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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ O CLIMA
Para parlamentares que atuaram na investigação do caso PC, escândalo atual é mais abrangente, só que preserva o presidente
Participantes de CPIs destacam diferenças
CÁTIA SEABRA
DA REPORTAGEM LOCAL
ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA
O mês é junho. A atuação de um
personagem careca abala o governo. No centro da crise, a figura do
ex-tesoureiro de campanha. José
Dirceu e Roberto Jefferson estão
em campos opostos.
Para muitos, as semelhanças
entre a CPI do PC Farias e a CPI
dos Correios vão além. No escândalo que, em 1992, levou ao impeachment do presidente Fernando Collor de Mello, uma empresa
de três letras - a EPC - obtinha
recursos de empresas privadas
pela prestação de consultoria política e irrigava contas de fantasmas. Hoje, duas empresas de publicidade - a DNA e a SMPB -
drenam campanhas políticas.
Mas, além da importante participação de uma secretária e da
turbulência provocada no país, as
coincidências param por aí. Seja a
favor ou contra o governo de Luiz
Inácio Lula da Silva, participantes
da CPI do PC traçam as diferenças
entre as duas. A amplitude da
atual CPI é unanimidade entre os
participantes da de 13 anos atrás.
"Antes, a CPI apontava apenas
para o governo. Hoje, aponta para
o Congresso. O clima é muito
mais tenso", avalia o presidente
da CPI do mensalão e relator da
CPI do PC, Amir Lando (PMDB-RO), lamentando a "exacerbação
do denuncismo" de agora.
Atuante membro da CPI do PC,
o deputado Miro Teixeira concorda. "No caso PC, a CPI já nascia
voltada para a Presidência. Atualmente, a amplitude é muito
maior. Não há como comparar."
O líder do governo no Senado,
Aloizio Mercadante (PT-SP), defende a tese de que em 1992 a CPI
investigava o desvio de recursos
públicos para contas fantasmas. A
atual é mais abrangente e trata de
campanha política. "O impacto
fundamental desta CPI é o Congresso. E o efeito não está delimitado. Ninguém sabe a extensão
das investigações. Lá, sabíamos
onde ia parar", argumenta.
Lando, por sua vez, lembra que
a CPI chegou ao presidente ao
constatar que o dinheiro saído
das contas fantasmas pagava as
contas de Fernando Collor de Mello, dos jardins da Dinda ao Fiat
Elba. "Hoje, não encontramos esse duto", afirma.
Integrante da chamada tropa de
choque de Collor e hoje algoz do
PT, o deputado Roberto Jefferson
(PTB-RJ) não é condescendente
com o governo. "PC Farias ao lado de Marcos Valério e Delúbio é
ladrão de galinha. Este foi o mais
desassombrado assalto aos cofres
públicos. O auge da conta do PC
foi de US$ 154 milhões. As contas
do Valério só no Rural e no BMG
chegam a US$ 700 milhões", diz.
A CPI dos Correios começou
apurando o pagamento de propina num órgão público: os Correios. Expandiu-se para o setor
privado e beneficia parlamentares
de vários partidos.
É por isso que a CPI dos Correios é considerada uma mistura
da CPI do PC, que visava o governo, com a CPI do Orçamento, de
1993, que visava o Congresso. Ela
investiga todos, governistas e parlamentares, contudo sem nenhum holofote especial sobre o
presidente Lula.
Também inverteram-se os investigadores. Antes, os petistas, liderados pelos então deputados
José Dirceu e Aloizio Mercadante,
eram os mais implacáveis. Hoje, o
PT está no banco dos réus.
"O Dirceu e o Mercadante queriam apurar, e o ACM, não. Agora, ACM e ACM Neto querem
apurar, e o Dirceu e o Mercadante, não", compara o presidente da
CPI do PC, ex-deputado Benito
Gama.
Ele era do PFL da Bahia e foi escolhido a dedo pelo então ministro Antonio Carlos Magalhães, o
ACM, para manter o governo
bem informado sobre as investigações e a CPI sob controle. Benito, porém, roeu a corda. Mesmo
os petistas elogiam sua isenção
naquela época. "Jogo de conveniência política é o fim de qualquer CPI", diz Benito.
O melhor exemplo é a CPI do
Banestado. O presidente era o senador Antero Paes de Barros, do
PSDB, e o relator, o deputado José
Mentor, do PT. Os dois viraram
inimigos mortais, produziram
dois relatórios que se anularam e
o resultado foi um vexame. Mentor, aliás, agora está envolvido na
CPI dos Correios e apura-se relação de causa e efeito entre sua ligação com Marcos Valério e o
fiasco da CPI do Banestado.
As provas
A CPI do PC foi criada para apurar denúncias do irmão do presidente, Pedro Collor, de que Paulo
César Farias, o PC, tinha se metamorfoseado de tesoureiro de
campanha para financiador heterodoxo das contas da família presidencial. A comissão começou já
focando Collor.
Uma das primeiras providências foi quebrar o sigilo dos telefones da secretária do presidente no
Planalto, Ana Accioly. "Lembro
de cor até hoje: 411-1202", dita o
relator Benito Gama.
Depois, vieram as provas: o depoimento decisivo do motorista
Eriberto França, as contas do Fiat
Elba da mulher de Collor, Rosane,
as notas da cinematográfica reforma da "Casa da Dinda", a residência dos Collor em Brasília.
Em 13 anos, tudo evoluiu: a tecnologia, que facilita a produção
estonteante de dados, a comunicação, que expõe os trabalhos da
CPI para o país inteiro ao vivo, os
métodos de corrupção, muito
mais sofisticados. E os valores.
"Bota três zeros a mais", provoca o senador Pedro Simon
(PMDB-RS), que integrou a CPI
do PC e a do Orçamento e acompanha de dentro a dos Correios.
A CPI do Orçamento foi bem
mais complexa que a do PC Farias, porque investigava a relação
entre as emendas orçamentárias
que eram aprovadas para obras
nos diferentes Estados e o enriquecimento dos parlamentares
que as assinavam. Seu símbolo ficou sendo o então deputado João
Alves (PMDB-BA), que alegava
ter ganho várias vezes na loteria
para amealhar contas com o equivalente a US$ 60 milhões.
Alves foi um dos dez parlamentares afastados, seis por cassação,
quatro por renúncia. Tal como na
CPI dos Correios, um dos "peixes
graúdos" era um ex-presidente da
Câmara. Naquele época, Ibsen Pinheiro (PMDB-RS); hoje, João
Paulo Cunha (PT-SP), cuja mulher sacava nas contas do publicitário Marcos Valério no Banco
Rural. Ibsen foi um dos cassados.
O presidente da CPI do Orçamento foi o então senador Jarbas
Passarinho, e o relator, o deputado Roberto Magalhães, do PFL de
Pernambuco. Quando o número
de suspeitos cresceu muito, as
quantias eram imensas, a CPI decidiu acabar rapidinho.
A pressa se estendeu também
para um acordo que limitasse os
expulsos do Parlamento. O
PMDB lavou as mãos, e Ibsen se
foi. O PFL defendeu os seus com
unhas e dentes, salvando, por
exemplo, o ainda hoje deputado
Ricardo Fiúza (PE).
Esse tipo de "acordão" pode se
repetir na CPI dos Correios?
Para Roberto Magalhães, não:
"A imprensa vê tudo, noticia tudo. A sociedade brasileira não vai
permitir", diz ele.
O senador Eduardo Suplicy
(PT-SP) concorda e exemplifica.
Em um mês, ele recebeu 3.000 e-mails de cidadãos comentando os
trabalhos, depoimentos e investigações da CPI. O petista redigiu o
requerimento de convocação da
CPI do PC e agora liderou o grupo
de 13 parlamentares do partido
que apoiaram a CPI dos Correios.
No fundo, há semelhanças de
"tecnologia", ou nos mecanismos
dos escândalos: uma central arrecadadora (uma com PC, outra
com Marcos Valério), distribuindo dinheiro. No caso de Collor,
para a família presidencial. Na
atual, para parlamentares de PT,
PSDB, PFL, PTB, PL e PP -pelo
menos até aqui.
Como registra Amir Lando, há
outra diferença: o "esquema PC",
mais amador, nem se dava ao trabalho de ter uma fachada legal; já
o "esquema Marcos Valério" operava com a fachada de empresas
sólidas no mercado. Segundo o
atual relator, Osmar Serraglio
(PMDB-RS), ele abriu e fechou 21
empresas ao todo.
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