São Paulo, quarta-feira, 31 de julho de 2002

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JANIO DE FREITAS

Ao relento

Os antecedentes da reação ao insulto do secretário do Tesouro americano ao governo brasileiro ilustram, como um exemplo definitivo, a mentalidade imperante.
Quando iniciado o almoço oferecido ao presidente do Timor Leste, Xanana Gusmão, já era conhecido, ali e fora, a acusação de Paul O'Neill, segundo o qual "Brasil e Argentina ainda precisam pôr em prática" o bom uso do dinheiro que recebem do FMI e outros, para que "não apenas saia do país direto para uma conta na Suíça".
Ministro da Fazenda, portanto funcional e pessoalmente atingido pela acusação de desvio, Pedro Malan teve a coragem de dizer o indizível, com o rosto exposto na TV, para não contrariar o secretário americano. "O que eu entendi, o que foi dito, é que é preciso que haja políticas confiáveis", que ele "acha que existem". Era impossível que Malan, diante da declaração, a entendesse como disse tê-lo feito. E, menos ainda, que adulterasse, para adocicar, "o que foi dito" com toda a clareza e objetividade.
Presidente do Banco Central, portanto funcional e pessoalmente atingido pela acusação de desvio, disse "poder garantir que isso não é um problema com o Brasil". De fato, não é mesmo um problema com o país, é problema com quem ocupa os postos-chave na destinação do dinheiro que vem do FMI e de outras fontes de empréstimos tomados pelo governo. Mas o Brasil foi citado na abertura da frase, com sentido inequívoco, e a fuga de Armínio Fraga à questão apenas compôs a segunda exibição de acoelhamento.
A Presidência da República nem as fórmulas escapistas adotou. Omitiu-se, simplesmente. A reação mais tarde divulgada, com a ordem de Fernando Henrique Cardoso para que fosse cobrada uma retratação à embaixadora americana, chegou-lhe quase por acaso. Ou graças à coincidência do almoço reunindo representantes de vários setores.
Foi o presidente do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio de Mello, que, em conversa com Fernando Henrique, o ministro Geraldo Quintão e o general Gleuber Vieira, secretário do Exército, manifestou sua indignação com as palavras de O'Neill. E a convicção de que era indispensável alguma atitude.
Ali ficou decidida a comunicação à embaixadora americana de que, sem a retratação, O'Neill não poderia encontrar-se com Fernando Henrique ao visitar o Brasil em agosto.
A sujeição ao FMI contaminou toda a natureza do governo, ou a ele transmitida pelos ocupantes de postos influentes. Com o seu conceito pessoal, cada um permita o que quiser. Mas o conceito do país é um cuidado devido pelo governo, sobretudo, diante de outro governo. E, no entanto, sua defesa acontece por acaso, como um almoço com a presença do ministro do STF; ou fica ao relento, como no favorecimento à Raytheon para entregar o Sivam à empresa desejada pelo governo americano, ou seja, ao próprio governo americano.



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