São Paulo, domingo, 31 de julho de 2005

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Crise não mobiliza massas, vê analista

DA REPORTAGEM LOCAL

Os amplos tentáculos da atual crise -que a amarram a diversos e até antagônicos setores da sociedade- são o principal elemento que a separa do momento vivido pelo país em 1992, quando o então presidente Fernando Collor de Mello foi obrigado a renunciar.
"Collor era a crise. Era o coração da crise. Lula, não. Lula pode até ser engolido por ela, mas não há nada até agora contra ele. O que há é um esquema que não se sabe ainda onde começa e onde termina", diz o professor da UFMG, o cientista político Carlos Ranulfo.
Circunscritas a Collor e ao universo palaciano, as investigações de 92 chegaram a sinais exteriores de riqueza da Casa da Dinda e, rápido, pintaram um retrato frívolo e repulsivo do casal oficial. Estudantes foram para as ruas, deputados, na TV, capitalizavam simpatias defendendo a ética.
Em contraste, o presidente Lula faz discursos contra a corrupção -apesar de argumentar, até em rede nacional de televisão que seu partido comete erros que sistematicamente, todos cometem- e goza de popularidade e de apoio entre os movimentos sociais.
O Congresso, por sua vez, está tão ou mais fragilizado do que o governo. E o principal partido da oposição, o PSDB, também não está absolutamente livre para atacá-lo, depois dos respingos do escândalo no tucanato mineiro.
Professor aposentado da Unicamp, Leôncio Martins Rodrigues explica a ausência de mobilização de massa contra Lula."Em geral, quem tem mais controle da rua é a esquerda, sempre foi o PT. E parte desses movimentos está desorientado, mas ainda simpático ao governo." Estudantes, sem-terra e sindicalistas vêem no governo um aliado contra "as elites". Prometem manifestação de apoio no próximo dia 16, apesar de cobrarem mudanças na política econômica.
Mas é justamente a seqüência da política econômica que mantém, do mesmo lado dos movimentos sociais, o mercado e a "elite" ligada a ele. "Não acreditem em uma palavra do discurso cívico deles em nome do governo", diz o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, em referência aos lucros obtidos no setor com as altas taxas de juros .
Se no centro do escândalo Collor estava um partido fabricado para abrigá-lo, o PRN, temos no foco desta crise a mais estruturada sigla do país até então. Para Martins Rodrigues, o fato demonstra a escala do esquema de corrupção: "[No caso de Collor] era um esquema pessoal. Agora, é um projeto de colonização do Estado por um partido, um plano de uso do Estado, de antes até da posse da Lula, para a ocupação de postos fundamentais de aparelho do Estado, das instituições".
Na organização partidária em que Rodrigues vê o foco da corrupção sistêmica, Ranulfo enxerga elementos que credenciam os petistas a superarem os problemas: "O Collor tinha partido? O que estava em jogo? Eram um bando de aventureiros... O PT que tem projeto, tem também um projeto de poder, mas quando chega lá, se perde no processo. O partido tem quadros, laços para superar um momento com esse".
Para Ranulfo há, entre 1992 e hoje, um aperfeiçoamento institucional que possibilita prever punições tanto políticas quanto jurídicas -diferentemente do que aconteceu com Collor, que foi absolvido no Supremo Tribunal Federal, por falta de provas.
Além da sofisticação e rapidez nas investigações, o professor da UFMG aponta a nova musculatura da Polícia Federal a favor: "Sob Collor, a polícia foi desbaratada. Eles atrapalhavam a investigação". (FLÁVIA MARREIRO)


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