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JANIO DE FREITAS
Ao relento
Os antecedentes da reação ao insulto do secretário
do Tesouro americano ao governo brasileiro ilustram, como um
exemplo definitivo, a mentalidade imperante.
Quando iniciado o almoço oferecido ao presidente do Timor
Leste, Xanana Gusmão, já era
conhecido, ali e fora, a acusação
de Paul O'Neill, segundo o qual
"Brasil e Argentina ainda precisam pôr em prática" o bom uso
do dinheiro que recebem do FMI
e outros, para que "não apenas
saia do país direto para uma
conta na Suíça".
Ministro da Fazenda, portanto
funcional e pessoalmente atingido pela acusação de desvio, Pedro Malan teve a coragem de dizer o indizível, com o rosto exposto na TV, para não contrariar
o secretário americano. "O que
eu entendi, o que foi dito, é que é
preciso que haja políticas confiáveis", que ele "acha que existem".
Era impossível que Malan, diante da declaração, a entendesse
como disse tê-lo feito. E, menos
ainda, que adulterasse, para
adocicar, "o que foi dito" com toda a clareza e objetividade.
Presidente do Banco Central,
portanto funcional e pessoalmente atingido pela acusação de
desvio, disse "poder garantir que
isso não é um problema com o
Brasil". De fato, não é mesmo
um problema com o país, é problema com quem ocupa os postos-chave na destinação do dinheiro que vem do FMI e de outras fontes de empréstimos tomados pelo governo. Mas o Brasil foi
citado na abertura da frase, com
sentido inequívoco, e a fuga de
Armínio Fraga à questão apenas
compôs a segunda exibição de
acoelhamento.
A Presidência da República
nem as fórmulas escapistas adotou. Omitiu-se, simplesmente. A
reação mais tarde divulgada,
com a ordem de Fernando Henrique Cardoso para que fosse cobrada uma retratação à embaixadora americana, chegou-lhe
quase por acaso. Ou graças à
coincidência do almoço reunindo representantes de vários setores.
Foi o presidente do Supremo
Tribunal Federal, Marco Aurélio
de Mello, que, em conversa com
Fernando Henrique, o ministro
Geraldo Quintão e o general
Gleuber Vieira, secretário do
Exército, manifestou sua indignação com as palavras de
O'Neill. E a convicção de que era
indispensável alguma atitude.
Ali ficou decidida a comunicação à embaixadora americana
de que, sem a retratação, O'Neill
não poderia encontrar-se com
Fernando Henrique ao visitar o
Brasil em agosto.
A sujeição ao FMI contaminou
toda a natureza do governo, ou a
ele transmitida pelos ocupantes
de postos influentes. Com o seu
conceito pessoal, cada um permita o que quiser. Mas o conceito
do país é um cuidado devido pelo
governo, sobretudo, diante de
outro governo. E, no entanto, sua
defesa acontece por acaso, como
um almoço com a presença do
ministro do STF; ou fica ao relento, como no favorecimento à
Raytheon para entregar o Sivam
à empresa desejada pelo governo
americano, ou seja, ao próprio
governo americano.
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