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JANIO DE FREITAS
Atraso moderno
A "modernização" brasileira implica atrasos que os próprios tempos atrasados ignoravam.
As concessões antigas para a
exploração privada de serviços públicos -caso de telefones, bondes, ônibus, luz e força- não estabeleciam montantes obrigatórios de investimento e metas de eficiência a
serem alcançadas. Já os atuais
privatizadores fazem contratos com exigências minuciosas. Um cuidado muito útil
para demonstrar consideração pelo usuário. Embora, é
verdade, completamente inútil em termos práticos.
O caso da Light, a fornecedora de escuridão privatizada, nem merece mais ser citado, a não ser para registrar o
progresso técnico que pude
notar, ao vir de apenas 45
dias no exterior: os apagões
estão mais frequentes, a intervalos bem menores. As exigências e metas contratuais
da Light têm a mesma consistência do papel em que estão
impressas.
Privatização mais recente, a
da Companhia Paulista de
Força e Luz, CPFL, já mostrou
a nova qualidade dos serviços:
os cortes de luz aumentaram
20%. Em compensação, a noite paulista ficou mais romântica na mesma proporção. Se
esses êxitos não condizem
com as cláusulas contratuais
de proteção ao usuário, erradas estão as cláusulas, a proteção e o usuário. O que não
gera consequências reais para
a empresa, apesar dos termos
contratuais.
O silêncio fraternal entre essas ex-estatais e as agências
ditas de fiscalização, criadas
pelo governo, não está sendo
observado por todas as privatizadas. É o que se passa com
os diversos recém-proprietários dos 22 mil km de estradas
de ferro. Não lhes bastando,
desde a primeira privatização, em janeiro de 96, descumprir as metas exigidas nos
contratos de venda (com exceção única da pequenina ferrovia Tereza Cristina), agora
oficializaram no Ministério
dos Transportes um pedido de
revisão do contrato. Quer dizer, das metas.
O ministro Eliseu Padilha,
ao que ouviu o repórter Ubiratan Alves, "mostrou-se receptivo". Sua atividade na
campanha de Fernando Henrique tem comprovado que o
ministro é, de fato, muito receptivo, em ação cujos efeitos
nada perdem para o homem
da mala eleitoral, Bresser Pereira.
Deixa pra lá, por excesso de
maus odores, a privatização
da ponte Rio-Niterói. Os casos
citados antes, ainda que por
alto e incompletos, chegam
para indicar o que valem as
metas governamentais que
prometeram, nos contratos da
privatização, telefones a granel e a preços honestos já a
partir do ano que vem. É só
guardar, aguardar e conferir
-para processar, talvez com
um rendimento que pague a
ilusão.
E como modernização puxa
modernização, o governo fluminense está lançando modalidade privatizadora sem precedentes, aqui ou fora. Nas
palavras do conselheiro Sérgio
Quintella, do Tribunal de
Contas do Estado do Rio, é "a
gestão privada de recursos públicos com fins lucrativos".
A fórmula para isso é entregar a terceiros, aparentemente como a tal terceirização, "a
gestão dos hospitais públicos
do Estado do Rio", proporcionando ao contratado recursos
de duas origens: do SUS e do
"Tesouro estadual, (com) parcela fixa mensal, acrescida de
prêmios, sem comprovação de
atendimento individual e tabela de preços -prêmios pela
superação das metas, mas sem
qualquer penalização pelo seu
não-cumprimento", como observa o relatório devastador
de Quintella.
Enfim, um grito: é ilegal.
Com o "pagamento de parcela
fixa mensal, sem a quantificação dos serviços, a inexistência de qualquer risco empresarial", constata o relator,
configura-se "transferência
pura e simples de recursos públicos para o gestor privado".
E tudo isso pretendido pelo
governo fluminense com base
na lei federal, de maio passado, que criou as bresserianas
organizações sociais "sem fins
lucrativos".
Embora seja obrigatória a
apreciação prévia do Tribunal de Contas, o governo fluminense, do PSDB moralizador e modernizador, ignorou-a e já lançou as licitações
para a entrega rápida de seis
hospitais. Cujos novos administradores ficam autorizados, além do mais, a receber o
dinheiro governamental e
subcontratar, a preço mais
baixo, a execução do serviço
por outros.
A modernidade à brasileira
é o atraso do atraso.
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