria
quando não houvesse mais sobretaxa. Ele calou a boca.
Já tinham aparecido uns sujeitos pedindo que mandássemos sargentos negros para Angola. Eu lhes sugeri que mandassem os negros deles. Argumentaram que não falavam
português. Prontifiquei-me a
educá-los.
Eles são malandros. Estavam
nos oferecendo material bélico,
mas o negócio encrencou por
causa dessa prosódia de direitos
humanos. Oferecem uma exceção, desde que pública. Que fossem às favas. Queriam vender
sucata e passar por bonzinhos.
O Clinton deu-lhe a falsa impressão que os Estados Unidos
são amigos do Brasil. Enquanto
foi-lhes conveniente vender chiclete, foram bons parceiros. Até
para assegurar a sua reeleição.
Agora que o quadro é outro,
mandam-vos às favas. Eles querem botar o guiso no seu sucessor. Não deixe.
Em 1976 foi eleito aquele sacripanta do Jimmy Carter e
mandou a mulher dele me visitar oficialmente. Vinha com um
caderno de notas e parecia tomar exame. Recebi-a com fidalguia, pois era pago para isso.
Depois o marido dela veio a
Brasília. Acredite que atribuiu
algumas de suas declarações às
perguntas dos jornalistas. Eu lhe
disse que se fosse repórter (Deus
me livre) faria as mesmas perguntas. Uns anos depois, já fora
do poder, Carter visitou o Brasil.
Mostrou desejo de me ver. Respondi que não desejava encontrá-lo. Ligou lá para casa e não
o atendi. Esse é o meu jeito e não
é o seu.
Jogue duro, professor. O senhor é mais que o O$Neill. É
presidente do Brasil, esteve em
Princeton, é doutor por Stanford
e tem um convite para lecionar
em Harvard. Ele tirou o mestrado a Universidade de Indiana.
Eu não o receberia, mas acho
que é pedir muito, Diga-lhe que
o Brasil está repleto de larápios,
mas o governo brasileiro nunca
mandou seu adido militar pedir
a libertação de delinquentes
presos na polícia federal. Está
aqui o Vernon Walters que confirma. Era um pedido de um senador liberalóide chamado Fulbright. O Castello Branco (tenho
evitado-o, é muito irônico),
mandou deixar a porta das celas abertas e os sujeitos escafederam-se.
Se o secretário falar em reformas, "dever de casa" e outras
parolagens, peça-lhe para procurar um memorando escrito
no dia 2 de outubro de 1953 por
George Humphrey, seu antecessor no Tesouro. Ele era claro: os
Estados Unidos não deviam
ajudar a industrializar um país
que competiria com sua produção.
Quando mandei rasgar o
Acordo Militar, eles tentaram
conversar por baixo do pano.
Mandei todo mundo calar a boca. Conversa era comigo e comigo não havia o que conversar.
Volto ao meu ponto inicial: fomos diferentes. É isso que dá utilidade a essas lembranças. Mostram um outro caminho, o das
favas.
Cordialmente,
Ernesto Geisel
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