São Paulo, domingo, 31 de julho de 2005

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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ O CLIMA

Para parlamentares que atuaram na investigação do caso PC, escândalo atual é mais abrangente, só que preserva o presidente

Participantes de CPIs destacam diferenças

CÁTIA SEABRA
DA REPORTAGEM LOCAL

ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA

O mês é junho. A atuação de um personagem careca abala o governo. No centro da crise, a figura do ex-tesoureiro de campanha. José Dirceu e Roberto Jefferson estão em campos opostos.
Para muitos, as semelhanças entre a CPI do PC Farias e a CPI dos Correios vão além. No escândalo que, em 1992, levou ao impeachment do presidente Fernando Collor de Mello, uma empresa de três letras - a EPC - obtinha recursos de empresas privadas pela prestação de consultoria política e irrigava contas de fantasmas. Hoje, duas empresas de publicidade - a DNA e a SMPB - drenam campanhas políticas.
Mas, além da importante participação de uma secretária e da turbulência provocada no país, as coincidências param por aí. Seja a favor ou contra o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, participantes da CPI do PC traçam as diferenças entre as duas. A amplitude da atual CPI é unanimidade entre os participantes da de 13 anos atrás.
"Antes, a CPI apontava apenas para o governo. Hoje, aponta para o Congresso. O clima é muito mais tenso", avalia o presidente da CPI do mensalão e relator da CPI do PC, Amir Lando (PMDB-RO), lamentando a "exacerbação do denuncismo" de agora.
Atuante membro da CPI do PC, o deputado Miro Teixeira concorda. "No caso PC, a CPI já nascia voltada para a Presidência. Atualmente, a amplitude é muito maior. Não há como comparar."
O líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), defende a tese de que em 1992 a CPI investigava o desvio de recursos públicos para contas fantasmas. A atual é mais abrangente e trata de campanha política. "O impacto fundamental desta CPI é o Congresso. E o efeito não está delimitado. Ninguém sabe a extensão das investigações. Lá, sabíamos onde ia parar", argumenta.
Lando, por sua vez, lembra que a CPI chegou ao presidente ao constatar que o dinheiro saído das contas fantasmas pagava as contas de Fernando Collor de Mello, dos jardins da Dinda ao Fiat Elba. "Hoje, não encontramos esse duto", afirma.
Integrante da chamada tropa de choque de Collor e hoje algoz do PT, o deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) não é condescendente com o governo. "PC Farias ao lado de Marcos Valério e Delúbio é ladrão de galinha. Este foi o mais desassombrado assalto aos cofres públicos. O auge da conta do PC foi de US$ 154 milhões. As contas do Valério só no Rural e no BMG chegam a US$ 700 milhões", diz.
A CPI dos Correios começou apurando o pagamento de propina num órgão público: os Correios. Expandiu-se para o setor privado e beneficia parlamentares de vários partidos.
É por isso que a CPI dos Correios é considerada uma mistura da CPI do PC, que visava o governo, com a CPI do Orçamento, de 1993, que visava o Congresso. Ela investiga todos, governistas e parlamentares, contudo sem nenhum holofote especial sobre o presidente Lula.
Também inverteram-se os investigadores. Antes, os petistas, liderados pelos então deputados José Dirceu e Aloizio Mercadante, eram os mais implacáveis. Hoje, o PT está no banco dos réus.
"O Dirceu e o Mercadante queriam apurar, e o ACM, não. Agora, ACM e ACM Neto querem apurar, e o Dirceu e o Mercadante, não", compara o presidente da CPI do PC, ex-deputado Benito Gama.
Ele era do PFL da Bahia e foi escolhido a dedo pelo então ministro Antonio Carlos Magalhães, o ACM, para manter o governo bem informado sobre as investigações e a CPI sob controle. Benito, porém, roeu a corda. Mesmo os petistas elogiam sua isenção naquela época. "Jogo de conveniência política é o fim de qualquer CPI", diz Benito.
O melhor exemplo é a CPI do Banestado. O presidente era o senador Antero Paes de Barros, do PSDB, e o relator, o deputado José Mentor, do PT. Os dois viraram inimigos mortais, produziram dois relatórios que se anularam e o resultado foi um vexame. Mentor, aliás, agora está envolvido na CPI dos Correios e apura-se relação de causa e efeito entre sua ligação com Marcos Valério e o fiasco da CPI do Banestado.

As provas
A CPI do PC foi criada para apurar denúncias do irmão do presidente, Pedro Collor, de que Paulo César Farias, o PC, tinha se metamorfoseado de tesoureiro de campanha para financiador heterodoxo das contas da família presidencial. A comissão começou já focando Collor.
Uma das primeiras providências foi quebrar o sigilo dos telefones da secretária do presidente no Planalto, Ana Accioly. "Lembro de cor até hoje: 411-1202", dita o relator Benito Gama.
Depois, vieram as provas: o depoimento decisivo do motorista Eriberto França, as contas do Fiat Elba da mulher de Collor, Rosane, as notas da cinematográfica reforma da "Casa da Dinda", a residência dos Collor em Brasília.
Em 13 anos, tudo evoluiu: a tecnologia, que facilita a produção estonteante de dados, a comunicação, que expõe os trabalhos da CPI para o país inteiro ao vivo, os métodos de corrupção, muito mais sofisticados. E os valores.
"Bota três zeros a mais", provoca o senador Pedro Simon (PMDB-RS), que integrou a CPI do PC e a do Orçamento e acompanha de dentro a dos Correios.
A CPI do Orçamento foi bem mais complexa que a do PC Farias, porque investigava a relação entre as emendas orçamentárias que eram aprovadas para obras nos diferentes Estados e o enriquecimento dos parlamentares que as assinavam. Seu símbolo ficou sendo o então deputado João Alves (PMDB-BA), que alegava ter ganho várias vezes na loteria para amealhar contas com o equivalente a US$ 60 milhões.
Alves foi um dos dez parlamentares afastados, seis por cassação, quatro por renúncia. Tal como na CPI dos Correios, um dos "peixes graúdos" era um ex-presidente da Câmara. Naquele época, Ibsen Pinheiro (PMDB-RS); hoje, João Paulo Cunha (PT-SP), cuja mulher sacava nas contas do publicitário Marcos Valério no Banco Rural. Ibsen foi um dos cassados.
O presidente da CPI do Orçamento foi o então senador Jarbas Passarinho, e o relator, o deputado Roberto Magalhães, do PFL de Pernambuco. Quando o número de suspeitos cresceu muito, as quantias eram imensas, a CPI decidiu acabar rapidinho.
A pressa se estendeu também para um acordo que limitasse os expulsos do Parlamento. O PMDB lavou as mãos, e Ibsen se foi. O PFL defendeu os seus com unhas e dentes, salvando, por exemplo, o ainda hoje deputado Ricardo Fiúza (PE).
Esse tipo de "acordão" pode se repetir na CPI dos Correios?
Para Roberto Magalhães, não: "A imprensa vê tudo, noticia tudo. A sociedade brasileira não vai permitir", diz ele.
O senador Eduardo Suplicy (PT-SP) concorda e exemplifica. Em um mês, ele recebeu 3.000 e-mails de cidadãos comentando os trabalhos, depoimentos e investigações da CPI. O petista redigiu o requerimento de convocação da CPI do PC e agora liderou o grupo de 13 parlamentares do partido que apoiaram a CPI dos Correios.
No fundo, há semelhanças de "tecnologia", ou nos mecanismos dos escândalos: uma central arrecadadora (uma com PC, outra com Marcos Valério), distribuindo dinheiro. No caso de Collor, para a família presidencial. Na atual, para parlamentares de PT, PSDB, PFL, PTB, PL e PP -pelo menos até aqui.
Como registra Amir Lando, há outra diferença: o "esquema PC", mais amador, nem se dava ao trabalho de ter uma fachada legal; já o "esquema Marcos Valério" operava com a fachada de empresas sólidas no mercado. Segundo o atual relator, Osmar Serraglio (PMDB-RS), ele abriu e fechou 21 empresas ao todo.


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